quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Pedro: Da Estrela de Ouro até a Sapucaí


 

                Busquei a memória recente da cidade e fui ao Salão do Pedro Cabeleireiro entrevistar esse verdadeiro artista:  em sua opinião, Bom Despacho já foi culturalmente mais evoluída, segundo ele: eram menos habitantes do que hoje, mas havia, cinema, teatro, e quatro boates: Cantuá, Circus, Jacaré e Auê.

            Pedro lembrou-se da simplicidade: desde criança, o carnaval exerceu sobre ele um grande fascínio. As pessoas iam para casa, jogavam uma purpurina, um vestido velho virava fantasia, os amigos saíam vestidos de mulher.

            Naquele tempo, no carnaval, a prefeitura fazia um concurso de escolas de samba e dos blocos. Eles eram: Prisioneiros do Álcool, Pilek, Sem Compromisso, Damas e Valetes, Catfully, Babi Gole, Tropicália. Eram doze turmas.

            As escolas de samba eram duas: Estrela de Ouro e Sinal de Alerta. Eram duas turmas e famílias: a Tiana (da Tabatinga) e o Krim (da rua São Paulo). Krim era caminhoneiro: o caminhão dele, no carnaval, virava carro alegórico. Não havia, no entanto, rivalidade e sim amizade entre eles.

            Outra lembrança é o carnaval de 1990, no qual a figura do marajá estava na moda graças a Fernando Collor. O sobrinho do Krim, um negro alto, saiu com um grande turbante, causando grande impressão: um verdadeiro marajá! Krim tinha percussão, mas não composições, enquanto Tiana exibia uma forte mística africana: eram sambas compostos por eles mesmos “Estrela de Ouro, é da Tabatinga, que é”. Antônio, marido de Tiana, vestia-se de lorde inglês, com peruca branca, enquanto as meninas sambavam com paetês e guarda-chuvas. Era uma escola completa, insuperável. Ganhava todo ano.

            A prefeitura fazia a apuração. Existiam troféus, bem como prêmios diferentes para a escola de samba e os blocos. Quase sempre, Estrela de Ouro ganhava como escola de samba, enquanto Catfully, Damas e Valetes e Tropicália ganhavam o concurso dos blocos.

            Paulinho e Manoel eram dois personagens fundamentais do Estrela de Ouro. Adoravam vestir-se de mulher no carnaval, o que não podiam fazer habitualmente, apenas de forma muito discreta, mas no carnaval desbundavam, usavam apenas provocantes tapa-sexos. Pedro recorda-se da forma impressionante como eles eram respeitados por todos. Como a cidade era evoluída em termos culturais!

            Os desfiles eram na Praça da Matriz e desciam para a rua Dr. Miguel Gontijo, as famílias reuniam-se ali. Era um orgulho, a glória: turistas vinham de Divinópolis e de toda a nossa região para pular o nosso carnaval.

Por fim, Pedro lembra-se do último carnaval ao estilo antigo (1988). Era uma ansiedade esperar a apuração dos votos em frente à câmara dos vereadores, mesmo debaixo num tempo chuvoso, mas depois da vitória, todos comemoraram loucos de alegria, cantando e dançando na chuva! Pedro conta que seu peito parecia explodir de uma energia, uma alegria indescritível!

            Mesmo tantos anos depois, aquele fascínio do carnaval permaneceu dentro de Pedro. Querendo reviver as emoções, entrou em contato com a Estação Primeira de Mangueira e desfilou na Sapucaí. Ele conta que seu domínio do samba fez com que ele fosse uma referência no desfile: os organizadores apontavam que quem vinha atrás deveria seguir seus belos passos. Foi um momento de glória em sua vida, todas as imagens passaram em sua cabeça naquela apoteose maravilhosa: sua infância no carnaval bom-despachense, a Estrela de Ouro, Tiana e Krim. Pedro foi, literalmente, da Estrela de Ouro para a Sapucaí.

 

 

 

 

 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Zé Toniquinho: O Homem e o Mito

 

Zé Toniquinho: o Homem e o Mito

 

            Falecido no dia 07/10/2021 de causas naturais, José Vicente dos Santos (Zé Toniquinho) foi uma das figuras das mais influentes da cidade. De origem humilde, tornou-se uma personagem que frequentou altos círculos da sociedade bom-despachense.

            Consagrou-se graças a um único livro: suas já célebres memórias (Minha Vida, Meus Amores, Brasília, Editora do Autor, 2008), é claramente um livro com um co-autor: Pedro Rogério Couto Moreira, filho do ex-presidente da Academia Mineira de Letras. A editoração foi cuidadosa, realizada em Brasília; o livro conta com fotos coloridas que documentam os fatos narrados. Faltou, no entanto, um índice para essa narrativa de mais de 150 páginas.

            José Antônio tinha uma cultura cinematográfica muito vasta. Tinha visto muitos filmes no Cine Regina. O seu filme preferido era La Violetera, de Sara Montiel (1958).

O gênero “memórias” talvez seja aquilo que fica melhor definido em termos de gênero dentro desse livro. Afinal, o gênero sempre foi o grande problema do autor: José era uma alma de mulher dentro de um corpo de homem. A identificação do autor foi com a figura da hetaira e da messalina. E é assim que o leitor é levado a ler esse livro: colocando-se na posição de quem ouve uma cortesã espirituosa contar seus segredos de alcova. A linguagem, embora tenha passado pela pena de um letrado, foi mantida crua.

O livro manteve uma âncora no social nas primeiras páginas, enquanto descreve sua infância em meio ao drama da pobreza e da fome, com a família desfeita após o desaparecimento da mãe no Rio de Janeiro. Aí está o verdadeiro valor desse relato, aquilo que será objeto de estudo dos historiadores das mentalidades e monografias de final de curso para os psicólogos.

Após o capítulo sobre os primeiros segredos de alcova, não se pode mais tanto falar no autor e sim em Coquita Rugello, personagem andrógina, travesti e picaresca que ele soube, muito bem, criar. É um texto orientado para dar prazer ao leitor com a penetração do leitor dentro dos recantos mais íntimos do corpo e da alma do autor. Suas memórias foram sua marca e serão para sempre uma lembrança forte de uma época que os historiadores do futuro irão estudar. Eles se lembrarão dele ao abrir seu livro, como nós, de agora em diante. Zé ficou encantado para sempre, virou memória.

Laços de Amor e Chá Verde

 

Laços de Amor e Chá Verde

 

                O meu avô Mário Marcos de Morais, de saudosa memória, tem uma sobrinha escritora muito talentosa em Santo Antônio do Monte, Dilma Moraes. Ela é filha de José Moraes e manteve o “Moraes” de origem portuguesa.

            Em 2020, Dilma lançou um livro portentoso, Laços de Amor e Chá Verde, dotado de extensa pesquisa, com muitos dados e fotos, em luxuoso papel couchê, resgatando memórias e lembranças de sua família, da cidade (“Samonte”) do Brasil e do mundo. O livro foi editado pela própria Dilma, uma elegante e exigente professora, mas como ficou caro, não parece ter circulado. Bom Despacho ocupou um bom espaço no livro de Dilma Morais, cuja família Morais é a mesma da de Bom Despacho. Ela vinha aqui visitar o tio e os primos e primas, bem como esteve na França em companhia de minha tia Elisabeth Morais, professora de Francês, viagem narrada no livro. Foi também ao lançamento do livro Coqueiros, em 2001, lançado quando meu avô Mário fez 85 anos. Ela também registrou o lançamento do livro seguinte, Rastros na Poeira, bem como citou os professores Tadeu e Sônia Queiroz, que são a nata de nossa intelectualidade, nessa ocasião. No passado, Dilma vinha visitar Bom Despacho e nossa família aqui. Ela fez essa bela descrição desse tempo:

 

            Os tios Mário e Irene casaram-se em Bom Despacho e lá tiveram seus primeiros filhos: Elisabete (faleceu jovem, em 1993), Maria Celeste, Hermann, que morreu aos três anos de idade, Mário Lúcio (Bil), Sônia e Marlene. Eles moraram um tempo aqui em Santo Antônio do Monte e foram nossos vizinhos. Mário trabalhava como contador (hoje contabilista). O sétimo filho, Paulo César, o único natural de nossa cidade, teve papai e mamãe como seus padrinhos de batismo. Mamãe costumava fazer trouxinhas com guloseimas, uma para cada criança, e as lançava no quintal, onde eles brincavam. Depois que eles voltavam para Bom Despacho, nasceram mais três filhos: Cláudio, Jane e Denise, completando uma família bonita e alegre. Algumas vezes os tios apareciam em nossa casa, geralmente trazendo as meninas mais novas, e aproveitavam para visitar os outros parentes (...) Mário tinha olhos azuis, riso fácil, elegante em tudo –no porte, nos gestos, na voz, no trato, nas maneiras, na atenção com todos –fez da alegria o oitavo sacramento, nela apostando o jeito de procurar a perfeição. Irene, além de lembrar a atriz Ingrid Bergmann, possuía um timbre vocal especial e cativante (...). Em 3 de setembro de 2007, dia de São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja, faleceu, aos 93 anos, Mário Marcos de Morais, homem religioso e temente a Deus. Irene partiu pouco tempo depois (MORAES, 2020, p. 35).

 

            Esse livro de Dilma apanha os cacos da memória, juntos num mosaico, tem uma capa feita também por um parente, Luís Cláudio Morato. Esses cacos da memória convidam o leitor para saborear um chá verde, bebida perfeita para mergulhar nas páginas de Laços de Amor.

 

 

 

 

Duas Cartas Sobre o Nosso Carnaval

 

 

Duas Cartas Sobre o Nosso Carnaval

 

                A coluna “Acabou Nosso Carnaval”, publicada mês passado nesse Jornal de Negócios, teve como resultado, para mim, essas duas interessantes cartas que gostaria de partilhar com vocês:

 

Ei Juninho, beleza? Só agora consigo dar uma parada para lhe enviar as duas letras, como combinado. Na verdade, na semana passada eu procurei, nos meus arquivos, um panfleto com a música "Nós dois pela cidade", mas não encontrei. Achei uma menção, no Jornal Realidade, de 1994, tratando rapidamente do samba-enredo oficial do carnaval daquele ano que tinha sido a marcha composta por mim. Em 1988, eu, o Murilo Marques Gontijo e o Gui Hamdan Gontijo estávamos no bar da Fifi e do Boleka que ficava na rua Vigário Nicolau. Eles me pediram para compor uma música para para a turma Trambique desfilar no carnaval. Eu pensei numa marchinha e escrevi a primeira versão da letra em um guardanapo, naquela própria noite. Chegando à minha casa, acabei de dar uns retoques na letra e na estrutura musical. Depois, o Amauri (não sei o sobrenome dele, é bom saber), da turma Pilek foi à minha casa e me pediu um samba-enredo, disse que iriam desfilar de azul e branco que os homens desfilariam vestidos de malandros e as mulheres de vedetes, etc. Eu ajuntei as ideias com o centenário da abolição da escravatura e fiz o samba. Eu cantei as duas músicas, acompanhado pelo violão, em um palanque montado na Rua Dr. Miguel, próximo ao Beco da Duca (Rua Dalila Vieira). A Trambique desfilou de forma muito irreverente, curtindo a vida. A Pilek também estava curtindo a festa, mas de modo mais organizado, levou o primeiro lugar no carnaval de 1988. Boas lembranças!

Abraços! Obrigado pela lembrança do meu trabalho e tudo de bom!

 

            A seguir, Roniere mandou mais uma:

 

Júnior, lembrei-me de um dado a mais na história da criação das músicas em 1988. Eu e o Beto (conhecido como Beto Brinquinho) tínhamos feito uma viagem a Uberaba onde ficamos uma semana fazendo cursos no Festival de Verão. Eu fiz um curso de composição musical contemporânea e o Beto fez um curso de teatro e participamos de algumas oficinas. Lembro-me de ter feito uma oficina de violão, o Beto fez uma de teatro de bonecos. Eu me apresentei em concerto final tocando "E agora José", de Paulo Diniz e Carlos Drummond e ainda compus uma peça que foi apresentada pelo coral, de que o Beto também participava, em um outro evento de encerramento. Foram dias muito ricos, muitas informações, novas amizades, saídas à noite com a turma do festival, etc. E aquele tema do centenário da abolição aparecendo em diversos eventos, na mídia, em manifestações do movimento negro, etc. Acho que essa boa energia e essas informações contribuíram para as duas criações serem feitas em tão pouco tempo. Isso aliado à necessidade de compor em curto prazo por conta do carnaval. Já ouvi que a cobrança de prazo pode ser a melhor das musas. Rss.

Abraços!

Roniere