domingo, 17 de agosto de 2008

Apenas Uma Prova de Amor -- O Texto

Peça-monólogo
De Rodrigo Contrera (rodrigo_contrera2@hotmail.com)

Personagem: C

Ato 1

(música 01 Bless the Lord, O My Soul [Psalm 104], regida por Paul Hilier, até o fim. C aparece aos poucos, especialmente após pouco menos de metade da música)

(C mudo. não faz mímica)

Cheguei. Olha eu aqui.

(tempo)

Alguém me pôs aqui.
Alguém me disse: sobe lá e diz alguma coisa.
Sobe lá. Ocupa o teu lugar. O TEU lugar.

(tempo)

Eu me lembro.
Eu passava a minha vida onde vocês estão.
Foram anos assistindo, engolindo em seco e aplaudindo.

(lembra)

Uma vez eu saí no meio.
Só uma vez.

(tempo)

Dizem que é preciso coragem para pisar este palco.
Qualquer palco.
É o risco do ridículo.
O medo de errar.
Ficar mal na fita.

(tempo)

Muitos ficam onde vocês estão apenas por medo.
O mesmo medo de errar.
No fundo, eles gostariam de estar aqui.
Eu sei.

(tempo)

Mas muitos de vocês jamais vão pisar qualquer palco.
Por medo. Falta de oportunidade.
Vocês dizem que não, que não é isso.
Que só vêm aqui se divertir.

(tempo)

Dizem que preferem ver. Assistir.
Pagam para que os outros os divirtam.

(tempo. vira-se, fica de costas. toca 04 The sun will not strike you by day (Salmo 121), até o 26s. retomado o off)

Ninguém pediu para eu vir aqui.
Eu mesmo quis.

(continua virado)

Eu sou o autor desta peça.
Estas palavras que vocês ouvem fui eu que escrevi.
Nada demais.

(tempo)

É a segunda vez que escrevo uma peça.
A primeira foi há alguns meses.

(aparece o vídeo, ao fundo. 05 Hear my prayer, O Lord, direto, suave, baixo)

Aquele cara lá atrás sou eu.

(tempo. a peça continua, dá para ouvir. passa algum tempo. torna-se clara a intenção)

Era uma espécie de desabafo.
Comecei assim.
Eu estava lá na frente, vendo tudo.
Morrendo de vontade de rir.
De estragar tudo.

(tempo)

O Nélson Rodrigues era fissurado pelo buraco da fechadura.
Para mim o buraco é aqui.

(tempo)

Na frente de todos.
Para mim, é assim.

(tempo. deixa mais algum tempo aparecer a peça. abaixa aos poucos a cabeça)

Ninguém viu.
Podem rir.

(levanta a cabeça. tempo)

Mentira. Foram uns amigos.
Uns amigos sempre vão.
Outros, nunca.

(pára a música. levanta-se)
(dirige-se à platéia)
(dirige-se a um homem da platéia, mais velho)
(o texto continua em off)

O sr. é meu amigo?

(se a pessoa faz menção de responder, o palhaço coloca o dedo em sua boca, suavemente, ou faz o gesto de silêncio - mais fácil)

Está aqui porque é meu amigo?

(continua avançando em direção à platéia. dirige-se a outra pessoa)

Eu não me lembro de você.
Você é alguém?
É alguém importante?

(avança para outra pessoa)

Você me lembra uma pessoa.
Alguém. Não me lembro quem.

(olha uma pessoa no canto)

Sem você, minha vida seria diferente, sabia?

(olha todos e ninguém)
(música The Sicilian Clan [-], de John Zorn, de The Big Gundown, em >>> (rapidez))
(ao som dos poing, bolas caem em C, do nada. ele pega as bolas e tenta se vingar. depois, ele entra na dança e dança olhando para todos. ao final, ele vai embora, fugindo das bolas)
(fim do ato 1)

Ato 2

(música Köln Concert. Keith Jarrett. 01 Part I)

a
(joão hélio)
(palhaço carrega boneco destroçado, puxado por uma das pernas. precisa ser feito com extremo bom-gosto e educação. ele carrega o boneco como se estivesse carregando seus pecados. de vez em quando, ele volta-se para tentar reanimar o boneco.)

b
(isabela)
(aparece o palhaço embaixo de um prédio. caem rosas em cima dele. as rosas o distráem. impedem que ele durma. caem muitas e muitas rosas. afunda-se em rosas. não consegue dormir. descansar. quando todas caem, formam sobre ele um manto e ele descansa, por debaixo delas)

c
(menina estuprada em cadeia do pará)
(palhaço permanece num dos cantos do palco. no outro canto, um boneco de menina. com cabeça abaixada. nua. machucada. ao longe, gritos. gritos e mais gritos. o palhaço coloca os dedos nos ouvidos, não consegue aguentar. os sons desaparecem, mas o palhaço continua ouvindo-os)

d
(menina torturada em apartamento de classe média)
(boneco de criança em meio a muitos, muitos bens pendurados. seus braços estão presos. sua boca, amordaçada. o palhaço vê ela presa a essa situação, mas, distante por um espelho de água, não pode fazer nada)

e
(menino destroçado por balas em carro no Rio)
(palhaço brinca com garoto pequeno, 3 anos no máximo, de jogar balinhas um contra o outro. ao longe, sons extremamente fortes de tiroteio. sons aumentam. os dois continuam brincando)

f
(garoto entregue a traficantes)

g
(menino desaparecido - geral)

h
(casal de namorados morto por garoto e caseiro)

Ato 3

(música a escolher)

(ele e o nariz, no centro do palco)
(o nariz fala)

- Você gosta de chamar a atenção, não é?

Sempre gostei. Desde os cinco anos.
Eu dançava na frente dos meus tios. Eles riam e aplaudiam muito.
Eu devia me achar importante.

- Mas quando foi a primeira vez que você REALMENTE pisou no palco?

Foi numa peça. Eu disse um texto. A platéia estava lotada.

- O que você sentiu na hora?

As luzes estavam todas em mim.
As pessoas não pareciam elas mesmas.
Elas me olhavam.
Eu me sentia sendo dissecado.
Como se fosse um animal.
Como se eu estivesse sendo testado.
Diga a verdade, as pessoas pareciam pareciam dizer.
Voltei à coxia.
De repente entendi.
Até aquele momento eu havia sido ninguém.

- Você gostou, então?

Adorei.
Pensei: este lugar é MEU.
Nunca tive um lugar meu.
Passei a adotar o palco para mim.

- Você passou a sonhar cada vez mais em estar aqui.

Sim.

- Mesmo que isso te obrigasse a ser ridículo.

Isso.

- Como um palhaço? (tom de zombaria)

Um palhaço não é ridículo.

(diz o texto acima em tom de lamento. pega o nariz. vira-se. coloca-o)
(música 04 Faixa 4 do CD Moods Reflections Moods, de Fábio Caramuru)
(pega outra bola, deixada perto. começa a brincar com ela, sem se dar muito bem com os movimentos que ela exige)
(exibição de cenas de vídeo, ao fundo. pequena tela, mas com muita clareza. as cenas são simplesmente fatos. nada muito editado e que passe mensagem clara. simplesmente fatos. é como se o vídeo substituísse a realidade, e o palhaço, eu, estivesse como que passando o tempo, sem intenção definida, enquanto tudo passa. a idéia - se é que existe - está em mostrar o papel do ser humano particular nisso que é a realidade planetária dos dias de hoje: nenhum. mas o palhaço não assiste, ele só brinca. brinca e tenta chamar a atenção. faz número, tenta obrigar os espectadores a desviarem os olhos da tv. haverá um momento em que o rodrigo, o autor, irá assistir às cenas. as cenas do vídeo terão de ser exaustivamente editadas e devem ter a ver com meus recortes. pode, como opção, ser exibido um ppt de minhas fotos e meus textos recortados)

(a partir de certo momento, voz em off)

Para que serve um palhaço?
Um palhaço não serve para nada.
O palhaço olha e engole.
Toma tudo para si.
Você não ri, ele se deixa afetar.
Fica chateado.
Abaixa a cabeça.
Você ri, o palhaço adora.
Se você grita com ele, ele chora.
O palhaço expressa fragilidade.
Ri e chora.
Grita e lamenta.
O palhaço é uma espécie de criança.

(tempo. tira o nariz. fica de costas)

O palhaço não está nem aí para o mundo.
Como esse mundo aí.
Esse mundo que dói tanto.
Esse mundo tão difícil de aceitar.
Mas nem por isso o palhaço é ridículo.
Ridículo é aceitar e ficar calado.
O palhaço não aceita.
O palhaço sabe chorar.
O palhaço ri.
Nós, não mais.
Nós vemos e ficamos calados.
Guardamos a dor com a gente.
Abraçados ao nosso rancor.

(homem que jaz em cima de uma mesa. não se mexe. está morto)
(mensagem no vídeo: "João Antônio, obrigado". as imagens continuam)
(fim da música. as imagens continuam. o homem, eu, desapareço na escuridão)(tempo. fim do ato)

(música Köln Concert. Keith Jarrett. 03 Part III)

Exceto aqui no teatro.
Aqui não é lugar de bombas.
Aqui estamos todos juntos.
Vocês, com vocês.
Nós, conosco.
Vocês com a gente.
A gente com vocês.
Sim, é assim.
A todo momento, aqui, estamos todos juntos.
Sempre foi assim. O teatro é isso.

Ato 4

(Peteris Vasks - Dona nobis pacem in Baltic Voices 1)

Não dá mais para viver só de tristezas.
Ninguém agüenta.
Mas as bombas continuam.

(imagens de bombas)

Ah, se eu pudesse só lembrar do amor. De quando eu dançava na frente dos meus tios.
Seria tão legal.

(tempo)

Mas sou um homem.
Não sou mais uma criança.
E a gente precisa acabar com isso.

(surgem pessoas, que andam para lá e para cá, retomando a vida dura de cada dia. a luz começa a desaparecer gradualmente, acentuando-se a queda a partir de 6min30. em 7min10 nao há praticamente luz. espelho no palco, cobrindo todo o palco, de lado a outro. começa a surgir luz na platéia a partir de 8min. a luz aumenta gradativamente e em 9min15 torna-se forte o bastante
para mostrar a todos no grande espelho. em 10min20, os espelhos são desfeitos. surgindo um grande corredor feito de espelhos no palco. em 11min10, a música praticamente pára e nesse momento vem a expectativa quanto a o que vai surgir entre os espelhos. pessoas da platéia entram aos poucos no palco e vão até o fim, desaparecendo nas coxias. caso isso não aconteça,
casal combinado ou um palhaço entra no palco e avança, enquanto a luz cai)

(final 4 ato)

Créditos

(música: 09 Battle Hymn, de Judas Priest, em Painkiller. até o fim. várias vezes. o texto a seguir é dito a partir da segunda vez) (créditos: ___________)

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