sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Jogos Olímpicos de Guerra: Geórgia X Rússia

8/08/2008 - 20h37

Conflito latente avançou após independência de Kosovo, dizem analistas

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MARIANA CAMPOS
da Folha Online
CAROLINA MONTENEGRO
colaboração para a Folha Online

O conflito entre a Geórgia e a Ossétia do Sul podia ter ocorrido a qualquer momento, porque a tensão entre as partes era latente desde o final dos anos 90. Essa é a análise do professor Alexander Zhebit, livre-docente em história de Relações Internacionais e Política Externa pela Academia Diplomática do Ministério das Relações Exteriores da Rússia; e de Angelo Segrillo, historiador da USP (Universidade de São Paulo), UFF (Universidade Federal Fluminense) e Instituto Pushkin de Moscou.

Considerada uma importante rota de transporte de petróleo e gás natural na fronteira russa, a Ossétia do Sul autoproclamou independência da Geórgia em 1992, após a queda da União Soviética. O território conta com o apoio de Moscou para a separação --inclusive por abrigar muitos cidadãos russos--, mas a Geórgia não reconhece a independência. Nesta sexta-feira, a Geórgia realizou uma ofensiva contra a Ossétia do Sul, e a Rússia reagiu.

Arte/Folha Online

Para Zhebit, a tensão entre a Geórgia e a Ossétia do Sul era muito grande desde a chegada ao poder, em 2004, do presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, aliado dos EUA. Ele diz que a escalada ganhou força após a independência de Kosovo, em fevereiro. Para o professor, o uso da força demonstrado hoje por parte da Geórgia foi "simplesmente ultrajante".

"Assuntos separatistas têm de ser tratados com bastante cuidado e com bastante respeito, porque podem provocar derramamento de sangue", disse.

"Os russos não reconheceram Kosovo independente da Sérvia, sua aliada, e ameaçam que, se isso acontecesse, eles também poderiam reconhecer a independência da Ossétia do Sul. Se Kosovo pode, por que não a Ossétia e a Abkhásia também?", explica Segrillo. Segundo o analista, antes de a independência kosovar, a Rússia tinha mantido uma postura neutra em relação à Ossétia do Sul e também não tinha reconhecido a independência.

Embora, na prática, a Ossétia do Sul opere de forma quase autônoma desde os anos 1990, a meta do território é se tornar independente ou se reintegrar à Ossétia do Norte, que integra a Rússia atualmente. "Os russos aceitariam os dois territórios, como parte da Rússia, mas a Geórgia não", acrescentou.

Independência

Segundo Zhebit, a população da Ossétia do Sul é uma minoria que vive também na Ossétia do Norte. "É o mesmo povo que vive dividido em duas partes pela fronteira russo-georgiana", afirmou. Hoje, cerca de 80% dos ossetianos do sul possuem passaportes russos.

"Em 1992, eles declararam a independência e, desde então, são uma república separatista que sofreu bastante porque os georgianos nunca concordaram com a declaração e sempre tentavam resgatar esse território", afirmou.

Para Zhebit, a tensão existente também entre Geórgia e Rússia não é atual. Ele diz que os georgianos, com relação à Rússia, não praticam a "política da boa vizinhança, falando de maneira bastante suave".

"O presidente Mikhail Saakashvili logo declarou suas intenções de entrar na Otan e permitiu a presença dos conselheiros militares dos EUA em seu território. Então, a orientação dele está clara. Posso dizer que isso irrita o governo russo porque a região é bastante explosiva: a Tchetchênia se encontra lá e o conflito tchetcheno ainda está vivo na memória dos russos."

Ele classifica a rivalidade como puro nacionalismo. "E o nacionalismo georgiano, graças à política do Mikhail, é predominante. Eles estão tentando estabelecer controle sobre as regiões separatistas. A questão não é se eles têm direito, mas que eles têm de fazer isso usando os meios legais, recorrendo ao direito internacional, à negociação e não ao uso da força."

EUA

Desde que assumiu o poder, o presidente georgiano promete retomar o controle da Ossétia do Sul, mas sua decisão de atacar a região agora está ligado aos laços da Geórgia com os Estados Unidos --que mantém tropas no país para treinamento de militares que lutam no Iraque--, segundo Segrillo. "Saakashvili se sente mais forte para atacar a Ossétia do Sul porque tem simpatia ocidental."

Em abril passado, na última cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico-Norte), em Bucareste, os EUA defenderam a entrada das ex-repúblicas soviéticas Geórgia e da Ucrânia na aliança, mas a Rússia se opôs ferozmente.

No final, os EUA conseguiram apoio para escudo antimísseis em países do Leste Europeu, mas ficaram sem um cronograma para a adesão. O saldo de meias-vitórias para Rússia e EUA põe em risco o futuro da Otan e ameaça o ressurgimento da Guerra Fria.

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