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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Da natureza do preconceito

A Natureza do Preconceito (capítulo 3 do texto de Norberto Bobbio chamado O Elogio da Serenidade): biografia e comentários

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

1. Biografia


Filósofo, escritor e senador vitalício italiano nascido na cidade industrial de Turim, norte da Itália, considerado um dos filósofos mais importantes do século 20 e chamado pelo presidente italiano, Carlo Azeglio Ciampi, de mestre da liberdade. Filho de Luigi, um médico cirurgião, e de Rosa Cavilia, foi educado (1919-1927) no Ginnasio e depois no Liceo Massimo d'Azeglio, em Turim. Estudou Giurisprudenza na Università di Torino (1927-1931), formando-se em Filosofia e Direito. Estagiou em Marburg Alemanha (1933) e voltando a Turim, especializou-se (1932-1933) em filosofia defendendo a tese Husserl e a Fenomenologia e, no ano seguinte, obteve a livre docência em filosofia do direito. Chegou a ser detido, por sua oposição ao regime fascista (1935), acusado de integrar o grupo Giustizia e Libertà, período em que começou a escrever suas primeiras obras filoasóficas. Ensinou na Facoltà di Giurisprudenza na Università di Camerino (1937-1938) e, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) atuou no movimento de resistência antifascista e integrou o Partido de Ação, grupo de radicais de esquerda que mais tarde ajudaram a moldar a política pós-guerra. Neste período foi professor na Università di Siena (1939-1942) e, em seguida, ensinou na Università di Padova e casou-se com Valeria Cova (1943). Alternando períodos entre Turim e Pádua, voltou definitivamente para a sua terra natal (1948) para assumir a cadeira de Filosofia do Direito na universidade local, lá permanecendo por quase duas décadas e meia. Com uma larga produção bibliográfica mudou-se (1972) para a recém fundada Facoltà di Scienze Politiche di Torino, onde continuou sua intensa atividade intelectual. Iniciou em seu país (1975) um debate sobre socialismo, democracia, marxismo e comunismo, que influenciou as novas gerações de toda Europa. Foi nomeado senador vitalício (1984-2001) pelo então presidente (1978-1985) Sandro Pertini. Nos anos 90, quando foram abertos alguns arquivos da era fascista, foi encontrada uma carta dele ao líder fascista Benito Mussolini (1883-1945), na qual o filósofo elogiava o regime fascista, mas seus defensores afirmaram que a carta era a única forma de o intelectual salvar sua pele na época. Também nos anos 90 foi considerada a possibilidade de ser candidato à presidência italiana, um cargo de pouco poder político, mas de grande autoridade moral. Professor benemérito da Universidade de Turim, onde deu aulas de Filosofia do Direito, Ciências Políticas e Filosofia da Política durante várias décadas, escreveu para vários jornais e revistas, incluindo o Corriere della Sera, principal diário do país. Ao longo de sua carreira, escreveu centenas de livros, ensaios e artigos. Um de seus livros mais importantes foi Política e Cultura (1955) que vendeu mais de 300 mil cópias só na Itália e foi traduzido para 19 idiomas. Também foi sucesso internacional seu ensaio Destra e Sinistra (1994), uma de suas obras mais vendidas, e De Senectute e altri scritti autobiografici (1996). Recebeu o título doutor honoris causa diversas vezes, na Itália e em outros países. Viúvo (2003) depois de 60 anos de casamento, morreu no hospital Molinette, em Turim, onde esteve internado por mais de um mês com problemas respiratórios, aos 94 anos.

2. O Elogio da Tempestade: Nietzsche X Bobbio

Nesse capítulo selecionado, Bobbio escreveu contra Nietzsche. É muito importante saber “contra quem” o filósofo está escrevendo. Uma boa forma de ficar sabendo um texto é escrever contra ele, procurar os seus defeitos e falhas. Bobbio foi marcado pelo filofascismo de sua família de origem burguesa no Piemonte e reagiu contra ele na juventude. Entre os autores que ele estudou, há alguns que apoiaram o fascismo, como Carl Schmitt, que teorizou a necessidade da ditadura.
Bobbio é um racionalista herdeiro de uma tradição democrata iluminista. Ele considera Nietzsche a partir da leitura que se fez dele nos anos 20 e 30: Nietzsche é, segundo Lukács, um precursor da estética fascista. Assim Bobbio o vê: o anti-igualitarismo ditatorial do fascismo seria o oposto do igualitarismo legalista e constitucionalista da democracia liberal. Assim como Aristóteles em Ética a Nicômaco, Bobbio teorizou, nesse texto, sobre um assunto correlato da ética. Ser preconceituoso não caberia numa ética democrática. Bobbio não se preocupou com a etimologia da palavra. Ela estaria ligada a uma pré-compreensão: antes de ter contato com alguém ou alguma coisa, existiria o preconceito, a aversão, repulsa ou desejo de afastá-la. Montaigne, em seu texto sobre Os Canibais, está justamente associando os índios a povos da antiguidade como os citas, que também realizavam antropofagia. Ele relativiza, estuda, racionaliza as observações e reações dos europeus diante dos índios e procura relativizar o juízo que foi emitido a respeito deles: “são bárbaros”. O assunto de Bobbio será a reflexão sobre esse tipo de juízo.
Para Bobbio, preconceito e prevenção estariam ligados. Preconceito, define ele, é opinião falsa, mas potente socialmente, dificilmente corrigível. Ele é do Piemonte, região da Itália que mostrou bastante vontade de potência e unificou politicamente o país em 1870. O Piemonte, por causa dessa posição hegemônica, estabeleceu-se como região dominadora das demais. Produziram-se, por isso, juízos negativos dos piemonteses sobre os demais italianos e vice-versa, reforçados por essa situação histórica, econômica e cultural, com certeza.
Bobbio foi ligado ao Direito e por isso cita diferentes tipos de juízo: bem e mal, bom ou ruim, Deus e o Diabo, esquerda e direita. Ele tende muito a fazer esse tipo de separação. Ele não gosta da idéia de ir “para além do bem e do mal”, texto de Nietzsche que ele citou. A todo momento, o texto de Bobbio faz essas contraposições: Deus versus diabo, esquerda versus direita, bem e mal, Direito e violência, Rousseau e anti-Rousseau.
Bobbio quer chegar aos problemas regionais italianos e faz um percurso até esse assunto. Bobbio cita, a todo momento, trechos da constituição italiana. No entanto, o próprio Bobbio sabe que é preciso desconfiar desse corpus de leis que dependem do contexto social e político para funcionar; e seu funcionamento é poluído, sujo, muito diferente do ideal. Bobbio é um filósofo muito ligado a conceitos puros e ideais sem mácula, discursos, leis e proclamações de direitos que não impedem a violência, mas são uma garantia, uma baliza, algo que podemos acionar para nos defender.
Em dado momento, Bobbio citou um trecho curioso, onde deixou escrito que o dever da república é remover os obstáculos econômicos e sociais que farão a igualdade. Essa lei provavelmente abre para intervenções caritativas ou humanitárias, mas para realizá-la plenamente a república deveria abolir a si mesma e fazer nascer a república socialista, pois o verdadeiro obstáculo da igualdade é a república burguesa. Mesmo na república burguesa mais democrática, o destino da maioria da população é a escravidão assalariada.
O juízo negativo está no pólo oposto do juízo de fato, no texto de Bobbio. Para Bobbio, o problema do preconceito é que as duas classes opostas fazem do outro lado uma “caricatura” com características negativas. Burgueses e operários se igualariam no preconceito de classe.
A democracia liberal iguala os desiguais: Bobbio não fugiu a isso nesse texto. No capitalismo, tanto pobre quanto o rico estão proibidos de morar debaixo da ponte. A lei, no entanto, afetará somente um dos lados. Os proletários não possuem oportunidade de dispersar, na TV, seus preconceitos anti-burgueses, por exemplo. Devemos também dar um exemplo de preconceito anti-burguês por parte do presidente Lula, emitido quando ainda era líder sindical (recolhido no livro Lula Entrevistas e Discursos, editora Guarulhos). Ele foi a uma festa onde os convivas eram os apoiadores do nascente movimento sindical.
No mesmo ambiente estavam os estudantes radicalizados da pequena-burguesia e as operárias das fábricas em greve. Lula observou que as estudantes vestiam “andrajos” e “tinham até cabelo debaixo do braço”, enquanto as operárias tinham colocado seu melhor vestido, exibindo-se da melhor maneira possível. O líder sindical concluiu que, alguns estavam “querendo descer e outros querendo subir”. A partir desse episódio, Lula afirmou que “intelectual gosta de miséria, pobre gosta de luxo”. Nesse caso, as jovens estudantes queriam liberar-se de imposições em termos de costumes e não ostentar sua posição burguesa (o que humilharia as operárias e contraria sua posição política). No entanto, seu descompromisso com valores foi lido como desejo de descenso social, retrocesso, porque já preexistia um juízo negativo contra quem se vestia ou se comportava daquela forma. Bobbio preocupou-se com o preconceito de grupo, aquele que mais preocupou Bobbio; foram os preconceitos e de classe e nacionais aqueles que ele ressaltou.
O capitalismo reproduziu-se dentro dos países e introduziu a dominação de uma região por outra: na Itália quem domina é o Piemonte, ou o Norte, como um todo; na Alemanha reunificada, a Alemanha oriental permanece mais pobre, no Brasil, é a região Sudeste. Essa situação, produzida pelo próprio sistema sócio-econômico, produz um caldo de cultura onde fervilhou aquilo que socialmente se chamou preconceito.
Bobbio define discriminação com base no fenômeno do anti-semitismo fascista: é algo a mais que distinção e é pejorativa (sempre). Um exemplo de juízo de valor: os negros são uma raça inferior. Um juízo de fato é: os negros são diversos dos brancos. Um problema que Bobbio não aborda: os negros têm preconceito contra os brancos e vice-versa, mas da maneira como a sociedade está organizada, os grandes prejudicados sãos os negros. Quando ele citou o artigo terceiro da Constituição Italiana, vê-se que ele evitou escrupulosamente o termo “classe”: “sem distinção de classe, raça, língua, religião, opiniões políticas, condições pessoais e sociais” (BOBBIO, p. 110). Essa Constituição tomou essa postura um tanto quanto retórica no sentido de algo que seus constituintes sabem impossível de se estabelecer no sistema de classes: a igualdade efetiva.
Do juízo de que os brancos são superiores, derivou aquele que os demais povos e etnias deveriam: 1) obedecer; 2) aceitar comando; 3) aceitar serem suprimidos e mortos. No entanto, da constatação de superioridade, para um cristão, por exemplo, decorreria a necessidade de ajudar.
Um juízo ulterior é o oposto de juízo discriminante. A discriminação ocorre quando um juízo de valor torna-se juízo de fato. Uma observação: quando os nazistas eliminaram os judeus, tal não era necessário para sua própria conservação; foi uma estratégia que culpava os judeus pelas derrotas nazistas; Hitler afirmava, desde Minha Luta (Mein Kampf) que os judeus e comunistas é que tinham causado a derrota alemã em 1914-18.
Bobbio enfocou a discriminação étnica (judeus e negros), mas também conhece a discriminação de classe social: “continua a produzir seus efeitos em numerosas situações, como, por exemplo, na aplicação da lei penal” (BOBBIO, 111). As seguir, ele trata das desigualdades naturais se opondo a desigualdades sociais: as naturais seriam mais difíceis de abolir do que as sociais. Parece uma obviedade, dito assim. No entanto, as diferenças entre um lobo e um cordeiro são só artificialmente – e não naturalmente – abolidas.
A natureza evolui, modifica-se, mas a desigualdade existe na natureza e, como o homem a modifica, mas é influenciado por ela, as desigualdades naturais repetem-se com naturalidade na sociedade humana. O homem, por sua vez, acha natural apoderar-se, dominar, subjugar, poluir e retalhar a natureza.
A desigualdade natural entre um país chuvoso e outro seco é praticamente impossível de se suprimir. As desigualdades sociais são suprimíveis, são construtos que podem ser destruídos. No entanto, lembremos também como são persistentes: no bloco soviético, as classes continuaram a existir (burocratas e cidadãos comuns).
Em primeiro lugar, seriam originadas em juízos religiosos maniqueístas (bem e mal, Deus e o Diabo), originalmente, as divisões em que Bobbio didaticamente divide o texto: Norte versus Sul, o Rousseau e o anti-Rousseau, Piemonte X resto da Itália. Os julgamentos de Bobbio só não estão valorados como os juízos religiosos costumam ser. Um pouco antes de tratar das minorias e de concluir, Bobbio fez considerações sobre a religião e língua universais, que seriam propostas recorrentes para a humanidade. O próprio Bobbio aventou uma proposta audaciosa e ideal a respeito das religiões: “poderiam desaparecer um dia as diferenças entre línguas e religiões, desde que se conseguisse estabelecer um acordo geral para unificar umas e outras” (BOBBIO, p. 114). Proposta audaciosa e praticamente inviável, pois reduzir a diversidade a um é dar a hegemonia a esse um, que tem uma origem, uma história e não é neutra; essa hegemonia, como por exemplo, a hegemonia da língua inglesa hoje em dia, profundamente ligada ao poder. A língua estabelece uma hegemonia negociável, mas as religiões não; esse acordo dependeria, portanto, de uma revelação sobrenatural encaminhada à humanidade, esperança metafísica que corresponde à atitude do líder esotérico Trigueirinho de fazer vigília aguardando contato com extraterrestres.
A “conclusão inconcludente” de Bobbio estabelece um preceito que ele preservou: “os preconceitos nascem na cabeça dos homens” (BOBBIO, p. 117). Seu combate está, portanto, na educação e no desenvolvimento das consciências. Não concordo totalmente: o preconceito nasceria da própria dinâmica social, enraizando-se, com auxílio dessa, na cabeça dos homens. A democracia, que Bobbio prescreve como panacéia contra o preconceito, não tem como bani-lo totalmente em sua forma capitalista hoje existente; a própria democracia, em seus primórdios, praticava preconceitos contra os estrangeiros, as mulheres e os escravos.

domingo, 25 de dezembro de 2011

O sistema filosófico de Nietzsche

Sistematizo aqui, de forma didática, alguns conceitos de Nietzsche. Considero Nietzsche um pensador sistemático. Pode-se supor que sua filosofia se origina de sua perda de crença em Deus na adolescência. A partir daí, ele elabora todo um sistema de pensamento para substituir a visão de mundo anterior.


Eterno retorno: Era um ensinamento ilustrativo, no fundo, moral: deve-se viver cada momento da vida como se ele tivesse que ser vivido infinitas outras vezes, até a eternidade. Pensado como uma imagem ilustrativa de um novo sistema valorativo, o conceito dá um sentido à vida, acabando com a sensação de vazio, de falta de sentido. Passa a haver o sentimento de continuidade que a religião busca na vida eterna, mas numa perspectiva valorativa diferente. Se no sistema judaico-cristão a promessa de um mundo perfeito (céu) onde se vive a vida eterna degradava esse mundo (“vale de lágrimas”), essa inversão de perspectivas inverte e valoriza essa vida presente, aqui e agora.


Ressentimento: Seria o rancor destrutivo que aquele que segue a moral da coletividade sente por quem se desvia dele. Quando colocado numa situação desfavorável, o espírito livre não fica ressentido, aceita o seu destino com amor à fatalidade, pois acredita, inclusive, que poderá ter que repetir essa fatalidade.

Amor fati: é o nome da aceitação de seu destino que o espírito livre deve ter. Se o crente aceita seu destino em nome da vontade de Deus, o espírito livre o aceita em nome de dizer sim à vida. Negar o sofrimento seria tentar fugir da vida. O certo seria buscar ser espectador de sua própria tragédia (criar arte) e divertir-se com ela.


Niilismo: É o estado de espírito do dogmático ou do fanático religioso, é o oposto do espírito livre. Para Nietzsche, o niilista é quem sacrifica a vida em nome do nada (preceitos religosos), de cultos onde o que a verdadeira divindade é a morte. A acepção de Nietzsche é o contrário do senso comum, que chama de niilista quem não acredita em nada. Duvidar do que é dito, colocar tudo em perspectiva, ou seja, contextualizar tudo, é a atitude do espírito livre para Nietzsche.


Vida: Fenômeno marcado pela moral como doutrina das relações de poder.


Gaia Ciência: Seria o verdadeiro saber. A verdadeira ciência seria alegre, gaiata, brincalhona, erótica, lúdica. Seria uma ciência integrada com a arte e com a religião. Deve-se rir de todo mestre e de si também. Seria a ciência que prevaleceria junto ao novo sistema valorativo, superando a ciência positivista. O humanismo, para ele ligado ao sistema valorativo judaico-cristão, estaria obsoleto, pois o homem diria sim à vida e teria um novo sistema valorativo.



Super-homem: É uma imagem claramente inspirada em Cristo. Esse termo é melhor justamente por possibilitar um contraste com o mito do super-homem de massa, que é um problema a ser enfrentado. O mito do super-homem de massa responde à indagação que fica na filosofia de Nietzsche sobre o que seria o super-homem: apresenta então uma raça de guardiães policialescos e super-poderosos do sistema social e político atual que mantém de forma subalterna os humanos. Trata-se de uma leitura oportunista que o poder fez do pensamento nietzschiano. O sistema de Nietzsche funciona assim: Nietzsche produziu o seu profeta (Zaratustra) para que os novos valores (que são os valores pagãos “tresvalorados”, ou seja, repensados) sejam transmitidos por experimentadores desses novos valores (novos filósofos) e então esses valores mudem o mundo para então redimir o mundo, fazendo com que homens redescubram a vida e até o estado funde uma ordem social na qual a idéia do Deus cristão não seria necessária, mas os deuses até então mortos, como Dionísio e Apolo, seriam novamente cultuados e repensados, mas principalmente na forma de um sistema valorativo e não de uma metafísica tratando de uma outra vida. O sistema do cristianismo funciona assim: Deus enviou o seu filho, Jesus, e ele, com poderes sobrenaturais, veio ao mundo e voltará no final dos tempos para julgar quem seguiu os seus ensinamentos, no fim da história. Por desconhecer economia e por elaborar seu pensamento a partir de um prisma aristocrático, Nietzsche imagina que o que está errado em nosso sistema social e político é apenas a não-criação de um sistema moral e ético alternativo ao cristianismo e que, se outro sistema alternativo entrar em cena, a história da humanidade se dividirá em antes e depois da filosofia de Nietzsche, fazendo com que a humanidade viva uma vida muito melhor.



Genealogia: Para poder criar novos valores, é preciso investigar como os valores são gerados. Por isso o filósofo dedica-se a estudar a ética e a moral, para superá-las e criar novos valores éticos e morais. Exemplificando a crítica genealógica, diante da frase: “Caio Blinder, judeu que vive em Nova York, se diz generoso”. A leitura genealógica deixa de lado a pergunta sobre a verdade da frase: será que ele é generoso mesmo? Ela se volta para outra questão: quem fala? Alguém que teme o estereótipo do judeu sovina, avarento. E por isso produz um enunciado afirmando o contrário. Colocando em perspectiva, a generosidade nasce da avareza, numa relação dialética que, no sistema de Nietzsche, assume o nome de perspectivismo.


Vontade de poder: vontade de renovar os valores do mundo, que são meros jogos de forças. O mundo é vontade corporificada, a música é expressão pura da vontade.


Morte de Deus: Seria a morte de um determinado sistema valorativo, o judaico-cristão. O sistema de valores do Deus cristão seria substituído por outro sistema de valores que diria sim à vida, sistema esse advindo de Dionísio, dentre outros deuses pré-cristãos.


Apolíneo: Ao inventar esses conceitos (apolíneo e dionisíaco), Nietzsche adianta um pouco do novo sistema valorativo que ele propõe, como escreve Lou, “lutando pelos deuses agonizantes”. Ser apolíneo é bom, dionisíaco também, conforme a perspectiva (contexto). Apolo é o deus da ordem, serenidade, harmonia, resplandecente, princípio da individuação, primado da forma e dos limites, bela aparência e sonho. O natal seria uma festa apolínea, pela reunião da família, ligada à ordem e à harmonia.


Diosiníaco: Dionísio ou Dioniso (Baco em Roma) era o deus do vinho, do sexo, da embriaguez. Festa, música, plenitude, dança, uno primordial, existindo uma busca de superar as formas e os limites, primado da desmedida, do domínio subterrâneo, da indiferenciação e da essência. O carnaval seria a festa dionisíaca por excelência.


Decadência: é o período em que acontece decadência do sistema de valores cristão, mas onde o novo sistema ainda não foi sistematizado e nem divulgado. O novo filósofo, do futuro, é quem supera o tempo onde prevalece o sistema de valores cristão e divulga esse novo sistema de valores, marcado por conceitos como apolíneo e dionisíaco.


Perspectivismo: Nome que a dialética assumiu no sistema de Nietzsche. Perspectivar algo é contextualizar esse algo. Conforme o contexto, ou seja, a perspectiva, a generosidade pode se transformar em avareza, ou seja, uma coisa pode se transformar em seu contrário.


Transvaloração dos valores: Grande transformação de valores anunciada por Nietzsche através de seu profeta Zaratustra, a ser realizada pela ação dos novos filósofos. Um novo sistema valorativo terá lugar a partir de Dionísio, Apolo, o budismo, os valores aristocráticos dos nobres europeus, dentre outros sistemas valorativos que forjarão esse novo sistema.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nietzsche e suas composições de Maturidade (1864-1882)

Introdução

Nos últimos anos tem ficado mais conhecido do público o fato de que Friedrich Nietzsche, o filósofo, também compunha canções. Nesse artigo ficaremos conhecendo um pouco mais sobre elas.

2. Composições dos anos de maturidade

Vamos nos concentrar, por questão de brevidade, nas composições dos anos de maturidade. No ano de 1864, Nietzsche completou seus estudos em Schulpforta e começou seus estudos de Filologia e Teologia na Universidade de Bonn. Foi o seu mais produtivo ano em sua carreira de compositor, em se considerando a quantidade de composições completadas. Isso inclui a única peça para música de câmara que ele chegou a completar, uma fantasia para piano e violino, assim como um ciclo de canções. A partir de sua entrada na universidade, Nietzsche passa a ter menos interesse em expressar-se através da música.
Ele também reconheceu que, para poder ser bem sucedido em música, precisaria estudar profissionalmente, inclusive para ter melhor conhecimento da técnica do contraponto. Então, numa carta para mãe em fevereiro de 1865, Nietzsche declarou que preferia concentrar-se totalmente na filologia, decidindo-se a abandonar a composição pelo menos por algum tempo. Durante seus estudos em Bonn e Leipzig, realizou somente pequenos trabalhos corais, assim como deixou esboços de trabalhos maiores.
Embora Nietzsche tenha sido muitíssimo estimulado em sua carreira literária por Wagner, sua carreira musical não apresenta grande influência dele, mesmo depois de seu encontro com Cosima e com Wagner em novembro de 1868.
Somente entre 1871 e 1874 é que Nietzsche retomou a música por um período, já então estabelecido como professor em Basiléia. Ele fazia muitos duetos no piano com seu colega de universidade, o professor Franz Overbeck. Essa amizade fez com que Nietzsche compusesse peças para dueto no piano, assim como composições para orquestra nunca orquestradas. Nietzsche mandou a ele, como um presente, a composição Nachklang einer Sylversternnacht. Essa composição foi dedicada a um amigo de infância de Nietzsche, Gustav Krug; ela reflete o espírito alegre dos feriados de inverno. Anos depois, Nietzsche usou essa introdução como princípio de dois de seus trabalhos, Nachlang einer Sylvesternacht e Manfred Meditation.
Essa última, ao ser enviada para Hans Von Bullow, músico do círculo de Wagner, foi fortemente criticada e Nietzsche até afirmou que não escreveria mais música. Meses depois, no entanto, escreveu um dueto para piano, Monodie a Deux, e começou cedo depois de seu maior e último trabalho, Himnus auf die Freundschaft. Esse trabalho surgiu num tempo em que Nietzsche estava em processo de afastamento de Wagner e demonstra desejo de afastar-se totalmente de seu estilo. A composição surgiu entre abril de 1873 e abril de 1874. A versão final, depois de muitos estágios, é um hino em três partes. O hino foi composto sem letra, originalmente. Nas composições de Nietzsche, a música tem primazia sobre a letra, assim como as palavras se combinam com a música de forma a violar a natural fluência da dicção. Para esse Hino à Amizade, Nietzsche tentou anos escrever um texto, assim como convidou amigos a escreverem um texto para a música, mas sem sucesso. Ele finalmente encontrou um texto no poema Oração à Vida, de Lou Salomé, no verão de 1882. Com esse texto, ele transformou essa peça orquestral em uma canção para voz e piano. Seu amigo Peter Gast, em 1887, fez um arranjo para cordas e orquestra para essa composição (essa era originalmente a idéia de Nietzsche). Nietzsche enviou essa composição a Von Bullow, sem mencionar a ajuda de Peter Gast, comentando que no futuro ela seria cantada em sua memória, em memória de um filósofo que não tinha um presente nem queria ter um. Ele também esperava que essa canção fosse usada para que se entendesse melhor seu pensamento filosófico. O poema é o seguinte:

Oração à Vida
Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.


Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.


Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Vamos, ainda tens tua dor.


As composições de Nietzsche para orquestra não foram aqui estudadas. Fora Eine Sylvesternacht, da qual já tratamos acima, podemos tratar também de Nine Songs, Beschworung, Nachspiel, Standchen (Serenata, uma canção com texto de Sandor Petofi), Unendlich (Infinito), também um texto de Petofi; Verwelkt (Witted, de Petofi, também); Ungewitter (Tempestade), escrita a partir de um texto de Albert Von Chamisso (1781-1838). Outra é Gern und Gerner (Com Mais e Mais Prazer). Trata-se igualmente de uma canção com texto adaptado de Alberto Von Chamisso (1781-1838, poeta romântico e naturalista); Das Kind and die Erloschene Kerze (A Criança e o candelabro que se extingue), também uma adaptação desse último autor; Es Winkt und neigt sich (a autoria desse poema é desconhecida, sendo possivelmente de autoria de Nietzsche; não é possível que seja de Sandor Petofi); é curioso tratar de Petofi, pois é um poeta romântico húngaro (1823-1849) que é um ponto de convergência entre Nietzsche e Lukács. O crítico literário húngaro chamou Nietzsche de precursor de uma estética fascista em 1934, mas aparentemente também gostava de Petofi, uma vez que participou de um círculo nacionalista rebelde que o homenageava na Hungria, na época da contra-revolução de 1956. Felizmente, parece que no texto A Destruição da Razão Lukács reconheceu que Nietzsche é feliz em suas críticas de arte, passando a criticar determinadas passagens de sua obra que dão margem a uma interpretação a favor do imperialismo (ele falaria em decadência porque sentiria que o imperialismo é o capitalismo putrefato ou decadente, etc).
Prosseguindo no assunto da produção artística madura de Nietzsche, existem ainda as composições: Junge Fischerin (O Jovem Pescador), poema do próprio Nietzsche; Chore por aqueles (O Weint um sie), texto de Lord Byron, tirado de Melodias Hebraicas; Dias de Sol no Outono é um baseada num texto de Emanuel Geibel (1815-1884). Adeus, estou indo agora (Ade! Ich muss nun gehen), é para coro de vozes femininas. Outra é Fragment am sich, o Fragmento em si, peça para piano; Kirchengeschichtliches Responsorium (Responsório da História da Igreja); também peça para voz e piano. Monodie a Deux é um dueto para piano escrita em fevereiro como presente de casamento para Olga Herzen.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Jim Morrison improvisa uma ode a Nietzsche

Adorei esse vídeo. O único equívoco é que o amigo que socorreu Nietzsche não é Auerbach e sim Franz Overbeck.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Nietzsche no Digestivo

Leio sobre Nietzsche, num artigo de Júlio Daio Borges, não no Digestivo, mas na Revista Discutindo Filosofia.

Começou, quem sabe devido à contraposição do meu artigo do Honneth com a entrevista do Pondé, uma cruzada contra o politicamente correto de Júlio Daio Borges e de Samir Thomaz.

O artigo de Júlio sobre Nietzsche nada trouxe de novo para mim, é um artigo de divulgaçao. O que me espanta é ele pensar que Nietzsche começou Teologia por influência paterna (o pai dele morreu quando ele tinha nove anos) e que imagine que foi Nietzsche quem inventou essa coisa de criticar a pessoa não por seus argumentos, mas por sua personalidade, ou seja, os argumentos ad hominem.

Nietzsche, ora, não inventou isso, que deve ser antigo, mas deu cidadania ao argumento psicológico: se a pessoa diz isso, tem relação com quem ela é. A genealogia pergunta não tanto "o quê" e sim "quem". Logo a seguir, Júlio dá o exemplo de Paulo Francis, que para ele é sinônimo de "nossos polemistas". Ora, bolas. Júlio parece só ter lido o Paulo Francis do final da vida, o Francis insultoso da época do Dicionário da Corte, que é um livro interessante, pois Daniel Piza realmente escolheu o melhor de sua produção nos anos de 1980/90.

A relação entre Francis e Nietzsche existe e creio que vem via H. L. Mencken. Mas não sei se Júlio dá conta de fazer um artigo estabelecendo essa relação: não me parece ter treino ou competência filosófica para tanto.

E vale a pena ressaltar -- lendo o artigo de Samir Thomaz sobre o charme da esquerda --que existem países que são ditadura desde 1945 e ninguém reclama, como por exemplo a Birmânia. Por que? Porque são ditaduras favoráveis ao Ocidente. Já as ditaduras do proletariado que restaram, que são Cuba e Coréia do Norte, são muito atacadas, pois são um desafio à política externa dos EUA e da Europa.

domingo, 8 de março de 2009

Oswald, Nietzsche

Para Ezir: eu me referi ao livro Os Condenados, o único que Oswald viu reeditado. Eu me baseio em Maria Augusta Fonseca (biografia lançada em 2008 do Oswald, RECOMENDO!)

Sobre Nietzsche e o crime: os crimes estão intimamente ligados à moral. O criminoso não seria o corajoso e o não-covarde. Seria alguém não-criador, o crime é a falta em si, o desvio da moral.

Foucault jamais autorizaria uma leitura de Nietzsche assim: o criminoso como corajoso. O criminoso -- Foucault é Nietzsche + Marx --seria produto da sociedade. Produto renegado.

Existem crimes de escravos e crimes de senhores, se existirem moral de senhores e moral de escravos...