terça-feira, 2 de setembro de 2025

Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves

Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves (Descaminhos, Sempre-Viva, 2021) traz um Sílvio Neves mais translúcido, menos barroco do que o anterior Ecos de Não-Lucidez. Nesse temos a adorável prosa do adorável Sílvio Neves. Na trilha de Rosa, temos não a nonada, mas a “inopinada”. O primeiro conto é uma história de amor e nostalgia contada com muito estilo. A história de Nereu e Falésia tem ressonâncias mitológicas, uma história de amor com sabor grego de mar. Eu gosto de Sílvio líquido (Estranhez, seu livro de poemas), Silvio Sólido (música com Pablo Aquiles). As obras de Sílvio são como os ladrilhos alucinógenos em que ele vê, em cada uma das telas, uma imagem de sua vida, uma história, uma música, narrativas. Ele apresenta Nereu: Nereu nasceu na proa do velho Aricó, o imemoriável barco de seu pai. Na margem, o povo via o velho pescador sacudir o menino vermelho, envolto em sangue, idêntico à cor da embarcação, vermelha como o peixe inspirador do nome de batismo do barco grafado em letras brancas. Ele bradava sorrindo: “É caguçu, cacuçu baixu!” (NEVES, 2021). Olegário Maciel é a avenida adversativa, representa um passeio por essa avenida que representa um passeio pela mente do artista atormentado, do poeta lírico, boêmio e suas memórias doloridas, seus amores. Asegurada de Incêndios é bela uma carta fictícia da Espanha, num eu lírico feminino. O poeta, pelo contrário, não está seguro de incêndios, vive sua prosa e sua poesia plena deles. Em Olegário Maciel, Avenida Adversativa, ressurge a sensibilidade de Belo Horizonte num poeta, mas fazendo prosa: No azo de a porta de a Casa Cabana sugerir o fim do expediente, loja de chapéus e afins, resolveu amainar com uma boina o frio que se anunciava. No balcão leu e se inteirou sobre o estabelecimento: chamara-se Casa Cubana, por receio da revolução na ilha teve o nome alterado” (NEVES, 2021, p. 45). Lisboas, a Urbe Vitimada, é uma narrativa de viagem a Portugal, viagem apaixonante em que o artista reencontra-se consigo mesmo. É um deslocamento interior que corresponde a uma paixão interior, a um desabrochar literário e poético que termina em muito boa prosa. Aprendi até que uma forma de chamar Lisboa que achava absurda, “Lissabona”, é na verdade existente, com esse conto, que também tem a subdivisão “Belém, Belém”. Lisboas são parentes de viagem à Espanha. O Óculos dos Defuntos parte inopinadamente de uma nonada, uma simples consulta oftalmológica que dá lugar a devaneios etílicos e cinematográficos. Nesse livro de contos Sílvio ocupa-se menos da lente com que vê o mundo do que em filmar, à sua maneira, com a prosa literária, a sua “escadaria do acaso”. O adorável Sílvio de Neves recolhe casos do Vale do Jequitinhonha, registra seu falar: é nessa toada que vão Sem-Graceza, Árvaro Andejo, Sétimo Dia, O Acordeão Adormecido e Descaminhos. A Minas de Sílvio é o sertão metafísico de Guimarães Rosa. Se E sua poesia dialoga até com o Clube da Esquina. Tanto dentre os poemas e os contos somos instados a perguntar se os sonhos envelhecem ou são raptados pela fortuna. Na prosa de Sílvio ele esbate o regionalismo e a vida cotidiana no interior de Minas com a experiência sofisticada de viagens e influências artísticas internacionais, tem também um tempero de Belo Horizonte. Não acho que Sílvio esteja num descaminho. Esse Descaminhos é justamente o autor em busca de um caminho, muito além além da “escadaria do acaso”, o prosador é nem sempre seguro de incêndios, mas eles, como as bruxas, mesmo sem ser objeto de nossa crença, parece que existem.

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