terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Gastroplastifilosofia: Jô é a mais esganada das esganadas

O que é a obesidade em termos filosóficos?

Penso que, socialmente, ela pode ser descrita como maldade (perversão da vontade), como fez Santo Agostinho em suas confissões:

"Indaguei sobre a maldade e não encontrei uma substância, mas si a perversão da vontade afastada de Vós, o ser supremo, tendendo em direção às coisas inferiores, expelindo suas entranhas e inchando-se toda."

Tanto a obesidade quanto a anorexia fundamentam-se no problema do idealismo subjetivo. A anoréxica tem a imagem do corpo como gorda, a obesa tem a imagem de si como magra. O terror da primeira vem de que essa fixação, que é o que ela teme, crie a realidade, essa imagem passa a persegui-la. Ela assume um comportamento masoquista. Já no caso da obesa, ela tem uma imagem de si que gostaria que instaurasse a realidade, está em paz com sua auto-imagem, o que lhe hostiliza é o mundo, que lhe ataca opondo a outra imagem, a real, dela que "se incha toda". Isso gera a agressividade e o sadismo.

Tanto no caso da obesa quanto da anoréxica, o que as assusta e assombra é o desejo sexual da mulher (devorar homens). A anoréxica vê esse desejo despudorado e sem limites na sua imagem mental e se pune, deixando de desejar e de comer.

A obesa tem uma auto-imagem ideal e não vê seu "corpo em evidência". A sociedade vê na obesidade da mulher uma exposição obscena de seu desejo e clama para que a mulher se "desinche toda", mas ela não consegue (tem uma imagem ideal de si que ela sonha que irá instaurar a realidade).

Se a anoréxica sofre com esse desejo despudorado fixado em uma imagem, a obesa sofre com esse desejo figurado na sociedade.

Pantagruel e Gargântua eram gigantes comilões e sensuais; Sade morreu obeso e tornou-se o símbolo do desejo exacerbado; o carnaval, explosão do desejo, tem como um dos símbolos o Rei Momo, ou seja, a entronização do desejo.

Jô Soares lançou o seu romance As Esganadas. Viva o gordo, abaixo a gorda, poderia ser o lema de Jô Soares. O gordo sofre da mesma exacerbação do desejo que a gorda, mas não sofre a mesma punição que a gorda: que o digam Datena, Faustão e o próprio Jô Soares.

Jô, no entanto, exibe desejo exacerbado de ser cultuado como personalidade, desejos narcísicos extremados, criando um programa onde tudo gira em torno de seu ego, motivando inclusive uma paródia, o Jô Suado.

O desejo do ego de Jô, que em sua gula derruba os limites do narrador como alguém dissociado do autor, volta-se para o desejo de uma "esganada", ou seja, o desejo exacerbado, chegando até mesmo ao desejo canibal (devorar homens). Ao mesmo tempo, pode-se dizer que ele deseja o desejo de morte do matador das esganadas (matar o desejo de devorar homens dentro de si).

Jô não é gordo, ele é obeso e tem a psicopatologia do obseso aqui descrita: tem uma imagem ideal de si. Ao criar um romance, cria um mundo narsícico, onde o homem magro é que representa (também) a sua auto-imagem, a quem ele não deseja punição ou destruição.

Ele deseja a destruição dessa gorda sociedade real que conflita com sua auto-imagem ideal, daí ele cria esse universo ficcional onde luta o desejo de devorar homens das gordas e o desejo de matar o desejo de devorar homens, que é a arena onde seu desejo atua, produzindo uma prosa untosa, adjetivosa, que parece expelida das entranhas, "inchando-se toda". O que há de mais obscuro e sombrio no exibicionismo de um Jô, de um Datena, de um Faustão é que o desejo bissexual é o seu Mefistófeles.

Essa luta dos contrários é a refiguração do desejo de Jô, o que o faz ser "a" esganada-autor, ou seja, ser mais esganada do que as esganadas.

5 comentários:

JO. WERONYKA disse...

LU-CIO!

ARRASOU QUERIDO!!!

Com certeza, o ego de Jo, eh um balão que nunca desce!

a gordura eh a ganancia de SER!

E A ANOREXIA eh o medo de SER!

AMBOS, sem freio... assim como o JO, ele detesta freios!

por isto, a sua gula criminal tão evidente ..... kkkkk

adorei demais tua resenha, muito bem escrita!! sensacional !!

mil abraços

JO. WERONYKA

Revistacidadesol disse...

Jô, obrigado!

Acho que, embora satírico, esse post tem um sentido pioneiro em ajudar os obesos e as anoréxicas.

Jô não tem freio, isso é claro no programa. Mas eu adoro a sua usina utópica! Fas da cidade sol, já para a usina utópica!!!

Abs do Lúcio Jr.

Maxwell Soares disse...

Muito bom o texto, Lúcio. Não li o romance de Jô Soares. Agora fiquei curioso. Há quem diga que ele é o gordinho mais sensual que existe. (Risos). Nesta sociedade aonde ser mulher não é fácil e, ainda, gorda fica tudo mais difícil. Até...

Antônio Carlos disse...

Feliz 2012 para você, seus familiares e seus leitores.

Paulo Falcão disse...

Me lembrou os tempos de faculdade, um sarapateu de Deleuze, Guattari e Marcuse.