terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Nietzsche, genealogia e História

Para o Historiador Nietzschiano, História é Genealogia


Nesse texto, discuto o texto de Foucault Nietzsche, Genealogia e História. Nesse texto que é o único em que Foucault discute Nietzsche diretamente, ele analisa que Nietzsche fala em genealogia para se contrapor ao livro do amigo, o médico e filósofo Paul Rée (A Origem das Sensações Morais), que fala em origem. Nietzsche oporia a genealogia mítica à origem metafísica e ao “desenvolvimento” hegeliano. O artigo também faz uma análise filológica de alguns termos usados por Nietzsche: proveniência (herkunft), origem (ursprung) e desenvolvimento (entwicklung). Foucault substituiu essa última pelo termo “emergência” ou “surgimento”, para marcar uma diferenciação com a história supostamente contínua que seria inspirada por Hegel. Ele não cita Marx, apenas se opõe à história-antiguidade, a história de nomes e datas de grandes eventos. A idéia é fazer uma história demagógica num certo sentido, uma história para o povo e saída do povo.

Em seu livro, Origens das Sensações Morais, Paul Rée teoriza que os conceitos de “bem” e “mal” têm sentido nas comunidades. A comunidade criou esses conceitos porque os que mais contribuíssem para a comunidade seriam assim chamados bons e os que não contribuíssem seriam os maus. Os termos foram pensados em termos de utilidade, condicionamento e evolução. As comunidades que mais conseguissem organizar o impulso coletivo contra o impulso egoísta seriam selecionadas e sobreviveriam. Nietzsche diverge totalmente e analisa bem e mal em termos de relações de poder, opondo-se a Paul Rée. Paul Rée também criticou Nietzsche e em cartas exibiu o seu conceito de Nietzsche: uma pessoa vaidosa, egoísta, que corria atrás da fama. Para ele, o melhor seria ser desinteressado, não-egoísta.
A genealogia é uma outra proposta de escrever história que Foucault está fazendo – e de fato ele fez trabalhos nesse sentido. Essa história efetiva seria descontínua. Mas essa história não busca a origem, para ele na origem tudo era o caos, era informe e confuso. Foucault pesquisa história para abalar o presente, para questionar a origem e dissolver a identidade do sujeito de conhecimento.

O genealogista teria também vontade de saber sobre a vontade de saber? Pode-se argumentar com Nietzsche e Foucault que nossa vontade de verdade e saber é determinada pelo nosso desejo de sobrevivência. Se soubermos a verdade, sobreviveremos. No entender dele, pesquisa-se história não para reforçar o presente, mas para descobrir que toda história é luta, é jogo de forças, mas ele não se prende ao referencial “classe social” e sim ao indivíduo, ao corpo, à mente (loucura), à história dos hospícios, hospitais, da sexualidade, etc. Não há um começo, apenas se pode verificar que existe um começo dentre os vários começos que existem.

O conceito de emergência ou de surgimento, usado para substituir o termo “desenvolvimento” (entwicklung) seria um determinado estado das forças. Analisando a proveniência, pode-se mostrar seu jogo, assim como a maneira como lutam as forças umas com as outras. Para Foucault, a relação de dominação não é mais de dominação, nem o lugar onde ela se exercer é um lugar. Existe um jogo da dominação. A genealogia é a história das morais, o jogo da história a investigar.
O corpo, nessa visão, não escapa à história. Ele opõe uma história diferente da tradicional e essa é uma história que não reconhece origem. O corpo não tem um eu e sim uma miríade de “eus”, de acontecimentos perdidos.

Diante das épocas nobres e elevadas, essa história busca uma perspectiva de rã. A história, assim pensada, adota um saber perspectivo. O historiador dessa nova história, que ele chama de história efetiva, não terá tanta preocupação com a objetividade, mas criticar o universal. O europeu, dessa perspectiva, é um homem mestiço, um homem de muitas almas. Nietzsche extrapola nesse ponto em Para Além do Bem e do Mal e Foucault não chega a criticar os aforismas onde Nietzsche escreve, bem ao gosto do século XIX, que o homem mestiço é “débil”. Isso ao meu ver é o ponto mais fraco e defasado desse texto de Foucault.

O historiador nietzschiano ou genealogista seria anti-platônico, mas faria uso da história para a vida, diferente do que Nietzsche mesmo afirmou em determinada altura. Seria mais uma palhaçada da história feita por bobos de Deus do que uma história-antiguidade.

A genealogia da história retomaria máscaras, fazendo a dissociação sistemática da individualidade. A identidade, para o historiador genealogista da história, ou seja, o historiador nietzschiano, identidade é uma máscara dentre várias máscaras, é uma paródia, uma disputa entre forças, também chamadas de inúmeras almas. Identidade não existe: existiriam identidades.

Para Foucault, o historiador nietzschiano, o conhecimento nasce da injustiça e o instinto de conhecimento é tido como mal. Ele opõe o querer-saber e a verdade universal. A paixão do conhecimento talvez mate a humanidade ou ela morrerá de fraqueza, essa é a oposição que ele coloca sobre o destino da humanidade. No entanto, o querer-saber nasce justamente do desejo da sobrevivência e da vontade de viver do ser humano.

Foucault mesmo observa que Nietzsche, com a investigação de Genealogia da Moral e Gaia Ciência, faz um uso da história que ele mesmo tinha criticado e não recomendado em Considerações Extemporâneas. Ele (e o historiador nietzschiano, nesse caso, vai contra Nietzsche) retoma as modalidades da história e seus usos. Assim, a vontade de saber só ela se ela colocar a si mesmo como problemática, assim como ela só faz sentido para esse historiador se ela dissolver continuidades, fizer dissociações sistemáticas e destruir o sujeito do conhecimento. Para ele, história é genealogia das morais, é história das forças em luta.

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