A Banda de Música da Revolução: Considerações Sobre o Ontem e o Hoje
“O movimento estudantil é um celeiro de revolucionários e a banda de música da Revolução.”
Trecho citado por José Alberto Saldanha de Oliveira
O livro “Mitologia Estudantil, Uma Abordagem Sobre o Movimento Estudantil Alagoano”, de José Alberto Saldanha de Oliveira, é o resultado final do curso de mestrado em História realizado pelo autor na Universidade Federal de Pernambuco de 1990 a maio de 94, onde ele alcançou o título de mestre através da defesa pública de sua dissertação.
Saldanha cita um outro autor, Barros(1991,38):“Cada vez mais embalados pelos sonhos de uma transformação cultural, reflexo da que se espalha pelo mundo inteiro, os estudantes brasileiros imaginavam que havia chegado a hora da revolução socialista. As principais lideranças universitárias de esquerda, rompidas há tempos com a linha pacifista do Partido Comunista Brasileiro (PCB), queriam não só reformular a ultrapassada universidade, mas concretizar propostas de derrubada de ditadura militar e de luta revolucionária. As trincheiras seriam as faculdades”.
Outro exemplo da mentalidade da época é a chamada “Carta Política” de julho de 67:
“A tarefa fundamental do Movimento estudantil é a luta política, que consiste numa preparação para aliar-se às classes que, historicamente, terão seu papel importante no processo de transformação social. A luta do movimento estudantil é a denúncia da ditadura e do imperialismo, sendo, além disso, uma luta concreta e prática contra a intervenção ditatorial e imperialista nas Universidades. O ponto principal nesta luta é o acordo MEC-USAID. A UNE luta contra a reforma universitária, uma falsa reforma. Promoverá seminários sobre o acordo MEC-USAID, sobre as lutas de Libertação Nacional, sobre a Internacionalização da Amazônia e sobre a aliança Operária-Camponesa-Estudantil. A UNE intensificará, também, sua luta contra o Decreto que proíbe greves estudantis.”
O livro é aconselhável pois faz um panorama da época, analisando a mitologia que circundava o movimento estudantil. A ditadura do proletariado permaneceu um conceito comum a várias daquelas organizações que tentaram a luta armada. O stalinismo pautava também o universo ideológico destes pequenos grupos, que no entanto tinham penetração, por seu discurso radical e seu culto à violência, em segmentos da classe média que sentiam frustradas as suas aspirações. A esquerda em Alagoas, questiona Saldanha logo na Introdução, “pouco produz distante de uma plataforma panfletária e, no mais das vezes, as revisões e as análises são para efeito interno, nutrindo as organizações de ‘auto-razões’ e dando-lhes, aí sim, uma suficiência imaginada e imaginária. São raras as contribuições mais ousadas e que se destinam a provocar uma polêmica salutar, capaz de rever os fundamentos da esperança e colocar termos de ação, enunciados de uma estratégia e de teses políticas e o mais que couber dentro do afã do partidarismo.” Sua crítica vale para a esquerda brasileira de ontem e hoje, de Alagoas e de todo o país.
Saldanha ressalta que no passado “a prática política refletia os desejos e ‘verdades’ nas quais as organizações de esquerda acreditavam: a estagnação do modelo capitalista brasileiro, o isolamento crescente do regime e o papel crítico dos estudantes para o ‘despertar’ da classe operária.” Com o passar do tempo, essas ‘verdades’ não se confirmaram.
Nos anos 60, como observou Alfredo Sirkis, autor do livro Os Carbonários, “os militantes sacrificavam tudo à atuação política. Hoje a perspectiva é mais sadia: os jovens querem intervir na vida do país sem abrir mão da formação profissional, da namorada, da família e do seu estilo de vida.” A socióloga Helena Abramo, em sua dissertação de mestrado com o tema Grupos Juvenis nos Anos 80 em São Paulo aponta que:
“Durante o Regime Militar, a universidade e, em particular, as entidades estudantis, eram quase o único espaço de expressão política, cultural e até existencial para os jovens. A parte mais visível da juventude era, então, a dos estudantes mobilizados, geralmente pertencentes à classe média. Com a abertura política e o renascimento da sociedade civil, as coisas mudaram: O movimento estudantil perdeu peso político, as entidades se esvaziaram, as lideranças tradicionais ficaram falando sozinhas. Paralelamente ao esvaziamento das entidades estudantis, ocorreu a emergência de outro universo juvenil, muito vinculado à indústria cultural, especialmente entre as classes populares de periferia, com seus bailes, seu culto de música negra americana. A parte mais visível da juventude passou a ser uma confederação de tribos- punks, darks, breakers, rappers, rastafaris - cada uma com seu estilo, suas roupas, seus símbolos e sua linguagem própria. Mudaram os parâmetros de identidade entre os jovens. (...) O processo de esvaziamento das entidades estudantis durante a década de 80 foi sintomático. Se antes a luta pela derrubada da Ditadura Militar conseguia unificar as lideranças e o estudantado, como a toda sociedade civil- tendo em vista o processo de cerceamento político, cultural e social vivenciado pelos brasileiros - a mudança de ordem institucional ocorrida com a eleição de Tancredo - Sarney, retirou a ‘exclusividade’ das entidades estudantis em serem o único espaço de expressão dos jovens universitários. Afastado o ‘monstro’ da repressão os ‘espíritos’ se soltam em busca de redefinir caminhos. Acontece que este espírito não foi decodificado pelas lideranças ligadas às tendências políticas, a atuação destes permaneceu presa não só às práticas organizativas das décadas de 60 e 70, como, principalmente, a uma concepção de ‘praxis’ ligada a uma visão catastrófica e teleológica do processo social. Para as organizações de esquerda o ME será sempre um terreno de luta aonde a ideologia proletária deve vencer. E a imposição do ‘estatuto de verdade’ às suas opiniões e conceitos continuará a alimentar o desconhecimento dos limites da chamada ‘ação radical dos estudantes’.”
Então, para reorganizar o ME será preciso repensar, como disse Ann Mischen, num artigo na T& D: “a necessidade de trabalhar de forma melhor a ligação entre o pessoal e o social como fonte de engajamento dos jovens. No movimento estudantil clássico (e na esquerda em geral) esta relação é deixada de lado em favor de uma ética militante de dedicação e sacrifício total. (...) Uma lição do movimento Fora Collor foi a necessidade de criar uma nova imagem, distinta daquela do militante intenso, barbudo, chato, e uma nova linguagem que fuja das velhas palavras de ordem da esquerda e incorpore os valores da ética, do prazer, da criatividade individual. A questão não é só o quase populismo de apelar, com festa, música e linguagem teen, à sensibilidade dos jovens despolitizados, mas de dar espaço às necessidades de crescimento e expressão pessoal, sem as quais o engajamento político acaba no vazio.”
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