D. A. Levy: Um Poeta Norte-Americano Concreto da Geração Mimeógrafo
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Há alguns anos, lendo o material organizado no site Literary Kicks (site sobre os beatniks organizado por Levi Asher), fiquei sabendo mais a respeito de Daryll Allan Levy (1942-1968), um poeta norte-americano que deveria ser mais conhecido do público brasileiro. Contemporâneo dos beatniks, autor de poemas concretos, Levy é talvez o maior nome da geração mimeógrafo norte-americana, equivalente da geração que produziu autores hoje consagrados como Chacal, Ana Cristina César e Cacaso. Em nosso País, no entanto, essas tendências que Levy sintetizou raramente se misturaram.
Até hoje, pelo que pude pesquisar, o Brasil soube de D. A. Levy apenas através do texto O Olho Dharma de D. A. Levy, traduzido numa coletânea de textos de Gary Snyder lançada pela editora L & PM nos anos 80. Num artigo que encontrei na Web, o nome de Levy, ligado ao Concretismo e à Geração Mimeógrafo, levou o autor do texto a comentar a apresentação do repentista Azulão, autor de poemas de cordel apresentados num festival nos EUA, com grande aceitação do público. Assim como os poetas de cordel, Levy também lia, publicava e vendia seus próprios livros nas ruas, em recitais, em todos os espaços possíveis.
Inexplicavelmente, as experiências de Levy com a poesia concreta permanecem desconhecidas no Brasil. Num ensaio disponível na Ubu Web, de autoria de Michael Basinki e intitulado O Novo Concretismo (The New Concrete, onde o autor citou tanto Levy quanto Augusto de Campos:
Com freqüência eu penso que a poesia Concreta está numa armadilha. Talvez essa poesia esteja perdida numa rua sem saída. Verdadeiramente, há alguns belos e provocativos trabalhos que podem ser encontrados ocasionalmente. Praticantes da poesia Concreta na atualidade colocam mais imaginação em seus poemas. Atualmente, a poesia, eu temo, como a iguana marinha das Galápagos, enfrenta uma rápida e completa extinção em cada tópico ultrapassado de um conservador ou mesmo revista progressista. A Era Dourada dos Concretos, os anos 60, produziu poesia visual de grande diversidade, inovação e propósito. Deixe-me mencionar, por exemplo, Ian Hamilton Finley que passou dos poemas concretos para as esculturas concretas, monumentos silenciosos para seu jardim concreto; Ronald Johnson que refinou seus concreções numa música com palavras; e D A Levy que utilizou o potencial da poesia concreta para sua agenda política. O mimeógrafo e as fotocópias se tornaram ferramentas para ir além do trabalho de mestres clássicos tais como Eugen Gomringer e Augusto de Campos e sua poesia concreta primordial. Inovação e variação era esperada. E então, a moda da poesia mudou e, então, por várias razões, concretismo tornou-se uma proletária e marginal forma de poesia. Praticantes atuais redescobriram o potencial poético do Concretismo e a grande reinvenção da poesia visual, uma Segunda Vinda, começou lentamente a soar de Belém. Após anos nessa renascença, depois de investigar alguns dos poetas, como B. P. Nicol, a poesia visual pode ser inovadora outra vez. No que consistirá essa inovação? Eu sugiro aqui quais devem ser as maneiras de compor e considerar o Novo Concretismo.
Nascido em 29 de outubro de 1942 em Cleveland, Ohio, e falecido na mesma cidade aos 26 anos, no dia 24 de novembro de 1968, D. A. Levy é um poeta norte-americano ainda desconhecido no Brasil, inclusive sua trágica história me fez lembrar a trajetória de Torquato Neto. Ganhou fama e notoriedade como escritor de panfletos, poeta e ícone contracultural. Influenciado pelos surrealistas europeus até mais do que pelos beats, Levy teve uma grande influência no movimento da imprensa alternativa, produzindo muitos pequenos livros e revistas, material que ele vendia nas ruas, usando primeiramente uma impressora manual e depois um mimeógrafo doado.
Filho de um vendedor de sapatos de Cleveland, Levy esteve na marinha, mas pouco tempo depois foi descartado por “tendências maníaco-depressivas”. Então, após sete anos, numa viagem ao México, ele comprou uma impressora manual e a instalou no porão do tio e tia.
Tempos depois, Levy disse que “em junho de 1963, tornei-me um poeta… um homem deixou de me odiar porque eu era um americano e me escutou porque eu era um poeta – e isso me deixou recebendo, por alguns minutos, o respeito que meu país me negava.”
Levy via como sua missão trazer cultura para a cidade de Cleveland. Para isso, estabeleceu a editora Renegade, mais tarde chamada editora Flowers, “imprimindo às vezes das 8 às 16 horas por dia, durante dias e dias”. Junto de seu trabalho, Levy imprimiu trabalhos de Charles Bukowski, Ed Sanders e outros; ele também produziu edições piratas de textos clássicos que o haviam influenciado, trabalhos de Rimbaud, Camus, W. Y, Evans-Wentz, Artaud, etc.
Em 1966, Levy ganhou notoriedade em Cleveland por manifestar-se publicamente pela legalização da maconha e contra a guerra do Vietnã. Naquele outono foi indiciado por distribuir materiais obscenos. Pouco depois, em janeiro de 1967, Levy foi preso junto de seu amigo James Lowell, dono de uma livraria alternativa que vendia o material que Levy imprimia. A fiança a ser paga era de 2500 dólares, dinheiro que Levy não possuía.
Um amigo, o físico Jack Ulmann, que Levy tinha encontrado em Nova York no ano anterior, soube do ocorrido e pagou a fiança. No mês de abril, Levy foi novamente preso, dessa vez por vender seus poemas (considerados novamente “material obsceno”) a dois adolescentes num recital de poesia num café. Dessa vez, um fundo em sua defesa foi organizado, doações vieram de todo o país; foram realizadas e uma manifestação de “libertem Levy” foi feita em Cleveland. Mesmo Allen Ginsberg e o The Fugs vieram a Cleveland para solidarizar-se com o poeta preso injustamente. Com toda a pressão de artistas e intelectuais pelos EUA afora, os processos contra Levy e Lowell foram retirados, mas a experiência deixou uma enorme mágoa na alma do artista. Ele tornou-se amargo, irritado, depressivo e suicida. Lamentou profundamente o fechamento conservador de Cleveland, cidade que não tinha produzido grandes artistas, escrevendo: “Cleveland, eu lhe dei meus poemas, mas você não me deu nada”.
Apesar disso, Levy continuou a produzir de maneira prolífica, experimentando com poesia concreta, empurrando as margens da expressão para além das palavras e de qualquer linguagem. Ingrid Swanberg, um amigo de Levy que editou uma coleção de seus trabalhos (Zen Concreto & etc., Ghost Pony Press, Madison, Wiscosin, 1991), escreveu que “Levy reduziu a palavra ao silêncio. Ele quebrou, cortou, queimou, fragmentou, pulverizou a palavra em poemas concretos, seu silêncio em erupção contra a morte da palavra e a morte da imagem, como se estivesse para atirar todo o pensável numa erupção”. Levy aparentemente viu uma conexão entre seu implícito niilismo de seus textos concretos e o budismo. As influências do último foram exploradas por Gary Snyder no referido ensaio chamado “Olho Dharma de D. A. Levy”, publicado pela L & PM nos anos 80, na onda do interesse pelos beatniks aceso no início dos anos 80.
Em 1968, Levy tinha publicado mais de 55 livros e próximo de 30 títulos de revistas. Em outubro daquele ano, foi convidado a passar um mês como artista residente na Universidade de Wisconsin em Madison. As coisas pareciam ter melhorado, mas ele retornou a Cleveland no início de novembro, cada vez mais perturbado. Aparecia na janela de seu apartamento com um rifle e perguntava aos passantes: “Seria muito simbólico se eu estourasse os miolos?”, queimou manuscritos de toda sua poesia, inclusive trezentas cópias de seu livro Tibetan Stroboscope (Estroboscópio Tibetano), uma coleção de poesia concreta e muitas de suas colagens originais, entregou seus bens, brigou com a mulher e separou-se, visitou amigos que não via para “apertar as mãos uma última vez” e disse às pessoas que estava deixando Cleveland e também o mundo. Obtive na Internet um fragmento de Estroboscópio Tibetano para ilustrar essa breve introdução à obra de D. A. Levy (e que, por ser poesia visual, já comunica ao ser olhado), assim como também providenciei uma tradução de um de seus belos poemas lexicais, que segue abaixo junto de outro intitulado Litania do Leão Verde:
Rosas que (Roses That, 1966)
Nós esperamos pelas rosas que
Desabrocham esperamos pelas rosas que
Desabrocham pelas rosas que
Desabrocham pelas rosas que desabrocham
Desabrocham rosas que desabrocham desabrocham
Desabrocham que desabrocham desabrocham desabrocham
Desabrocham
E as rosas que nunca
Desabrocham as rosas que nunca
Desabrocham que rosas que nunca
Desabrocham que nunca desabrocham
Desabrocham nunca desabrocham desabrocham
Desabrocham
As rosas nos sonhos?
Desabrocham rosas nos sonhos?
Desabrocham em sonhos? Desabrocham
Desabrocham sonhos? Desabrocham
Desabrocham
Enquanto nós nos sentamos na sombra
Elas fizeram um girassol
Que cobre cidades com
Cinzas rosas que cobrem
Cidades enquanto nós sentamos na sombra
Elas fazem o sol
Desabrocham rosas que desabrocham
Cidades cinzentas enquanto sentamos
O sol construiu uma rosa que nunca
Floresce
Inacreditável não é
Rosas que
Ficam na sombra enquanto nós
Construímos sonhos que nunca
Desabrocham nós construímos sonhos que
Nunca
Desabrocham desabrocham desabrocham desabrocham
Cidades de rosas que desabrocham
Para cinzas que viram sombra
Para rosas nas quais nos assentamos
Luz solar como rosas que
Nós nos tornamos cinzas como
Rosas que
Sonhos
Nunca
Desabrocham
Espere
Rosas
Litania do Leão Verde
Darryl Allen Levy
Uma litania de preparo rápido – preencha os espaços em branco com o nome de sua divindade particular, seu nome próprio ou deixe em branco.
Memorize e recite no momento antes de dormir, no momento antes do orgasmo, etc. A bruma do lago sagrado está escondida na mente.
O vapor do lago sagrado é como o hálito quente de um bueiro quando vê o lado inconsciente e suas formas.
Ave, __ leão do olho penetrante, leão do ouvido-relâmpago
& leão cujo olho abre a mente o Olho de __
Ave, __suas formas são o leão sem formas, o leão que move através do fogo como um ladrãozinho numa loja.
Ave, __na forma de um leão, o leão que não escuta a canção dos anjos da rua.
Ave, os raios laser de __& seus leões que rasgam o céu como águias & passam através do diafragma do sol
Ave, o leão na sala de inverno, o freezer do baixo mundo, o leão da orelha-caveira & o leão que anda com os quatro rios fluindo o ave depois da morte, o leão com orelhas sem escutar o som dos quatro rios.
Na rua Nada, os crianças de __ martelam ícones com fótons enquanto o vento está perdido & os ventos sobrevoam o mar de néon
Ave, __o leão com segunda vista, o leão que fica na porta de entrada do amanhã, o leão da precognição que nada vê.
Ave, o leão que lê a sorte em bolhas & jornais horóscopos com discriminação
Ave, __o leão da sala de espelhos, o leão da orelha de capacho & o leão que vê de sua juba na orla do mar de néon
Ave, __o leão que senta no pé do conhecimento, sua forma é o escriba de __FORMAS liberam o sábio & estrangulam o ignorante. Ave, o leão que usa palavras na forma do sol, suas inscrições cegam o ignorante & libertam o sábio dos quartos de tortura e do baixo mundo, ave leão cujas canções são cantadas na mente & cujas abstrações são penetradas.
Ave, __o leão que anda com os passos de caveira e dispersa a si mesmo num chuveiro de luz, sua forma é a da liberação.
Ave, __o leão que anda nos pés da caveira, sua forma é a da criança voltando.
Ave, __o leão que muda sua forma com seus desejos, sua forma é a do leão com poderes solares.
Ave, __o leão verde, sua forma é a do poeta nauseado
Ave, __o poeta removendo band-aids psíquicos de seu Olho, sua forma é a do leão verde.
Ave, __o leão verde que se senta quietamente, sua forma é a do poeta-balão cheio de gás hélio.
Ave __, o poeta que anda sobre suas palavras, sua forma é a do leão verde piscando na selvageria, sua forma de o homem cego que vê.
Ave, __, na forma do leão verde, sua mente é como a do louco que é imune à terapia do choque externamente induzida, ele anda nas ruas do mundo de todo dia olhando curiosamente.
O leão que fica nas suas costas como um jabuti gritando “vire-me”, sua forma é a do Buda vendo seu reflexo atrás do espelho:
Ave, __o leão que gira em torno de si mesmo, sua forma é que o eterno manto portador de vida, sua forma é a do jabuti gritando, “pise em mim”
Nos enterros, o crematório dos carregadores de carne/sopradores de signos de vento, “jogue seus corpos aqui, mova-se para lá, mova-se para lá, etc” e aqueles com a orelha-interior viajam através das árvores flamejantes. PROTEGIDOS. O leão que fica nas paredes negras do crematório:
Ave, __o leão que viaja na Avenida Spansule. Sua forma é a de um INSTANTÃNEO profeta.
Ave, __ o leão do coração de navio, o leão da orelha cinza & o leão que queima com o anel de estrelas no coração de mar-eon.
Ave, __ o leão que queima na passagem, sua forma é do renascido
Ave, __ o leão que é consciente de suas formas, sua forma é a dos liberados.
Ave, __ o leão que não cruza os rios, sua forma é a da criança de __; sua forma é a do observador, do bodhisattva, o leão que viaja através do nulo sem tempo no bote da compaixão.
: as estrelas iluminam um micro-caçador no céu tumular & ouve com a orelha abaixada/o vento está perdido nos três rios:
Ave, __o leão do lótus, sua forma é o cavaleiro, o soldado cuja espada corta o mar-néon
Ave, __ o leão se aproximando do lótus, sua forma é a do estudante esperando, o soldado treinando, sua forma é a do sol levantando.
Ave, __o leão do lótus, que vê a si mesmo na forma do lótus, sua forma é de um aborte gestante com um sabre de luz.
Salve, __o leão com o lustre do cérebro, sua forma é a do arco-íris que divide o céu com seu riso, sua forma é aquele que o homem com a faca que corta através das ilusões & leva o barco das Ondas cerebrais
Salve, __o leão que senta-se no pé do conhecimento, o leão que canta para os anjos da rua, & o leão cujo som o leva sobre os quatro rios.
Ave, __ o leão que se vira, sua forma é a do professor atirando fósforos sobre suas costas enquanto se move em direção à luz.
Ave, __ o leão verde que gira, sua forma é da do poeta que coloca a si mesmo em chamas, numa tentativa de trazer luz ao baixo mundo.
Ave, __ o leão que gira, sua forma é a das crianças de amanhã.
E as três bênçãos: Amém, Mangalam & Sun-grope
Bibliografia:
www.deepcleveland. Com/levycenter.html
www.clevelandmemory.org/levy/7concrete.htm
www.ubu.com/contemps/basinski/concrete.html
www.en.wikipedia.org/wiki/ D. _A. _Levy
www.//poetry.about.com/library/weekly/aa05 1199.htm
http://www.clevelandmemory.org/levy/art.html (quadros)
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