2014-03-16 16:26 GMT+00:00 :
Oi, Pedro. Saiu uma nota
--equivocadíssima -- na Revista Piauí, aqui do Brasil, neste mês, referindo-se
a você. Poderias explicar por que te opões ao acordo ortográfico?
Abs do Lúcio Jr.
Caro Pedro:
Obrigado. Estou encaminhando
meu e-mail para a Revista Piauí. Abs do Lúcio Jr.
-------- Original Message
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Subject: Mexendo com Mexia
Date: Sun, 16 Mar 2014
21:30:55 -0300
From: lucio@bdonline.com.br
To:
Cc:
Caros editores da Piauí:
A matéria "A Batalha do
Asterisco", de autoria de Cláudio Goldberg Rabin, encontra-se cheia de
equívocos a respeito do novo acordo ortográfico.
Primeiramente, o acordo
começou a ser negociado nos anos 90, mas só foi assinado no governo Lula.
Timor, Angola e Moçambique também o ratificaram. Macau é agora parte da China,
por isso "nem entrou na conversa".
De forma alguma o acordo
esteve "encampando as teses de linguistas mais libertários de que a
fonética deveria servir de guia acima do critério etimológico." De forma
alguma: quem coordena sua implantação no Brasil é a conservadora Academia
Brasileira de Letras.
É também errôneo escrever
que esse acordo "abrasileirou o português por força do escore
populacional". Ele apenas é pioneiro ao fazer com que os portugueses
aceitem mudanças já presentes no Brasil, uma vez que aqui as consoantes mudas e
dobradas (como em objecção) não são escritas há muito.
Igualmente, é bastante
curioso que editoras portuguesas tenham ignorado o acordo, a propósito de não
dar vantagem a concorrentes brasileiros. Ignorar o acordo só iria dar força aos
concorrentes brasileiros, uma vez que agora o mesmo livro pode ser editado em
todos os países sem precisar ser reescrito.
Nos últimos parágrafos,
Cláudio abandona o termo "acordo" e passa a utilizar outro,
"reforma", como se fossem sinônimos, o que também é equivocado. O
termo é acordo, é acordo entre países para intercâmbio acadêmico. Mexia reclama
que o acordo "permite duas grafias com base em tradições locais".
Ora, toda gramática é baseada na tradição. A linguística é que é científica.
E aliás, o que é
"celebrar o que parecia ser o epitáfio das perguntas sem respostas das
palavras hifenizadas"??? Por acaso não seriam palavras
"infernizadas", quem sabe, pela "língua do Lula",
comparável, segundo o "libertário" presidente da ABL, à língua do
partido que os comunistas quiseram impor à União Soviética na época de Stálin
(sic)!
Atenciosamente, Lúcio Emílio
do Espírito Santo Júnior
On 17.03.2014 21:33, Pedro
Mexia wrote:
Caro Lúcio, dei, de facto,
uma entrevista sobre esse tema, mas não vi o texto. Aqui vão dois artigos publicados no semanário
«Expresso» Que tentam explicar o meu ponto de vista. Um abraço
Pedro Mexia
On 19.03.2014 08:36, Pedro
Mexia wrote:
Caro Lúcio, neste momento as
relações entre Portugal e Angola são bastante más, já houve várias crises
diplomáticas, editoriais inflamados, processos judiciais, livros de denúncia,
cimeiras canceladas, etc. O Acordo é uma ínfima parte dessa disputa, mas
certamente Angola não seguirá o que Portugal decidir em questão nenhuma.
Um abraço. PM
Oi, Pedro.
No Brasil, a tônica é atacar
o acordo, por senti-lo como parte das microrreformas que faz o governo PT. O
Brasil não é uma potência. É um país semicolonial que não resolveu nem sequer a
questão do latifúndio. É uma empresa para outros, avançou ainda pouco no
sentido de ser uma nação para si mesmo. Estranhamente, os textos que você me manda
parecem, mais do que se opor, desconhecer o acordo, atropelando-o. O critério,
repito, foi o uso e desuso de algumas formas, que, por estarem em desuso, ao
serem suprimidas da forma escrita favoreceriam a simplificação.
Eu, por mim, advogo em prol
do desligamento do português do Brasil do português aí da terrinha. Sinto
muito. Sou plenamente a favor de uma gramática do português brasileiro, aliás,
já escrita por Marcos Bagno. O futuro do português está em nossas mãos e não
nas vossas. Infelizmente, Portugal está em decadência e a Europa também. A
decadência se aprofundará. Espero atitudes enérgicas da Rússia para novamente
reconquistar seu prestígio. Espero que agora os russos parem em Lisboa e não em
Berlim. There´s no future for
you, já cantaram os sex pistols. Yes. The Queen is dead. Falta
civilizar a Europa. O futuro da língua portuguesa, até por uma questão
populacional, ficará mais e mais nas mãos do Brasil, invertendo nossa
experiência histórica. A Europa, esgotada em seus recursos naturais, tenderá a
ir para a periferia da história, posição onde só não está devido ao apoio
norte-americano.
No entanto, embora
nacionalista em termos linguísticos, sou a favor do intercâmbio cultural com
Portugal. Queria ver lançada a obra Não És Beckett, Não És Nada, queria ver
seus textos publicados nos jornais aqui. João Pereira Coutinho escreve na
Folha, mas não como português e sim como um norte-americano expatriado.
O professor Marcos Bagno, da
UNB, foi quem indicou-me um texto O governo Dilma adiou sua vigência, o que não
significa que ele será revisto. Agora, o critério da fonética sobre a
etimologia seria aberrante e anticultural? O que irrita extremamente os
intelectuais é o fato de que Lula pouco se importa com a cultura acadêmica e a
gramática. Suas falas são informais, não-padrão, são o que os escritores chamam
"patuá" que "dói no ouvido", mas evidentemente ele domina
tanto o padrão quanto o não-padrão. O acordo, embora negociado anteriormente,
reforça os medos de uma certa extrema-direita de que estejamos vivendo o
marxismo cultural, a transformação de tudo em pequenas doses, etc. Por isso a
paranoia da "língua do Lula".
Quanto à linguagem do
celular, do telemóvel, creio que é algo a ser estudado e aceito. A tecnologia
altera a vida do homem: o surgimento do telégrafo, por exemplo, originou textos
em estilo telegráfico hoje aceitos.
Abs do Lúcio Jr.
Caro Lúcio:
Obrigado pela atenção. Apenas três notas:
1) Angola não ratificou o AO; ainda recentemente o jornal
oficioso do regime publicou um violento editorial contra o Acordo, explicando
Por que o Estado angolano o recusa. Creio que o texto se encontra online.
2) Macau é parte integrante da China, mas existe um
acordo de princípio sobre o uso (limitado, porque há poucos luso-falantes) da
língua portuguesa no território; portanto, Macau não está de fora da conversa,
até porque existem vários jornais em língua portuguesa.
3) A minha objecção não diz respeito às duplas grafias já
existentes, mas apenas às duplas grafias que o Acordo cria, e que não existiam
antes, quando o propósito do Acordo seria «unificar» o idioma, não acrescentar
novas variantes. Devo dizer-lhe que no contexto português eu estou do lado dos
«moderados» anti-Acordo, visto que os mais radicais têm por exemplo um tom
anti-brasileiro que me desagrada. E vários escritores e colunistas chamam
regularmente ao Acordo «aborto», «crime», etc.
Envio-lhe também o parecer que o Director da Faculdade de
Letras Da Universidade de Lisboa (um dos mais brilhantes académicos
portugueses) mandou ao Parlamento português, quando consultado Sobre o Acordo.
Um abraço, e obrigado por ir seguindo os meus escritos.
Pedro Mexia
Oi, Pedro. Li o texto de
Feijó.
Na prática, contêm uma
inconsistência: o intercâmbio acadêmico se faz através de um padrão, não de dialetos,
diferentes grafias, etc. O padrão é sempre estabelecido pelo estado, ele
legisla sobre o padrão que ele vai adotar. Se não há exemplos semelhantes nos
USA, na França o padrão veio da Ille de France, p. ex. O critério utilizado pelo acordo, novamente
explico, foi o de uso e não o fonético no lugar do etimológico Nós brasileiros
passamos a abandonar o trema, pois ele já está em desuso em Portugal. Já vocês
abandonariam as consoantes mudas, como o "c" em director e objecção,
que são pronunciadas na fala, mas são escritas, que estão em desuso aqui, mas
não aí. Retirando o que está em desuso nos vários países, buscou-se uma
simplificação.
Nada disso impede um poeta
de continuar usando a antiga grafia, mas o poder do estado costuma pressionar e
ser mais forte, muito forte. O poeta brasileiro Abguar Renault buscava escrever
numa antiga ortografia, antes da reforma de 1945. Ele escreve
"pharmacia" e "abysmo" e todos os editores brasileiros
sempre rejeitavam e o obrigavam a atualizar-se. Tal não julgo correto. Os
escritores que escrevam como queiram; quem forneceu os textos que deram a base
da gramática foram eles --e isso desde Camões e a Grécia Antiga.
Abs do Lúcio Jr.
2014-03-19 11:16 GMT+00:00 :
Caro Pedro:
Até onde foi divulgado aqui
no Brasil, Angola e os outros territórios sempre aguardam e seguem o que
Portugal decide, pois o padrão que seguem é o de vocês. O problema, aqui no
Brasil, é que críticas ao acordo confundem-se com críticas a Lula e Dilma, sempre
buscando colar em ambos o rótulo de ignorantes, analfabetos. Tenho acompanhado
seu blog. Agrada-me Radiohead, Silver Jews, etc.
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