domingo, 14 de fevereiro de 2016

Mexendo com Mexia: Cartas sobre o Acordo Ortográfico



2014-03-16 16:26 GMT+00:00 :

Oi, Pedro. Saiu uma nota --equivocadíssima -- na Revista Piauí, aqui do Brasil, neste mês, referindo-se a você. Poderias explicar por que te opões ao acordo ortográfico?

Abs do Lúcio Jr.
Caro Pedro:

Obrigado. Estou encaminhando meu e-mail para a Revista Piauí. Abs do Lúcio Jr.

-------- Original Message --------
Subject: Mexendo com Mexia
Date: Sun, 16 Mar 2014 21:30:55 -0300
From: lucio@bdonline.com.br
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Caros editores da Piauí:

A matéria "A Batalha do Asterisco", de autoria de Cláudio Goldberg Rabin, encontra-se cheia de equívocos a respeito do novo acordo ortográfico.
Primeiramente, o acordo começou a ser negociado nos anos 90, mas só foi assinado no governo Lula. Timor, Angola e Moçambique também o ratificaram. Macau é agora parte da China, por isso "nem entrou na conversa".
De forma alguma o acordo esteve "encampando as teses de linguistas mais libertários de que a fonética deveria servir de guia acima do critério etimológico." De forma alguma: quem coordena sua implantação no Brasil é a conservadora Academia Brasileira de Letras.
É também errôneo escrever que esse acordo "abrasileirou o português por força do escore populacional". Ele apenas é pioneiro ao fazer com que os portugueses aceitem mudanças já presentes no Brasil, uma vez que aqui as consoantes mudas e dobradas (como em objecção) não são escritas há muito.
Igualmente, é bastante curioso que editoras portuguesas tenham ignorado o acordo, a propósito de não dar vantagem a concorrentes brasileiros. Ignorar o acordo só iria dar força aos concorrentes brasileiros, uma vez que agora o mesmo livro pode ser editado em todos os países sem precisar ser reescrito.
Nos últimos parágrafos, Cláudio abandona o termo "acordo" e passa a utilizar outro, "reforma", como se fossem sinônimos, o que também é equivocado. O termo é acordo, é acordo entre países para intercâmbio acadêmico. Mexia reclama que o acordo "permite duas grafias com base em tradições locais". Ora, toda gramática é baseada na tradição. A linguística é que é científica.
E aliás, o que é "celebrar o que parecia ser o epitáfio das perguntas sem respostas das palavras hifenizadas"??? Por acaso não seriam palavras "infernizadas", quem sabe, pela "língua do Lula", comparável, segundo o "libertário" presidente da ABL, à língua do partido que os comunistas quiseram impor à União Soviética na época de Stálin (sic)!

Atenciosamente, Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior

On 17.03.2014 21:33, Pedro Mexia wrote:

Caro Lúcio, dei, de facto, uma entrevista sobre esse tema, mas não vi o texto.  Aqui vão dois artigos publicados no semanário «Expresso» Que tentam explicar o meu ponto de vista. Um abraço
Pedro Mexia


On 19.03.2014 08:36, Pedro Mexia wrote:
Caro Lúcio, neste momento as relações entre Portugal e Angola são bastante más, já houve várias crises diplomáticas, editoriais inflamados, processos judiciais, livros de denúncia, cimeiras canceladas, etc. O Acordo é uma ínfima parte dessa disputa, mas certamente Angola não seguirá o que Portugal decidir em questão nenhuma.

Um abraço. PM

Oi, Pedro.

No Brasil, a tônica é atacar o acordo, por senti-lo como parte das microrreformas que faz o governo PT. O Brasil não é uma potência. É um país semicolonial que não resolveu nem sequer a questão do latifúndio. É uma empresa para outros, avançou ainda pouco no sentido de ser uma nação para si mesmo. Estranhamente, os textos que você me manda parecem, mais do que se opor, desconhecer o acordo, atropelando-o. O critério, repito, foi o uso e desuso de algumas formas, que, por estarem em desuso, ao serem suprimidas da forma escrita favoreceriam a simplificação.
Eu, por mim, advogo em prol do desligamento do português do Brasil do português aí da terrinha. Sinto muito. Sou plenamente a favor de uma gramática do português brasileiro, aliás, já escrita por Marcos Bagno. O futuro do português está em nossas mãos e não nas vossas. Infelizmente, Portugal está em decadência e a Europa também. A decadência se aprofundará. Espero atitudes enérgicas da Rússia para novamente reconquistar seu prestígio. Espero que agora os russos parem em Lisboa e não em Berlim. There´s no future for you, já cantaram os sex pistols. Yes. The Queen is dead. Falta civilizar a Europa. O futuro da língua portuguesa, até por uma questão populacional, ficará mais e mais nas mãos do Brasil, invertendo nossa experiência histórica. A Europa, esgotada em seus recursos naturais, tenderá a ir para a periferia da história, posição onde só não está devido ao apoio norte-americano.
No entanto, embora nacionalista em termos linguísticos, sou a favor do intercâmbio cultural com Portugal. Queria ver lançada a obra Não És Beckett, Não És Nada, queria ver seus textos publicados nos jornais aqui. João Pereira Coutinho escreve na Folha, mas não como português e sim como um norte-americano expatriado.
O professor Marcos Bagno, da UNB, foi quem indicou-me um texto O governo Dilma adiou sua vigência, o que não significa que ele será revisto. Agora, o critério da fonética sobre a etimologia seria aberrante e anticultural? O que irrita extremamente os intelectuais é o fato de que Lula pouco se importa com a cultura acadêmica e a gramática. Suas falas são informais, não-padrão, são o que os escritores chamam "patuá" que "dói no ouvido", mas evidentemente ele domina tanto o padrão quanto o não-padrão. O acordo, embora negociado anteriormente, reforça os medos de uma certa extrema-direita de que estejamos vivendo o marxismo cultural, a transformação de tudo em pequenas doses, etc. Por isso a paranoia da "língua do Lula".
Quanto à linguagem do celular, do telemóvel, creio que é algo a ser estudado e aceito. A tecnologia altera a vida do homem: o surgimento do telégrafo, por exemplo, originou textos em estilo telegráfico hoje aceitos.

Abs do Lúcio Jr.

Caro Lúcio:

Obrigado pela atenção. Apenas três notas:

1) Angola não ratificou o AO; ainda recentemente o jornal oficioso do regime publicou um violento editorial contra o Acordo, explicando Por que o Estado angolano o recusa. Creio que o texto se encontra online.
2) Macau é parte integrante da China, mas existe um acordo de princípio sobre o uso (limitado, porque há poucos luso-falantes) da língua portuguesa no território; portanto, Macau não está de fora da conversa, até porque existem vários jornais em língua portuguesa.
3) A minha objecção não diz respeito às duplas grafias já existentes, mas apenas às duplas grafias que o Acordo cria, e que não existiam antes, quando o propósito do Acordo seria «unificar» o idioma, não acrescentar novas variantes. Devo dizer-lhe que no contexto português eu estou do lado dos «moderados» anti-Acordo, visto que os mais radicais têm por exemplo um tom anti-brasileiro que me desagrada. E vários escritores e colunistas chamam regularmente ao Acordo «aborto», «crime», etc.
Envio-lhe também o parecer que o Director da Faculdade de Letras Da Universidade de Lisboa (um dos mais brilhantes académicos portugueses) mandou ao Parlamento português, quando consultado Sobre o Acordo. Um abraço, e obrigado por ir seguindo os meus escritos.

Pedro Mexia

Oi, Pedro. Li o texto de Feijó.

Na prática, contêm uma inconsistência: o intercâmbio acadêmico se faz através de um padrão, não de dialetos, diferentes grafias, etc. O padrão é sempre estabelecido pelo estado, ele legisla sobre o padrão que ele vai adotar. Se não há exemplos semelhantes nos USA, na França o padrão veio da Ille de France, p. ex.  O critério utilizado pelo acordo, novamente explico, foi o de uso e não o fonético no lugar do etimológico Nós brasileiros passamos a abandonar o trema, pois ele já está em desuso em Portugal. Já vocês abandonariam as consoantes mudas, como o "c" em director e objecção, que são pronunciadas na fala, mas são escritas, que estão em desuso aqui, mas não aí. Retirando o que está em desuso nos vários países, buscou-se uma simplificação.
Nada disso impede um poeta de continuar usando a antiga grafia, mas o poder do estado costuma pressionar e ser mais forte, muito forte. O poeta brasileiro Abguar Renault buscava escrever numa antiga ortografia, antes da reforma de 1945. Ele escreve "pharmacia" e "abysmo" e todos os editores brasileiros sempre rejeitavam e o obrigavam a atualizar-se. Tal não julgo correto. Os escritores que escrevam como queiram; quem forneceu os textos que deram a base da gramática foram eles --e isso desde Camões e a Grécia Antiga.

Abs do Lúcio Jr.
2014-03-19 11:16 GMT+00:00 :

Caro Pedro:

Até onde foi divulgado aqui no Brasil, Angola e os outros territórios sempre aguardam e seguem o que Portugal decide, pois o padrão que seguem é o de vocês. O problema, aqui no Brasil, é que críticas ao acordo confundem-se com críticas a Lula e Dilma, sempre buscando colar em ambos o rótulo de ignorantes, analfabetos. Tenho acompanhado seu blog. Agrada-me Radiohead, Silver Jews, etc.

Abs do Lúcio Jr.

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