quarta-feira, 23 de março de 2011

Carta ao Alex sobre o esquerdismo

Carta ao Alex


Camarada:


Gostei muitíssimo de seu texto sobre o Esquerdismo e gostaria de fazer
algumas observações a respeito dele. Nele você fala da dificuldade em
organizar a militância e fundar as células nas cidades do interior, assunto
que me interessa bastante. Em primeiro, gostaria de opinar sobre esse
assunto que o motiva a escrever, o esquerdismo tal como definido por Lênin.
Em primeiro, ao tratar dele, você reclama com razão de uma má vontade com as
eleições que se pode observar na resposta do holandês Anton Pannekoek em uma
carta em resposta a Lênin. O principal argumento de Pannekoek é que um russo
como Lênin, que viveu sempre sobre o absolutismo, não pode conhecer a
estrutura que é a democracia capitalista holandesa, que Pannekoek pretendia
desmontar a partir da base, sem participar de eleição alguma. No entanto,
para desmontar tal estrutura, concordo com Lênin que seria preciso lutar
dentro e fora dela, justamente pelo fato dela ser forte. Mas o fato é que
ali, Lênin fala a partir do ponto de vista de alguém que pode dar lições
sobre como conduzir a revolução, pois está à testa de uma revolução
vitoriosa. Não estando à testa de uma experiência bem sucedida, parte dessa
autoridade se esvai. Pode-se dizer que, hoje em dia, o esquerdismo é bem
mais disseminado do que o marxismo-leninismo tradicional.
O fato é que os grupos de esquerda passaram a chamar aqueles que deles
divergem de infantis, de imaturos, de forma muito livre (o que não é o caso
do seu artigo). Daí, a avaliação produziu um adjetivo, um julgamento moral,
que é algo que o artigo de Lênin traz muito sutilmente, como no título, onde
fala em “doença infantil”. Assim, surge uma metáfora medicalizante: o
esquerdista seria um doente, um infantil, um imaturo, um ignorante. A
direita apropriou-se dessa imagem para fazer dela a imagem de todo
comunista, como na frase boboca que faz orgulho a Churchill e foi citada por
Lula: “Quem não é socialista aos vinte anos não tem coração, quem não é
conservador aos cinqüenta não tem cabeça”. Assim, teríamos a fórmula de que
só se pode ser socialista sem cabeça e conservador sem coração. Mas é
justamente de “socialistas sem cabeça” que estamos tratando aqui.
A realidade é tão adversa que é preciso fazer mais do que um julgamento
moral: qual será a conformação social, econômica e psicológica que gera algo
tão insistente como a vontade de resolver as coisas sem paciência, sem
método, rápido demais, para chegar mais rápido ao futuro, ignorando um
conselho de um brilhante revolucionário como Lênin com um argumento
culturalista infundado como esse citado acima? É algo que não decorre da
experiência do stalinismo, pois existia antes dele. No entanto, essas
acusações a respeito dos supostos massacres de Stálin e sobre o stalinismo
real precisam ser respondidas, pois é o ataque que a mídia repete
diariamente, sempre que tem oportunidade. É um fardo ter que dizer isso, mas
a mídia dá a tarefa de defender as facetas positivas de Stálin, Mao e Pol
Pot ao repetir acusações insistentes contra eles. Sem encontrar na
militância comunista argumentos e respostas, é muito fácil que as pessoas
não queiram se envolver e busquem saída no esquerdismo, que busquem grupos
de “ação direta”, “autônoma”, opondo-se a partidos, supondo que a
centralização, a administração e a disciplina necessárias em qualquer
partido levarão faltamente ao dogmatismo cego e a novas repressões.
Não só as denúncias contra Stálin, que se voltam contra o socialismo como um
tudo, ajudam a empurrar as pessoas para o esquerdismo, assim como os
acontecimentos dos anos 60 levaram essa vaga ainda mais adiante. O
esquerdismo apresentou-se justamente enquanto alternativa para o conflito
entre USA e URSS. O comportamento da chamada “nova esquerda”, embora
apresente uma problemática nova e que precisa ser estudada, tinha muitos
pontos em comum com os grupos que Lênin critica.
Assim sendo, coloco um outro desdobramento do problema: o marxismo, que
possibilita aos trabalhadores a consciência revolucionária, é um tipo de
explicação do mundo que está muito mais acessível aos intelectuais, à
pequena burguesia letrada do que aos operários e camponeses. Não é
transmitido pelo senso comum, não é facilmente transmissível de pai para
filho. Implica em estudos, leituras, participação em sindicatos ou partidos.
Tendo origem na pequena burguesia, o intelectual precisa revolucionar seu
pensamento para atingir as posições proletárias. Mas o intelectual muitas
vezes imagina que já sabe tudo o que precisa saber, que com seus
raciocínios, sem muita pesquisa, esforço e prática, chegará à conclusão de
qual é a ação correta, daí a pressa e a impaciência, que faz com que as
experiências bem sucedidas e a voz de um militante mais experiente não sejam
escutadas.
Creio que é pode ser essa contradição que reside na base dos variados
esquerdismos. O anarquista sonha então em acabar logo com o estado sem
passar pela ditadura do proletariado de Lênin, supondo que a teoria de Lênin
e Stálin da revolução em um só país seria violentar a teoria de Marx, só
porque ele não criou essa teoria, supondo que ela criada somente para que
pudessem justificar o fato de que detinham poder.
Não idealizamos o proletário e digamos que o contrário também existe: o
proletário que tem resistência à teoria por ela ter de ser aprendida junto a
pessoas de origem pequeno-burguesa. Ele supõe que uma teoria marxista também
seria pequeno-burguesa e que também visa explorá-lo.
O PT é um exemplo curioso. Esse partido em sua origem criticava tanto as
revoluções socialistas quanto trabalhistas anteriores, mas adotava uma
plataforma revolucionária com a finalidade de superá-las. Enquanto tanto o
PDT quanto o PCB confiaram que existia uma “burguesia nacional progressista”
comandando a transição, o PT crescia e triunfava em sua radicalização
esquerdista de um partido dos trabalhadores, “sem patrões”, mas não porque
avaliasse seriamente que essa burguesia com um projeto nacional capaz de
enfrentar o imperialismo não existia, mas porque essa estratégia era
proveitosa no momento. Assim, na prática creio que sempre foi,
majoritariamente, um grupo social-democrata de direita, com fraseologia de
esquerda. A plataforma democrático-popular era adotada não por convicção,
mas para competir com os demais partidos de esquerda. Atentemos para isso,
portanto: a violenta competição entre as organizações de esquerda, que faz
com que organizações adotem essa ou aquela política ditadas pela necessidade
de competir, mas sem acreditar a fundo nelas.
Aliás, derrubada a URSS e com a burguesia internacionalizando-se em último
grau nos anos 90, derrotados o PCB e Brizola, o PT passa a se aliar com os
patrões. Passou de um início esquerdista para a senilidade neoliberal, tendo
em comum ter tido sempre como inimigos os setores da burguesia que desejavam
um projeto nacional, setores esses que praticamente deixaram de existir a
partir das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Então estamos
vivendo o flagelo de ter que um partido de esquerda de massas, que unia
sindicalismo, intelectuais rompidos com o trabalhismo e a URSS e os setores
progressistas da Igreja Católica, passando de um comportamento “esquerdista”
a neoliberal. Após conquistado o estado, o partido prosseguiu mantendo sua
base na esquerda e ampliando-a para a direita ao adotar posições mais
conservadoras. O fim da URSS, a respeito de cujo projeto diziam não se
interessar, mostrou-se, no entanto, determinante no comportamento que
assumiram posteriormente.
Creio que numa situação tão desfavorável quanto é a de fundar um partido em
pequenos municípios conservadores, onde um militante fica extremamente
exposto, existem várias precauções que precisam ser tomadas. Não é a questão
de fazer treinamento para a luta armada, mas não é descabido que o partido
promova cursos de defesa e segurança pessoal para seus militantes.
A grande proprietária espiritual das populações interioranas é a Igreja
Católica. Outra fonte de informação determinante é a televisão. Em ambas a
discussão política aberta e explícita não existe, mas uma visão política é
transmitida indiretamente e naturalizada, em ambas existe quase que uma
totalização conservadora, uma verdadeira lavagem cerebral. Nesse contexto
profundamente adverso, creio que o militante precisa se inserir nos espaços
que estiverem disponíveis, sejam eles uma Comunidade Eclesial de Base ou uma
torcida organizada.
E, finalmente, creio que no interior o comunista deve lidar com todos
pequenos grupos esquerdistas que encontrar, buscando cooperar com eles e
entender o meio onde está participando, buscando atenuar justamente a
competição entre as organizações de esquerda.

Em diálogo com o seguinte texto:

http://saojoaodelpueblo-pcb.blogspot.com/2011/03/infantilidades-dos-comunistas.html

7 comentários:

AF Sturt Silva disse...

Interessante seu texto camarada.

Acho que a primeira vez que leio um artigo com esse olhar.

Concordo com o que vc falou e o Alex,sobre a questão de ir até onde o trabalhador atua para "recutrar" revolucionários.

Mas o que acho dificil é tomar o lugar dos outros blocos.

Temos nas cidades pequenas a mídia tucana e igreja catolica alienando as pessoas.

E na medida que passamos a cidades medias e grandes com forte sindicalização,universidades e etc a um crescimento de politização,mas tem um detalhe.

A politização é que de um lado - as bases sindicais e populares dominado pelos neoliberais do PT e aliados e de outro nas bases pobrese classe média(fanatica) o poder do PSDB.

Esses são os dois blocos.

Outros partidos e movimentos que crescem e ganham espaço segue mais ou menos essas duas linhas com pouca variação.

Como montar um movimento contrario a política desses dois blocos e ser bem sucedido?

Agora será que o esquerdismo é problem amaior da esquerda,o que é sim é falta de um modelo programático.De um exemplo para sustentar suas teorias.E dita falsa esquerda que se diz ser de esquerda e com não tem como ir mais do que a humanização do capitalismo.

AF Sturt Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Outro dia estava debatendo no twitter sobre marxismo.

Talvez o tema não vale muito, mesmo assim:

Exsitiria hoje bem realizavel, depois de tudo que nós vimos, revolução sem vanguarda?

Se não ,como explicarmos a Comuna?

Até que ponto os movimentos sociais podem mudar o capitalismo ao inves de ser conronpido por ele?

E até que ponto a vanguarda já é o inicio da ditadura socialista e da contra revolução e da burocracia?

Sobre o Brizola,ele defendia essa burguesia nacional como força transformadora de um transição capital/ditadura do proletariado?

@alosiofs

PCelestial disse...

Uma visão muito aprofundada sobre a temática. Muito boa a visão sobre o PT que se desvirtuou-se ou quem sabe já nasceu desvirtuado, apenas que camuflado o seu desvirtuamento no início. Também muito boa a colocação pela qual devemos lançar mão do que existe na sociedade. Até mesmo se infiltrar nas torcidas organizadas. Isto eu chama de ação pentecostes, se mover de acordo as várias possibilidades.

Anônimo disse...

Burocratismo ou esquerdismo? Lênin foi um dos principaís responsáveis pela vitória do bolchevismo, ou seja, da generalização da burocracia, a burocratização geral da sociedade russa. Logo, a "autoridade" de Lênin só serve para quem quer fazer contrarrevolução e não revoluções... Leiam Pannekoek, Korsch, Ruhle, Tragtenberg, Nildo Viana, ou seja, pensadores realmente revolucionários e que prestam, não estes burocratas simplistas... leiam Marx também...

Revistacidadesol disse...

Eu estou a favor do voto nulo no atual contexto e da aliança dos maoistas com anarquistas na FIP.

Revistacidadesol disse...

Eu estou a favor do voto nulo no atual contexto e da aliança dos maoistas com anarquistas na FIP.