sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Marxiano, volte para o seu planeta: contra Erik Haagensen Gontijo





Resolvi ler uma tese marxiana, a tese de Erik Haagensen. Fiquei surpreso: os marxianos estão aí só para atrapalhar. Essa tese poderia ser jogada no lixo. Agindo como braço de um sistema capitalista, a nossa pomposa UFMG aceita lixo antimarxista a propósito de dissertações de mestrado, como essa sobre a Natureza, Sociedade e Atividade Sensível na Formação do Pensamento Marxiano. Logo de início, ele tem a coragem de afirmar:

Assim, o comunismo, enquanto idéia histórico-filósofica (decorrente de uma necessidade lógica), ou talvez menos, como uma mera aspiração com bases éticas, humanitárias, etc, destituídas de possibilidades reais, apesar da nobreza de seu idealismo, não ultrapassa o devaneio voluntarista, totalmente ao largo da realidade e, portanto, perfeitamente indiferente para o desenvolvimento prático (HAAGENSEN, p. 24)

           Embora sustente essa posição, entretanto, o que se pode concluir é que,  pelo contrário, ele salpica citações de Lukács aqui e ali, dando a entender até que é um leninista. No entanto, não pode ser, pois Lênin negou o tal ponto problemático que Erik cita logo no começo, no qual Lukács se irmana com Kant: “o ser mesmo (o ser em si) foi concebido por Kant, na teoria do conhecimento, como incognoscível por princípio” (p. 12).
No entanto, o atrasado Erik aceita isso esquece de que, para ser um marxista nessa altura da história, precisava definir que o fenômeno coincide com a coisa em si, senão ele abre as portas para o idealismo, ou seja, para idéias ultrapassadas (que permearam toda a dissertação e a comprometem).
Toda a dissertação de Erik gira em torno da terminologia hegeliana usada por Lukács, que nunca se convenceu de que o fenômeno (a imagem mental de uma coisa) e coisa em si (a realidade material) coincidem: a ciência penetra profundamente, podendo alterar a essência. Não há uma coisa em si incognoscível, misteriosa. Ao permanecer pensando que aquilo a que temos acesso é a consciência, o fenômeno, Lukács pensa, contra Lênin, que a revolução irá acontecer quando a proletariado atingir consciência de classe (já seria o bastante!), enquanto Lênin afirmava que é preciso verificar a conjuntura geral, se as classes dominadas não conseguem viver do jeito antigo e se as classes dominadoras também não conseguem dominar da forma anterior. Mas ele finge ser leninista até o final, vejamos seu último escrito:

A tarefa atual dos marxistas só pode ser trazer de volta à vida o método autêntico, a ontologia autêntica de Marx, principalmente para, com sua ajuda, não apenas possibilitar cientificamente uma análise histórica fiel do desenvolvimento social desde a morte de Marx – o que até hoje ainda não foi bem feito e nem completamente – como também para compreender e apresentar o ser em sua totalidade, no sentido de Marx, como processo histórico (irreversível) em seus fundamentos. Esse é o único caminho teoricamente viável para apresentar intelectualmente, sem qualquer transcendência, sem qualquer utopia, o processo de humanização do ser humano, o devir da espécie humana. Só assim essa teoria pode readquirir aquele pathos prático, sempre terreno-imanente, que havia no próprio Marx e que mais tarde – em parte ignorando o interlúdio leninista – se perdeu largamente, tanto na teoria como na prática (LUKÁCS, APUD: HAAGENSEN, 2007).

            O vocabulário empolado de Lukács remete a Hegel e Kant e nem tanto a Marx, que ele nunca digeriu totalmente. A mistificação está quando ele finge consideração pelo tal “interlúdio leninista”. Aliás, Stálin é continuador de Lênin, assim como Mao Tsé Tung. Na verdade, o tal “retorno a Marx” de Lukács só o levou aonde ele nunca saiu (ou mal chegou).
            Mas Erik se entrega aos devaneios voluntaristas e masturbatórios, autoengendrando um Marx só seu, tendo por trás a chancela medusina e petrificante da cátedra. Mas o marxiano vai mais além, seu interesse é ser o filósofo, que se colocando como marxista, coloca em seu embornal idéias que circulam no pensamento de direita atual.
Erik ataca a “teoria da ideologia”. Ele sintetiza, utilizando a tática da burguesia de inverter: “a teoria da ideologia é a ideologia alemã”. Nessa altura, cai a máscara e Erik faz papel de ideólogo burguês, ao consolidar a tática que ela tem assumido de fingir não ter ideologia, naturalizando sua dominação e buscando mantê-la invisível. É a teoria da ideologia [de Marx e Engels] que é considerada falsa aqui. Quem apresentar explicações motivadas pela falsa consciência, mentiras, é que está falando a verdade, então. Claro que o discurso de Erik vale é para ele mesmo. Ele é que busca vender mentiras como verdades e crê que nisso está sendo anti-ideológico. Na verdade, parece que ele se diverte com esse expediente de transmitir um Marx que deixa perplexo quem entende um pouco de Marx, pois participa de movimento estudantil, elabora canções, dá entrevistas na mídia, etc. Ou seja: ele é um disseminador de sua teoria e por isso precisa ser combatido. Está aí só para atrapalhar.
Ele prossegue, atrevido, invertendo tudo: “Em suma, basta interpretar o mundo de outra forma (a 11ª. Tese ad Feuerbach é fartamente ilustrada ao longo de todo o texto), tarefa que cabe a uma certa pedagogia crítica qualquer, e o mundo experimentará uma reviravolta em direção aos “verdadeiros humanos”. A “crítica” seria uma arma contra a “ideologia” que “organiza” o estado de coisas.” Para Haagensen, contestar verbalmente idéias falsas não combateria a alienação, uma vez que a alienação decorre exclusivamente da prática. Assim ele desvaloriza a argumentação e o debate. A teoria correta é um primeiro passo para uma prática acertada.
Aqui, ele simplesmente inverte o que diz a décima primeira tese de Feuerbach. Marx anuncia que uma nova teoria tem de ser levada para a prática para transformar o mundo. Erik entende que ele está propondo que uma nova teoria já bastaria e seria o critério último para transformar o mundo, ou seja, Marx seria um idealista. Erik então prossegue escrevendo que Marx não quer combater a falsa consciência, mas sim aos grilhões reais que estão presentes na vida prática dos indivíduos. Erik dissocia teoria e prática, inclusive colocando isso como dogma marxiano, “antipoliticista”, ou seja, derrotista, pessimista. O que será que Erik diria de uma carta de Marx como a seguinte, como numa carta escrita a Weydemeyer (1818-1866), datada do dia 05 de março de 1852, Marx é ainda mais claro:

    Não me cabe o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna, nem a luta de classes entre si (...) O que fiz de novo foi:

    1) demonstrar que a existência das classes só está ligada a fases de determinado desenvolvimento histórico da produção;

    2) que a luta de classes CONDUZ NECESSARIAMENTE à ditadura do proletariado e
    3) que essa ditadura constitui apenas a transição para a abolição de todas as classes.
    (o grifo é meu) (em Karl Marx, F. Engels, Études Philosophiques, Paris, Éd. Sociales, 1951, p. 125).

E assim o barco vai, nessa toada, para o atoleiro. Para Erik, o discurso que busca verdades no lugar das falsas ideais que organizam é coisa de “padrecos que se pretendem reis” (p. 27). Mas o tom dele é justamente do padreco que engoliu um rei e seu método é o de pinçar citações e exibi-las como troféu. Aqui ele combate o marxismo bolchevique com sua terminologia bobalhona.
Mais adiante, ele afirma que “Marx nunca foi feuerbachiano”. Ora, ora. Quem disse isso? Como mutila o marxismo da dialética, Haagensen não entende que Marx nega uma parte e aceita uma parte do pensamento de Feuerbach. Talvez a parte mais divertida de sua dissertação seja o ataque a um marxiano que foi orientando de Adorno, Alfred Schmidt. Como falam a mesma língua, Erik mostra as patacoadas do alemão, mas é cego para as próprias. Feuerbach escreveu que “pensa-se diferente num castelo e numa choupana”. Marx formulou de outra maneira, mais precisa: nossa consciência é reflexo do mundo material. Não se trata, então, de pensar diferente num lugar e noutro, o que poderia levar a pensar numa determinação geográfica do pensamento.

                                         Erik Haagensen Gontijo

Toda a dissertação é um vocabulário exaltado de jovem hegeliano rebelde e sarcástico. Sua teoria é trocista (ou será trotsquista???) e seu “marxismo” não passa de uma província tumultuada do hegelianismo.

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