Resolvi ler uma tese marxiana, a tese de Erik Haagensen. Fiquei surpreso:
os marxianos estão aí só para atrapalhar. Essa tese poderia ser jogada no lixo.
Agindo como braço de um sistema capitalista, a nossa pomposa UFMG aceita lixo
antimarxista a propósito de dissertações de mestrado, como essa sobre a
Natureza, Sociedade e Atividade Sensível na Formação do Pensamento Marxiano. Logo
de início, ele tem a coragem de afirmar:
Assim, o comunismo, enquanto
idéia histórico-filósofica (decorrente de uma necessidade lógica), ou talvez
menos, como uma mera aspiração com bases éticas, humanitárias, etc, destituídas
de possibilidades reais, apesar da nobreza de seu idealismo, não ultrapassa o
devaneio voluntarista, totalmente ao largo da realidade e, portanto,
perfeitamente indiferente para o desenvolvimento prático (HAAGENSEN, p. 24)
Embora sustente essa posição, entretanto, o que se pode concluir é que, pelo contrário, ele salpica citações
de Lukács aqui e ali, dando a entender até que é um leninista. No entanto, não
pode ser, pois Lênin negou o tal ponto problemático que Erik cita logo no
começo, no qual Lukács se irmana com Kant: “o ser mesmo (o ser em si) foi
concebido por Kant, na teoria do conhecimento, como incognoscível por
princípio” (p. 12).
No entanto, o atrasado Erik aceita isso esquece de que, para ser um
marxista nessa altura da história, precisava definir que o fenômeno coincide
com a coisa em si, senão ele abre as portas para o idealismo, ou seja, para
idéias ultrapassadas (que permearam toda a dissertação e a comprometem).
Toda a dissertação de Erik gira em torno da terminologia hegeliana usada
por Lukács, que nunca se convenceu de que o fenômeno (a imagem mental de uma
coisa) e coisa em si (a realidade material) coincidem: a ciência penetra profundamente, podendo alterar a essência. Não há uma coisa em si incognoscível, misteriosa. Ao permanecer
pensando que aquilo a que temos acesso é a consciência, o fenômeno, Lukács pensa,
contra Lênin, que a revolução irá acontecer quando a proletariado atingir
consciência de classe (já seria o bastante!), enquanto Lênin afirmava que é
preciso verificar a conjuntura geral, se as classes dominadas não conseguem
viver do jeito antigo e se as classes dominadoras também não conseguem dominar
da forma anterior. Mas ele finge ser leninista até o final, vejamos seu último
escrito:
A
tarefa atual dos marxistas só pode ser trazer de volta à vida o método
autêntico, a ontologia autêntica de Marx, principalmente para, com sua ajuda,
não apenas possibilitar cientificamente uma análise histórica fiel do
desenvolvimento social desde a morte de Marx – o que até hoje ainda não foi bem
feito e nem completamente – como também para compreender e apresentar o ser em
sua totalidade, no sentido de Marx, como processo histórico (irreversível) em
seus fundamentos. Esse é o único caminho teoricamente viável para apresentar
intelectualmente, sem qualquer transcendência, sem qualquer utopia, o processo
de humanização do ser humano, o devir da espécie humana. Só assim essa teoria
pode readquirir aquele pathos prático, sempre terreno-imanente, que havia no
próprio Marx e que mais tarde – em parte ignorando o interlúdio leninista – se
perdeu largamente, tanto na teoria como na prática (LUKÁCS, APUD:
HAAGENSEN, 2007).
O vocabulário empolado de Lukács
remete a Hegel e Kant e nem tanto a Marx, que ele nunca digeriu totalmente. A
mistificação está quando ele finge consideração pelo tal “interlúdio
leninista”. Aliás, Stálin é continuador de Lênin, assim como Mao Tsé Tung. Na
verdade, o tal “retorno a Marx” de Lukács só o levou aonde ele nunca saiu (ou
mal chegou).
Mas Erik se entrega aos devaneios
voluntaristas e masturbatórios, autoengendrando um Marx só seu, tendo por trás
a chancela medusina e petrificante da cátedra. Mas o marxiano vai mais além,
seu interesse é ser o filósofo, que se colocando como marxista, coloca em seu
embornal idéias que circulam no pensamento de direita atual.
Erik ataca a “teoria da ideologia”. Ele sintetiza, utilizando a tática da
burguesia de inverter: “a teoria da ideologia é a ideologia alemã”. Nessa
altura, cai a máscara e Erik faz papel de ideólogo burguês, ao consolidar a
tática que ela tem assumido de fingir não ter ideologia, naturalizando sua
dominação e buscando mantê-la invisível. É a teoria da ideologia [de Marx e
Engels] que é considerada falsa aqui. Quem apresentar explicações motivadas
pela falsa consciência, mentiras, é que está falando a verdade, então. Claro
que o discurso de Erik vale é para ele mesmo. Ele é que busca vender mentiras
como verdades e crê que nisso está sendo anti-ideológico. Na verdade, parece
que ele se diverte com esse expediente de transmitir um Marx que deixa perplexo
quem entende um pouco de Marx, pois participa de movimento estudantil, elabora
canções, dá entrevistas na mídia, etc. Ou seja: ele é um disseminador de sua
teoria e por isso precisa ser combatido. Está aí só para atrapalhar.
Ele prossegue, atrevido, invertendo tudo: “Em suma, basta interpretar o
mundo de outra forma (a 11ª. Tese ad Feuerbach é fartamente ilustrada ao longo
de todo o texto), tarefa que cabe a uma certa pedagogia crítica qualquer, e o
mundo experimentará uma reviravolta em direção aos “verdadeiros humanos”. A
“crítica” seria uma arma contra a “ideologia” que “organiza” o estado de
coisas.” Para Haagensen, contestar verbalmente idéias falsas não combateria a
alienação, uma vez que a alienação decorre exclusivamente da prática. Assim ele
desvaloriza a argumentação e o debate. A teoria correta é um primeiro passo
para uma prática acertada.
Aqui, ele simplesmente inverte o que diz a décima primeira tese de
Feuerbach. Marx anuncia que uma nova teoria tem de ser levada para a prática
para transformar o mundo. Erik entende que ele está propondo que uma nova
teoria já bastaria e seria o critério último para transformar o mundo, ou seja,
Marx seria um idealista. Erik então prossegue escrevendo que Marx não quer
combater a falsa consciência, mas sim aos grilhões reais que estão presentes na
vida prática dos indivíduos. Erik dissocia teoria e prática, inclusive
colocando isso como dogma marxiano, “antipoliticista”, ou seja, derrotista,
pessimista. O que será que Erik diria de uma carta de Marx como a seguinte,
como numa carta escrita a Weydemeyer (1818-1866), datada do dia 05 de março de
1852, Marx é ainda mais claro:
Não me cabe o mérito de ter descoberto nem
a existência das classes na sociedade moderna, nem a luta de classes entre si
(...) O que fiz de novo foi:
1) demonstrar que a existência das classes
só está ligada a fases de determinado desenvolvimento histórico da produção;
2) que a luta de classes CONDUZ
NECESSARIAMENTE à ditadura do proletariado e
3) que essa ditadura constitui apenas a
transição para a abolição de todas as classes.
(o grifo é meu) (em Karl Marx, F. Engels,
Études Philosophiques, Paris, Éd. Sociales, 1951, p. 125).
E assim o barco vai, nessa toada, para o atoleiro. Para Erik, o discurso
que busca verdades no lugar das falsas ideais que organizam é coisa de
“padrecos que se pretendem reis” (p. 27). Mas o tom dele é justamente do
padreco que engoliu um rei e seu método é o de pinçar citações e exibi-las como
troféu. Aqui ele combate o marxismo bolchevique com sua terminologia bobalhona.
Mais adiante, ele afirma que “Marx nunca foi feuerbachiano”. Ora, ora.
Quem disse isso? Como mutila o marxismo da dialética, Haagensen não entende que
Marx nega uma parte e aceita uma parte do pensamento de Feuerbach. Talvez a
parte mais divertida de sua dissertação seja o ataque a um marxiano que foi
orientando de Adorno, Alfred Schmidt. Como falam a mesma língua, Erik mostra
as patacoadas do alemão, mas é cego para as próprias. Feuerbach escreveu que
“pensa-se diferente num castelo e numa choupana”. Marx formulou de outra
maneira, mais precisa: nossa consciência é reflexo do mundo material. Não se
trata, então, de pensar diferente num lugar e noutro, o que poderia levar a
pensar numa determinação geográfica do pensamento.
Erik Haagensen Gontijo
Toda a dissertação é um vocabulário exaltado de jovem hegeliano rebelde e
sarcástico. Sua teoria é trocista (ou será trotsquista???) e seu “marxismo” não
passa de uma província tumultuada do hegelianismo.
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