quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A Carta Chinesa, uma luta atual: a batalha entre marxismo e revisionismo



                                                 Mao na visão de Andy Warhol


                      O livro A Carta Chinesa, formado por uma coletânea de textos, foi editado no Brasil pelo Núcleo de Estudos do Marxismo-Leninismo-Maoísmo. Editado pela Terra Gráfica (primeira edição, 2003) em Belo Horizonte, o livro é constituído por uma polêmica pública entre o Partido Comunista Chinês e o Partido Comunista da União Soviética. A divulgação desses textos não era interesse do PCB e sim do PC do B. O partido era ilegal e minoritário nos anos 60, quando essa polêmica aconteceu, produzindo, além de outros documentos ali reunidos, também a chamada Carta dos 25 Comentários e Nove Comentários Reunidos. Na fase seguinte, no tempo da ditadura, na difícil fase do pós-golpe de 64, que à ilegalidade se sucederam as torturas, prisões e assassinatos dos militantes, o partido teve pouco dinheiro para republicar esses textos. Igualmente, o atual PC do B não os reedita, por um simples motivo: rompeu com Mao Tsé Tung no final dos anos 70, aliando-se a Enver Hoxha. Igualmente, em 2003 parece ter tido pouca repercussão, mas pela sua forma de polêmica pública, o livro tem grande vivacidade e interesse. Há alguns deslizes, como o nome de Lukács errado no prólogo e o índice de textos que fica ao final e não no início. Fora que os conceitos expostos parecem demandar uma definição mais clara: “social-imperialismo” e “revisionismo” abrangem desde a URSS até os demais países do bloco soviético, incluindo Cuba, além de pensadores como Bernstein, Trotsky, Kautsky, Kruschev, Lukács, Gramsci e muitos outros. No entanto, é uma polêmica vibrante, intensa, muitíssimo atual: é a melhor explicação para a queda da URSS entre 1989-91, chegando até mesmo a ser profético em algumas passagens.
                     O texto, por outro lado, fornece uma hipótese muito melhor para a degeneração da União Soviética em ditadura da burguesia do que a hipótese aventada pelos trotsquistas, adotada pela maioria da academia e das organizações da esquerda, como o PSOL, PCO e PSTU.
                     O prólogo do livro foi turbinado, a meu ver, com as ideias do Pensamento Gonzalo (Abimael Guzmán), do Partido Comunista do Peru. A aplicação do pensamento de Gonzalo no Peru, segundo esse prólogo, a vigência universal do maoísmo e, embora sem vitória, considerou-o a terceira, nova e superior etapa da ideologia do proletariado: a sequência seria: Marx, Lenin, Mao e Gonzalo. A quarta espada seria Gonzalo.
                     De autoria do núcleo carioca do marxismo-leninismo-maoísmo, o prólogo é incisivo e tem observações muito boas: ele denuncia o trotsquismo da esquerda brasileira, assim como é duro em relação ao PC do B. A nota 3 do prólogo diz que: “hoje, o grupo de Amazonas critica severamente o finado socialismo albanês, assim como Stálin, enquanto coexiste pacificamente com o regime burocrático, semifeudal e semicolonial dominante no Brasil, sendo parte integrante da nova gerência de seu velho e podre estado.” Segundo esse prólogo, no Informe Político 6, quando das Resoluções do 8º Congresso do PC do B, A Direção de Stálin, pode-se ler: “nunca fomos stalinistas”. Igualmente, o prólogo considera revisionistas modernos: Kautsky, Browder, Trotsky, Tito, Kruschev, Hoxha e Teng Siao Ping. Os revisionistas contemporâneos seriam os falsos maoístas chineses da China atual, antirevisionistas de boca e capitulacionistas de fato.
                     Por outro lado, o prólogo exagera quando considera o período Brezhnev algo semelhante à “ordem fascista hitleriana” (p. 29). Quando ele fala do filho de Teng Siao Ping, ele também refere-se a ele como representante da “burguesia de Estado, capatazes do capital”. O termo burguesia de estado pareceu-me vago.
                     As divergências se iniciaram com o XX Congresso do PCUS. O partido chinês, ao criticar o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e seus resultados, não aceitou em especial um ponto: a ideia da transição pacífica do capitalismo ao socialismo. Pelo simples motivo de que existe o exército burguês como espinha dorsal de sua sociedade e que não permite que essa transição aconteça, além do próprio aparelho estatal. E, a partir dessa divergência, outras se sucederam, com o partido chinês acusando o partido soviético de estar reintroduzindo o capitalismo e decapitando o movimento comunista internacional. Para tanto, Kruschev e os revisionistas atacaram tanto o partido soviético quanto os demais, utilizando o conceito de “luta contra o culto da personalidade”. Como é bastante difícil para os trabalhadores formar líderes temperados na luta, acusá-los de culto da personalidade  foi uma forma de provocar divisões entre líderes e as massas. Provocou também o renascimento do trotsquismo, ao considerar os anti-leninistas dos anos 30 inocentes. O livro A Carta Chinesa registra os trotsquistas fazendo até pedido de reabilitação de Trotsky ao partido soviético após o XX Congresso.
              Igualmente, Kruschev mantinha-se perigosamente isolado das massas, sem ter coragem de divulgar abertamente o seu “Relatório Kruschev”. Ao partir para a injúria, chamando Stálin de “tolo”, “bandido” e “assassino”, mostrou que tinha carência de ideias e que era muito fraco, pois o xingamento em política mostra apenas a fraqueza, a frouxidão e a carência de ideias e de argumentos por parte do debatedor.
                     Assim, pode-se definir que o revisionismo age da seguinte forma: revê a teoria e a história, “cortando” Stálin, mas de fato, seu alvo é Marx e Lênin, dos quais apresenta interpretações convenientes para a burguesia e a sociedade capitalista. A partir do abandono do leninismo, a restauração do capitalismo trouxe o pan-eslavismo, o chauvinismo de grande nação, assim como a destruição cada vez maior dos resíduos do poder soviético, tarefa completada entre 1985-91 por Gorbachev.
                     O partido comunista chinês muito bem pontuou que não há, como pretendia Kruschev (e que depois Gorbachev entusiasticamente continuou) a coexistência pacífica com o imperialismo. Igualmente, transformar a ditadura do proletariado em “estado de todo o povo” era transformar o estado proletário em estado burguês, pois todo estado burguês sempre fala em “cidade de todos”, assim como fala, atualmente, o PT, em “Brasil de todos”.
                     A parte mais atual do livro A Carta Chinesa é quando ele critica a Iugoslávia de Tito, que praticamente fornece, enquanto ponta de lança do revisionismo, teorias que são ainda extremamente bem sucedidas no Brasil e hegemônicas atualmente entre a esquerda, fazendo furor nas universidades, movimentos, partidos e organizações: a “autogestão”, “auto-administração operária” são ideias que foram utilizadas com enorme sucesso para fazer a restauração pacífica do capitalismo em países socialistas, eficazes na substituição da economia coletiva por pequenas empresas “autogeridas”. Os tais conselhos não passavam de uma farsa: a camarilha de Tito controlava os conselhos ao nomear seus diretores. Tito também apoiou intensamente a implantação desse caminho na Hungria em 56. Não por acaso, no Brasil e no mundo a mídia divulga intensamente Mészaros e Zizek, respectivamente, um húngaro e um esloveno que sistematizam o revisionismo. Os revisionistas iugoslavos criticam o partido, transformando-o numa Liga. Igualmente, Zizek combate a ideia leninista de que a ideologia do proletariado tem que ser importada do partido, do contrário o proletariado desenvolve apenas ideias social-democratas. Para ele, isso causa a ditadura do partido sobre o proletariado. O foco dos revisionistas é na economia, deixando de lado o partido e projeto político concreto, caindo num economicismo. Isso é bastante visível em Mészaros. O partido comunista chinês teoriza que a política é a economia sintetizada. Apenas por esse capítulo desvendando a farsa da Iugoslávia “socialista” e suas teorias até hoje muito disseminadas, senão hegemônicas, o livro já vale ser adquirido.


                                                      Mao em imagem do blog de Quibia Gaytán

3 comentários:

Felipe disse...

Discordo quando esse livro diz que Enver Hoxha foi um revisionista. Na realidade, revisionista é o próprio Mao, que através de conceitos estranhos ao marxismo-leninismo, como por exemplo, nova democracia e a teoria dos 3 mundos (criticada por Enver em várias de suas obras), acabou se transformando no que é hoje: um pais imperialista emergente.

Revistacidadesol disse...

Oi, Felipe. Na verdade, não é Mao quem critica Hoxha como revisionista. Isso ficou realmente confuso na resenha. É o prólogo, que eu suponho seja do grupo do professor Fausto Arruda, do jornal A Nova Democracia. O fato é que houve um golpe em 76 contra os ex-camaradas de Mao, inclusive sua esposa, que suicidou-se em 91. Eu acho que o social-imperialismo se aplica à China de hoje, embora o jornal A Nova Democracia prefira chamar a China de estado fascista. Mas esse é um bom debate. Abs do Lúcio Jr.

Anônimo disse...

Vcs poderiam colocar um link para comprar o livro, fiquei muito interessado. Abs!!!