quinta-feira, 19 de maio de 2016

Laerte Braga: um grande amor demora a morrer



            Fui amigo de Laerte Braga durante vinte anos. Fui a um Encontro Nacional de Filosofia em 1995 e fiquei fascinado por essa figura. Eu queria fazer jornalismo antes de fazer Filosofia. Eu só ficava em sua barraquinha, ouvindo suas histórias interessantíssimas.
            Posteriormente, prosseguimos conversando em contatos telefônicos e, partir dos anos 2000, pela internet. Eu fui a Juiz de Fora duas vezes no ano de 2003. Na segunda vez, registrei uma entrevista com ele para a revista de um amigo, onde eu tinha uma coluna, Passando em Revista, realizando uma de suas raríssimas entrevistas e talvez a única autobiográfica. Expressei a ele inúmeras vezes a enorme injustiça que era ele não ter reunido seus artigos em um livro. A partir de 1999, mais ou menos, passei a receber seus artigos diariamente e, por vezes, mandava comentários. Isso prosseguiu por e-mail e em facebook. E isso durante vinte anos.
            Ele chegou a ter um jornal em Juiz de Fora, o chamado Correio da Cidadania. Ele não teve pejo de me contar que, para fechar as contas do jornal, teve que recorrer à mãe. Eu cheguei a contribuir comentando o texto O Príncipe da Moeda, do sociólogo Gilberto Vasconcellos. Ele fez uma chamada assim: “Lúcio Emílio comenta” como se eu fosse realmente um grande pensador. Eu sempre retribuí esses elogios, sempre o reconheci como mestre e eu apenas um aprendiz. Ele foi pioneiro em alertar para o suposto golpe contra o governo do PT, num artigo postado em meu blog já em 2007 e que deu enorme repercussão, produzindo um manifesto de intelectuais. Eu nunca aceitei esse discurso e continuo não aceitando, mas nunca me afastei de Laerte e seus comentários ora argutos, ora tendentes a produzir versões convenientes a uma determinada vertente política. No entanto, pode-se dizer que esse episódio em 2007 foi o primeiro grande teste que mostrou a capacidade de viralização desse discurso.
            O grande amor e grande projeto da vida de Laerte Braga foi o Partido dos Trabalhadores. Mesmo por José Dirceu ele parecia, mesmo depois de tudo, ainda ter carinho e confiança. Ele conciliava isso com a simpatia pelo comunismo, deixando de lado a incompatibilidade entre PT e comunismo. Laerte Braga era o homem da esquerda possível. Disse que o mundo institucional está podre. Constatou que o governo Lula foi uma falácia, assim como o PT deu o filé para a direita e os adereços para a esquerda. Agora, simplesmente, a direita exigiu a retirada dos adereços e surgiu esse monstruoso governo Temer. Ele foi simpatizante do PCB nos anos 50 e voltou ao partido no início dos anos 2000. Nesse novo casamento aberto com o PCB, ele continuava namorando o PT às escondidas, utilizando seus dons para as artes amorosas. O PCB parece que tolerava isso muito bem, pois até o indicou para candidato a prefeito de Juiz de Fora, um cargo majoritário, afinal. Foi extremamente crítico ao PT nos anos 90 e início dos anos 2000, mas na derrocada agora a partir de 2013 resolveu compensar e ser extremamente leniente –e nisso há um sentido que aponta sua dialética muito particular. Havia muito disso nele. Nos anos 90 para 2000, minha namorada de então, uma jornalista, lia os textos dele e achava hilário o contraste entre os comentários críticos frios e ácidos sobre a sociedade brasileira e a assinatura melosa que ele utilizava e mandava aos que dele recebiam ao final de seus textos: “beijos carinhosos de quem te ama”.
Ele contava que os comunistas, em seus tempos de juventude, eram muito atrasados, distribuíam balinhas e refresco e faziam festas caretas, enquanto existiam reuniões muito mais divertidas em casas de gente mais “prá frente”, onde se ouvia jazz, bebida alcóolica e o comportamento sexual era muito mais liberado. Ele também registrava a oposição de seu pai à sua aproximação em relação ao PCB. Ele foi profundamente marcado pela crise de Suez de 56, quando as grandes potências aliadas a Israel quiseram sufocar o Egito do nacionalista Nasser. Isso marcou-o profundamente e fez com que guardasse grandes esperanças em quem se opunha ao imperialismo norte-americano, tais como Putin e Ahmadinejad. Em sua última mensagem, no meu aniversário, chamou-me de grande pensador e se disse com saudade de nossas conversas. Eu também vou sentir, mas esse homem não morrerá jamais enquanto eu viver. Lembrarei sempre dele.

Camarada Laerte Braga, presente!

            Saudades eternas!

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