Eu dividia o quarto com o meu irmão Lúcio,
7 anos mais velho que eu. Óculos fundo de garrafa, muitos graus de miopia e uma
péssima coordenação motora. Ele não tinha nenhuma aptidão para nenhum esporte e
era visto como excêntrico e desajustado pelos outros meninos do prédio em que
morávamos. Um enorme conjunto de 16 andares com 3 apartamentos por andar e dois
blocos divididos por um divertido playground no bairro Luxemburgo, em Belo Horizonte.
Foi fuçando nos cadernos de Lúcio que
encontrei “Violetas de Aleluia”, uma compilação de seus poemas impressos em
papel ofício que ele mesmo mandara encadernar. Uma linguagem complicada pra mim
naquela época. Eu tinha 12 anos, creio. As imagens que ele criava, aquela
atmosfera onírica e surreal, James Dean, necrófilo indo “passear” no cemitério.
Ou a interessante “Elegia ao Fliper Pornô”,
que falava de sexo virtual através de
máquinas de fliperama.
Tudo aquilo me fascinou, a fauna e a flora
urbana que povoavam aqueles poemas. As drogas, a rejeição, a inadequação dos
sonhos juvenis ao mundo dos adultos, o spleen, a solidão, a cultura beat, a
cultura pop, os andróides e os anjos com que Lúcio sonhava. Que eu me lembre,
foi nessa ocasião que eu tive vontade de escrever alguma coisa que fosse minha,
que não fosse uma redação de colégio ou uma coisa escrita simplesmente por
obrigação.
Desde então passei a freqüentar os
cadernos de Lúcio, copiar o seu método de escrita e, confesso, roubava às vezes
alguns versos. Fui me familiarizando também com as coisas que ele lia na época:
Allen Ginsberg, Laurence Ferligetti, Rimbaud, Jorge Mautner... Por tudo isso,
creio que a minha formação como leitor se deve muito ao Lúcio, que é escritor e estudioso de literatura e ainda
hoje me apresenta coisas novas e inusitadas quando nos encontramos.
Enfim, pra mim é inevitável remeter minha
iniciação no mundo das letras à influência de meu irmão, pela reverberação
afetiva que eu tenho da época em que ainda morávamos juntos e dividíamos o
mesmo quarto. Lúcio tinha a mania de ler deitado na cama penteando o cabelo, o
que era bastante cômico, pois ficava ali horas a fio fazendo isso, às vezes
passava o dia inteiro. Esse seu hábito era bastante conhecido por todos em casa. Nunca entendi o
que ele quis dizer com “Violetas de Aleluia”. Nunca me esqueci dessa imagem. Logo,
deixo aqui minha homenagem.