Resenha
de O Homem que Nasceu Póstumo
Mário Ferreira dos Santos foi um filósofo, tradutor e
jornalista brasileiro (1907-1968). Mário traduziu do alemão o livro A Vontade de Potência, de Nietzsche,
livro posteriormente tirado das obras completas e, segundo Foucault e alguns
outros. Posteriormente, esse livro foi transformado em Nachlass, Fragmentos Póstumos.
Esse livro de Mário Ferreira dos Santos me foi apresentado por um rapaz do
submundo intelectual como um livro que possibilita a leitura de Nietzsche como
um cristão.
Em O Homem que Nasceu Póstumo, Mário cria
uma “sombra” de Nietzsche que fala com sua linguagem, suas imagens e seus
conceitos e assume o papel do nietzschiano, de um discípulo que diz as palavras
que agradam o gosto do filósofo. É, então, o diálogo entre um Nietzsche
imaginário, tão personagem conceitual como Zaratustra e um nietzschiano que é o
próprio Mário, que coloca-se na posição de um interlocutor de Sócrates,
interlocutor doce, manso.
Cristo
era o único homem sem ressentimentos. Só o Deus moral foi refutado, então o
Deus imoral não foi refutado. Nietzsche sempre se volta para o único, para o
todo, para Deus.
Mário parece acreditar muito nesse último livro e em Ecce Uomo, autobiografia totalmente
exagerada de Nietzsche. Embora desprezando o estado e as massas, Nietzsche
dizia: “chegará o tempo em que surgirão institutos nos quais se viverá e se
ensinará o que entendo por viver e ensinar”. Como obter isso sem ser de certa
forma ser de certa forma santificado junto ao estado e ser popular entre as
massas?
Essa discussão é importantíssima, uma vez que o eixo
desse ensaio é afastar a relação entre Nietzsche e a sua leitura ocorrida na
Alemanha nazista. Só que ele não tem uma boa teoria do projeto político de
Nietzsche, uma vez que esse nunca existiu de forma clara, bem como não tem uma
teoria e um sentido histórico tanto do nazismo quanto do conceito de
totalitarismo.
O
foco é que Nietzsche opõe estado e cultura. Chegar ao poder embrutece e custa
caro. As grandes épocas da cultura são muitas vezes épocas da decadência
política. O estado aparece como um novo deus, cultuado pelo homem bovino. Nietzsche
queria escrever Vontade de Potência
em francês, para evitar a palavra “macht” e não associar-se ao império alemão.
Mas ao mesmo tempo, Mário apresenta o socialismo de Nietzsche como sendo o
socialismo individualista. Como socialismo sem estado e sem massas? Não era
melhor abandonar a idéia de “socialismo”?
Nietzsche
exaltava o guerreiro, o filósofo, o herói, o santo. Figuras como São Vicente de
Paula e São Francisco de Assis seriam o melhor que a humanidade tinha, o melhor
exemplo.
Querendo afastar Nietzsche do fascismo, ele fala em homem
que une a objetividade e a subjetividade, as duas dimensões humanas, o homem
integral, mas aí isso evoca o integralismo. A metade subjetiva é que está
escondida e que tem de aparecer. Ele é contra a ciência, na medida em que ela
padroniza, cria standards, ou seja,
Nietzsche é contra o totalitarismo. A totalização gera divisão, pois a
diferença fica escondida.
Mário também busca tentar consertar, dizendo que não
queria exterminar os fracos e sim a fraqueza. Força não seria força física. Mas ao mesmo tempo, embora “socialista”,
recusa a idéia de elevar os fracos dos socialistas, pois elevar os fracos como
totalidade seria utopia e indignidade.
Nietzsche negou, ao mesmo tempo, o racionalismo e a
metafísica, a ciência e a religiosidade ao mesmo tempo. Fala também da técnica
e da mágica, caos e vontade criadora. Mas lá para adiante, resgata Nietzsche
enquanto místico, assim como considera Cristo um avanço e Sócrates uma
regressão. Quando fala isso, resgata Pascal. Cristo morre na cruz, mas o
socratismo não morre na cicuta.
Nascimento da Tragédia tem misticismo, sentir-se parte do
uno, do todo indistinto, ou seja, em Deus. Nicolau de Cusa associa-se a ele
Então,
não existe verdade e sim verdade-mentira, essa inseparabilidade traz justiça. E
as mentiras/verdades dos nazistas sobre Nietzsche, como combater??.
Para
o nietzschiano Mário, a filosofia de Nietzsche seria uma filosofia da
heroicidade. Ele não desenvolveu melhor essa teoria nesse livro ficcional que,
não obstante, é fascinante.
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