O
Nosso Pão de Queijo de Cada Dia
Quando meu pai comprar um pedacinho
de terra ali na estrada que vai para o povoado do Capivari, comecei a conhecer
mais as coisas da roça. Terra arenosa, cheia de Pedregulho, acidentada, pele
úmida. O vizinho, Alexandrino, antigo no lugar, falou que o chão ali era rico
em água. Essa água ia formar o Capivari, o Capivari caía no Lambari, o Lambari
ia bebendo água mais à frente, desaguava no rio Pará, este no Rio das Velhas,
até chegar no glorioso São Francisco. Se você jogar veneno aí vai sujar o São
Francisco. Que grande responsabilidade, meu pai falava. E conferia os olhos
d´água, o filete cristalino que corria o dia inteiro na grota. E exclamava:
“tchau aguinha, boa viagem”.
Meu pai construiu ali uma morada
simples que chamava de “esconderijo”, pois ali se refazia das tensões e
desgastes do policiamento na Capital. Alguns amigos o aconselharam a plantar
uma horta, fazer um galinheiro, um campinho de futebol, um chiqueiro ou até um
pequeno curral. Assim sua distração e desligamento completo da vida policial
estaria configurado.
Um compadre seu, dono de um sítio
nos arredores de BH, apareceu no Pedregulho com três sacos de ramas de
mandioca. Explicou que era de uma raça lá do triângulo mineiro, o chamado sertão
da farinha podre, do tempo dos índios do Desemboque.
Em todo cantinho, no terreno todo,
meu pai e o amigo plantaram uma mudinha do tubérculo. Noutros lados, chamam
isso de macaxeira e aipim. Três meses depois, com as águas, surgiu no
Pedregulho o mais lindo mandiocal do mundo. Quanto mais chovia, mais o chão de
saibra trincava mostrando as raízes da fruta-pão-dos-brasileiros. Meu pai agora
tinha um problema. Olhava o mandiocal e perguntava: e agora? Que eu vou fazer
com isso?
A mulher do caseiro, dona Aparecida,
entrou na conversa e falou: Por que o Sr. Não faz polvilho disso? O Sr. Só me
arranja um ralo. Explicou que o pão de queijo não precisava de nada da cidade.
Banha de porco (tem na lata), ovos (as galinhas botam todo dia), queijo (tem
leite sobrando), e polvinho eu sei fazer. Para assar, tinha o forno do fogão de
lenha. Tudo brasileiríssimo. Se o trigo acabar no mundo, o Brasil sobrevive
muito bem. Meu pai conta que entre os papéis velhos de meu avô Mário Morais,
encontrou uma receita de pão de queijo todo dia. Não sei quantas fornadas,
porque pão de queijo não pode ser pouco. E a família era grande.
Dona Aparecida aproveitou os dois
esteios da porta da cozinha e estendeu uma rede de um pano de filó e pôs um
gamelão debaixo. Ralou a mandioca, colocou na rede e regou com água fria e
ainda torcia o pano. Pssou um tempo ela escorreu a água da gamela. Como
milagre, para quem via aquilo pela primeira vez, no fundo ficou uma massa
branca de doer os olhos. Era o polvilho.
Assar pão de queijo ainda é hábito
de muitas famílias aqui em Bom Despacho. A industrialização chegou com seus
benefícios inegáveis. Fácil comprar o pão de queijo congelado nas gôndolas dos
supermercados. Ficaram só na lembrança o porquinho engordando no chiqueiro,
galinha gritando que botou ovo, vaquinha dando leite, o queijo curando na mesinha
dos fundos, o polvilho secando no terreiro e, juntando tudo isso, o pão de
queijo nosso de cada dia saindo do forno de manhãzinha. Bom Despacho, Minas
Gerais, Brasil.
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