domingo, 25 de junho de 2023

Uma Serenata em Bom Despacho em 1979

 17 de fevereiro de 1979. Bom Despacho, noite úmida, o carnaval seria na semana seguinte, dia 24. Choveu intensamente a tarde. Temporal típico de verão. Lulu e suas companheiras decidiram  refrescar do calorão, na Churrascaria Itapoã, quase em frente à casa do Sr. Antônio Leite, eleito ano passado para seu terceiro mandato.  Chegaram animadas e sentaram em um espaço no fundo, mais reservado e sossegado, para o ensaio da serenata/surpresa que Lulu, prometeu fazer ao seu eterno e amado, João Teodoro da Costa, o afamado João Zueira. Na mesa, quem passasse por perto, identificaria, pela beleza, graciosidade, alegria, felicidade, a presença da nossa querida Secelma. Junto às duas estavam a Neiva do Robertinho, a  Marília do Sr. Odílio e a Lilice, que além de sua presença super agradável, neste dia, muito elegante, grávida, vestia uma blusa verde clara, fazendo destacar ainda mais a beleza de seus olhos verdes, realmente estava deslumbrante.   João morava no Hotel Glória, pouco abaixo da Churrascaria. Enquanto isso, a roda e a animação dos amigos só aumentava. O Aritana redobrava,  esforçando, daqui e para ali, no trabalho de garçom. E as garrafas vazias só aumentando....De repente aparece  o violonista junto com o saxanfonista, cedidos  por empréstimo, do sétimo batalhão, que não negavam nunca, um pedido  sequer da Lulu. O Taquinho do Zé do Pedro, tumbando o ambiente, achou que lhe cabia uma vaga e veio do Sinucão do Zé Maria, com um pandeiro e formou o trio. Pouco mais tarde, Gustavo e Carma se juntaram à turma. Taquinho, muito vivaz e solícito, percebendo a brecha, diz que no Sinucão tinha também um Reco-reco. De pronto correu lá e num segundo o Gustavo, já meio embalado, pegou o instrumento e mostrou alguma habilidade, formado o quarteto. Para surpresa de todos  aparece , o

 Roberto do Tio Peri. Disse que  vindo de Itaúna e indo para Brasília, aproveitou para encontrar com os parentes e amigos. Foi uma alegria só!!!  No início do planejamento da serenata, Carma questionou que seria necessário ter uma autorização do Ubirajara para adentrar no hotel e posicionar todos na janela do John! Lulu, de imediato, respondeu, gritando, devido ao já alto alarido, que já tinha a autorização da dona Faustina. E começaram a seleção musical e vai mais rodadas de cervejas. Mais uma pinga alí, uma dose de rum para o Gustavinho..... Lulu enfatizava que não faltasse sua preferida, Noite do meu bem, no que foi aplaudida de pé e brindada três vezes com grande entusiasmo e euforia. Assim foram selecionadas e meio ensaiadas, umas do Roberto outra do Noel, Nelson Gonçalves e até a marchinha, Noite dos Mascarados de Zé Keti, foi incluída a pedido da querida Marília. Animação total!!! Lá pelas 23 horas e pouco, já nos preparativos finais, Valdirão e o Tõe Zé que estavam na mesa vizinha, se juntaram à roda. O burburinho só aumentando, mal se enxerga direito, quer pelo alto teor etílico dos presentes como pela fumaça dos cigarros onde se notava cinzeiros abarrotados de gimbas corroboravam com o ar asfixiante do local.  Aos 30 minutos do já domingo, decidiram que chegara a hora da esperada serenata. Antes de saírem, Secelma deu um palpite que enervou toda a galera: queria que subissem a Faustino Teixeira, descessem a Alferes Tavares e lá ela convidaria e o levaria, nem que fosse de pijama o  controverso Hudson Avelar. Todos reclamaram, uníssonos e Carma, enérgica, respondeu pela turma: O carnaval é sábado que vem, hoje só serenata e ponto final!!! Secelma acabou concordando com a maioria. Quando todos, já quase levantando das mesas, uma surpresa!? O Leão Quirino, prá lá de tonto, vindo de não sei onde e já se inteirando do assunto,  juntou à roda dos músicos. Disse em bom tom e com tal propriedade, que daria o ritmo à serenata com sua caixinha de fósforo marca Beija-flor. Já caminhando para o destino, Lulu, tenta conter o ânimo dos mais exautados e chegando no Glória, por incrível que pareça, ela consegue um silêncio sepulcral. Todos imbuídos que o Zueira tivesse a surpresa na hora H! Postados em seus lugares, instrumentos afiados, Lulu, como uma maestrina, ordena a abertura da cantoria, com o Uirapuru de Nilo Amaro e os Cantores de Ébano, música segundo a  
ela própria, a preferida do Zueira. Seguiram-se a Noite do Meu Bem e mais e mais canções melodiosas, que fizeram lágrimas rolarem pela face da Lulu e de companheiras mais emotivas. Depois das exímias performances dos músicos do Sétimo e o belo vocal das meninas, Neiva até perdeu a voz. Nunca esquecendo do pandeiro do Taquinho, o esforço hercúleo do Gustavinho com o Reco-reco e é claro,  não teria o mesmo brilhantismo, sem a imprescindível intervenção rítmica da caixinha de fósforo do nosso querido amigo Leão.
            Chegando a hora da tradicional despedida, todos concentrados e no maior capricho e atenção iniciaram os acordes do Boa noite, diga ao menos boa  noite. Bem no meio da apresentação algo prenunciava um desconforto. Um barulho de carro estacionando, porta fechando, a visão de uma Brasília amarela, barulho de portão abrindo. Nesse momento, Lulu com evidente nervosismo, ordena que parem imediatamente a música.  Todos atentos, o suspense dos passos indecisos e dificultosos e Zueira, sem outra alternativa, aparece sorrateiro e sem graça, para o espanto de todos e decepção da Lulu!!! Ele, mesmo desconcertado, agradece a todos, que mudos vão se retirando um a um. Parte grupo ainda tentou quebrar o gelo, com gracejos e brincadeiras aos quais Lulu com raiva e em prantos, amparada nos ombros da Neiva, repreendeu energicamente.
       Enfiaram a viola no saco, os mais animados retornaram à Itapoã onde prolongaram a noite, bebericando, divagando e analisando a situação delicada do Zueira e da Lulu.
Obs: Mais tarde, o Zueira confidenciou com o Tõe Zé, que naquele dia, foi com o Tõe Virgílio, radiotécnico, para o cabaré famoso em Luz, e lá ficaram até a hora daquele triste e fatídico encontro. Obs: Essa riqueza de detalhamento só foi possível devido a Lilice, no dia estando grávida, não bebeu e com sua memória privilegiada e detalhista, colhemos o máximo de dados possíveis




quarta-feira, 7 de junho de 2023

Mário Morais: Crepúsculo e uma Nova Aurora

 

Mário Morais: Crepúsculo e uma Nova Aurora

 

            Nessa semana que passou, fiz um passeio que há anos queria fazer: ir a Santo Antônio do Monte ver o Museu Magalhães Pinto, onde há um quadro do meu avô Mário Morais. Visitei também a casa de meu tio Bil, que está agora ficando muito em “Samonte”, junto ao filho Daniel. Na ocasião, Daniel mostrou-me uma carta que vovô Mário dedicou a ele, intitulada Aurora e Crepúsculo, datada de 1986: “meu neto Daniel completa três anos. Criança inteligente, saudável, irrequieta. Habituado a ver sempre satisfeitos os seus menores desejos, por vezes torna-se voluntarioso e tirano e destrói impiedosamente os seus melhores brinquedos.”

A pintura do rosto de meu avô, baseada numa foto, de autoria de Ivo Morato, está no museu José de Magalhães Pinto, situado no centro de Santo Antônio do Monte. O governador que deu nome ao museu, político da União Democrática Nacional, foi governador de Minas Gerais.

            Foi emocionante ver o destaque que a cidade de Santo Antônio do Monte deu a Mário Morais, com seu retrato ao centro de uma sala e muitos livros, dentre os quais os seus, num antigo armário ao fundo. O casarão onde está o museu é o lugar onde nasceu José de Magalhães Pinto.

O ex-presidente da Academia Mineira de Letras, Vivalde Moreira, também montense, também foi ali homenageado. A Academia foi chamada, anedoticamente, de “Academia Moreira de Letras”.

            Na morada de Bil Morais, dei uma lida em seus muitos livros, entre os quais os de Pedro Rogério Couto Moreira. Pedro, jornalista de origem em Bom Despacho, trabalhou na Rede Globo nos anos 70 e teve muitas histórias para contar em seu livro Jornal Amoroso.

Em uma delas, Pedro Rogério conta que o presidente João Figueiredo era parente do escritor Guilherme Figueiredo, autor de um livro chamado Tratado Geral dos Chatos, ou seja, era alguém sem medo de gerar polêmica, característica que tinha em comum com seu primo presidente. A esposa de Figueiredo sentia-se retratada, junto ao marido, no casal do prefeito e da esposa do prefeito Odorico Mendes na telenovela O Bem Amado. E ficava incomodando Figueiredo. Ele estava lá na sauna e ela vinha aborrecê-lo, falando: “venha ver o que estão fazendo com a gente na televisão!”. O presidente Figueiredo, furioso, reclamou então junto de Roberto Marinho, que disse que, infelizmente, não poderia interferir na telenovela de Dias Gomes, pois poderia prejudicar o andamento do programa e causar-lhe prejuízos. Diretor de novela tinha um poder que hoje não tem.

            Foi também encantador visitar a historiadora e escritora Dilma Moraes. Dilma já ocupou a secretaria de cultura e turismo de Samonte e é respeitada conhecedora da história de Santo Antônio e região. Recentemente resenhei o seu livro Laços de Amor e Chá Verde aqui nessa coluna, uma edição muito cuidadosa, com inúmeras fotos e texto primoroso. Foi citada, recentemente, na biografia de Hélio Garcia realizada pelo jornalista Itamar “Brasinha”. Dilma é nossa prima. Santo Antônio do Monte foi também a terra natal do poeta surrealista Bueno de Rivera (1911-1982), que hoje dá nome à sua biblioteca pública. Dilma Moraes, em seu livro Santo Antônio do Monte: Doces Namoradas, Políticos Famosos, destacou o poema Olhos Secos:

 

Não chego a ser um gemido entre o choro geral,

olhos enxutos, mãos no bolso, a displicência.

Vejo o baile nas janelas acesas.

Quanta alegria nos homens sem memória!

Outras janelas, o caixão, as velas no silêncio.

As cortinas como almas libertadas,

a lágrima da mãe no lenço preto.

Os meus passos doem, cantando na calçada.

As estrelas quietas ruminando as horas,

mas meus olhos aflitos e ninguém percebe.

O nó na garganta, o grito parado,

a brasa na cinza...

 

O poeta surrealista Bueno de Rivera hoje está muito esquecido (foi difícil encontrar o nome do poema, que não consta no livro de Dilma) e Bil contou-me que ninguém sabia onde ficava a biblioteca local, a biblioteca Bueno de Rivera. Em nosso encontro com Dilma, amadurecemos a ideia de um relançamento do livro Coqueiros e Outras Histórias, de Mário Morais, uma vez que em Santo Antônio do Monte ele foi reconhecido como o escritor/historiador que melhor tratou de Samonte nos anos 30, período em que viveu na cidade. Meu avô Mário Morais nasceu numa fazenda no distrito de Coqueiros, em Samonte. Ele chegou a voltar lá onde viveu sua infância, mas a fazenda deixou de existir e então o lugar onde morou quando criança já era uma área tomada por um matagal.

Espero, então, em futuro breve ver o relançamento de Coqueiros, memórias de Mário Morais, há muito esgotado. Informarei meus leitores a respeito. Mário, que já teve seu crepúsculo, terá oportunidade de uma nova aurora.