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terça-feira, 15 de julho de 2025
A Campanha das Cem Flores: Educação e os Intelectuais na China entre 1951-57
A Campanha das Cem Flores: Educação e os Intelectuais na China entre 1951-57
Bruna Barbara Silva Basílio
Resumo
Esse artigo busca debater a educação e os intelectuais na China nos anos 50, período anterior ao Grande Salto Adiante. O artigo irá debater a relação controversa e entre o Partido Comunista Chinês e os intelectuais, em especial, em relação a escritores: Wu Xun, Yu Pingbo e Hu Feng, escritores que acabaram combatidos pelo partido e associados ao liberalismo. Esses escritores chineses foram combatidos por campanhas do partido. Wu Xun é hoje considerado o pioneiro da educação pública chinesa. Igualmente, iremos falar sobre como essa Campanha ficou ligada à chamada Campanha dos Cem Flores (conhecida na China como Campanha da Retificação), seguida pela Campanha Antidireitista. Especialmente interessante é a trajetória dos indivíduos criticados pelo partido, tais como Wu Xun. Ele é um dos símbolos do liberalismo chinês e por isso é um filme inspirado em sua vida foi o primeiro filme proibido na República Popular da China. Há todo um contexto envolvendo essa radicalização, como a participação da esposa de Mao e de Mao mesmo no processo. Wu foi pioneiro da educação pública chinesa e hoje teve sua reputação restaurada, após um período de banimento durante a revolução cultural chinesa. A ´partir daí, podemos entender como formou-se a moderna pedagogia chinesa.
Palavras-chave: China, educação, escritores, intelectuais, pedagogia
Summary
This article seeks to discuss education and intellectuals in China in the 1950s, the period before the Great Leap Forward. The article will discuss the controversial relationship between the Chinese Communist Party and intellectuals, especially in relation to writers: Wu Xun, Yu Pingbo and Hu Feng, writers who ended up being fought by the party and associated with liberalism. These Chinese writers were opposed by party campaigns. Wu Xun is now considered the pioneer of Chinese public education. Likewise, we will talk about how this Campaign became linked to the so-called Campaign of the Hundred Flowers (known in China as the Rectification Campaign), followed by the Anti-Rightist Campaign. Especially interesting is the trajectory of individuals criticized by the party, such as Wu Xun. He is one of the symbols of Chinese liberalism and so it is a film inspired by his life, it was the first film banned in the People's Republic of China. There is a whole context surrounding this radicalization, such as the participation of Mao's wife and Mao himself in the process. Wu pioneered Chinese public education and has now had his reputation restored after a period of banishment during the Chinese Cultural Revolution. 'From there, we can understand how the modern Chinese pedagogy was formed.
Keywords: China, education, writers, intellectuals, pedagogy
1.Introdução
O interesse desse período chinês e o dessa pesquisa deve-se ao fato de que existe muito pouco material em português. Nesse período surgiram grandes campanhas de caráter educativo, campanhas essas que marcam a política educativa do estado chinês até hoje, daí a importância em estudá-las.
A educação chinesa da República Popular da China foi marcada pelas grandes campanhas populares de caráter educativo. Campanhas como essa existem até hoje, mas em menor escala. Hoje em dia o cidadão é menos estimulado a criticar autoridades. Na história da China, a tendência é ocorrer uma abertura de crítica ao sistema e, logo a seguir, um fechamento. O último movimento nesse sentido ocorreu nos anos 80. O sistema, no entanto, não estimulou tanto a crítica ás autoridades como nos anos 60.
Testadas em menor escala nos anos 50, com a Campanha de Retificação e a Campanha Antidireitista, as grandes campanhas educativas, com grande participação da população, mostraram a vitalidade e a capacidade dos socialistas chinesas de conseguirem grandes feitos. De certa forma, as campanhas dos anos 50 foram um embrião da Grande Revolução Cultural Proletária que ocorreu a partir dos anos 60.
2. Campanha Contra Wu Xu
A primeira controvérsia na década de 50 foi em torno de Wu Xu, educador chinês que viveu entre 1838 e 1896. O livro A Vida de Wu Xu, filme lançado em 1950, contou a vida desse educador e fez grande sucesso na China. Inicialmente, as recepções foram calorosas.
Wu originalmente era Wu Qi. Nasceu em Wuzhuang, hoje parte do condado de Guan. Depois da morte de seu pai, Wu ficou só e muito pobre, sem poder frequentar a escola local. Wu, então, passou a defender publicamente a educação gratuita universal. Ele pedia contribuições, vivendo como um mendigo sem endereço fixo. No entanto, mesmo assim, estudou por contra própria e reuniu algum dinheiro e mostrou grande talento para empreendimentos comerciais. Tornou-se, então, um empresário. Ao tornar-se grande fazendeiro, criou suas próprias escolas, todas beneficentes, voltadas para a caridade. O nome Xun foi uma homenagem da corte imperial a ele (dinastia Quing), ocorrida posteriormente.
Wu Xun foi venerado com um templo memorial no condado de Guan e ele foi celebrado como um herói adepto das ideias do sábio chinês Confúcio. O espírito de Wu Xun virou sinônimo de ideal de progresso através da educação, bem como as ideais tradicionais de serviço confucionistas.
Após recepção positiva, surgiram críticas ao filme sobre a vida de Wu Xun, que foi tida como contrarrevolucionária por intelectuais do partido. A esposa de Mao, posteriormente uma líder que presidiu o país, iniciou uma campanha contra o filme e contra o reformismo burguês representado por Wu Xu. Mao, inspirado por Jiang Qing, foi denunciado como promotor da cultural feudal. Os críticos ligados ao Partido Comunista Chinês diziam que a história tinha sido falsificada e que Wu era, na verdade, um latifundiário que estava sendo mistificado, o que resultava na promoção da cultura feudal. Por fim, o filme acabou proibido. Na Revolução Cultural, houve novamente uma tentativa de destruir o culto de Wu. Ele foi julgado como contrarrevolucionário e seus restos mortais, queimados publicamente pelos Guardas Vermelhos. Depois da morte de Mao e da derrubada da esposa em 1976, a reputação de Wu foi restaurada. O jornal Diário do Povo tocou no assunto em 1985, ajudando Wu a recuperar seu prestígio como educador e ídolo do liberalismo chinês. Na atualidade, com a reputação de Wu restaurada, o filme foi exibido em sessão privada em 2005 lançado em DVD em 2012.
Mao Tsé pessoalmente criticou Wu como sendo um liberal em cujo programa de alfabetização considerava-se que a revolução não era necessária. Foi o primeiro caso de uma campanha contra um filme na República Popular da China, e isso depois do filme ter entrado entre os dez melhores filmes daquele ano de 1950.
A partir daí, o partido passou a interferir na indústria do cinema chinesa. A reputação do filme e de Wu Xun só foram completamente restauradas em 1986.
3. Campanha contra Yu Bingbo
Outro caso de uma campanha ocorreu contra Yu Pingbo (1900-1990), um ensaísta, poeta, historiador e crítico literário. Foi um estudioso seguidor de Hu Shih, que não era apoiador do comunismo, o que comprometeu Yu Pingbo posteriormente, pois Hu Shih chegou a escrever contra os comunistas.
Depois da revolução de 49, quando Yu Pingbo estava como professor em Pequim, a ordem era reinterpretar os clássicos do pensamento e da cultura chinesa com as ideias de Marx e do materialismo histórico.
Em 1923, Yu publicou uma crítica a Sonho do Quarto Vermelho, dando força à interpretação de que os primeiros oitenta capítulos do original Sonho do Quarto Vermelho tinham sido escritos por Cao Xuegin e os demais por Gao. Ele estabeleceu, então, um novo campo de estudo que, basicamente, reforçou o movimento de Nova Cultura que substituiria a antiga cultura chinesa por uma versão ocidentalizada. O texto Águas de Primavera, publicado ao lado de “Diário de um Louco” de Lu Xun no jornal A Juventude, foi considerado uma das primeiras composições a serem escritas em vernáculo chinês contemporâneo.
Uma crítica ao estudo de Li Pingbo foi promovida por Mao Tsé Tung de dois estudantes recém-formados para poder criticar o idealismo de Hu Shih, grande mestre de Pingbo. Mao escreveu pessoalmente uma carta aos dois estudantes, elogiando sua coragem ao criticar uma autoridade estabelecida, “uma grande peruca burguesa”, no entender de Mao. A Revolução Cultural Chinesa foi muito marcada por atitudes como essa: alguém, mesmo num estrato inferior, numa perspectiva hierarquicamente mais baixa, sem efetivamente estar consolidado profissionalmente e sendo jovem, podia ativamente criticar uma autoridade estabelecida. O critério da origem de classe e da necessidade da classe operária dirigir tudo era muito levado em conta, para além dos meros critérios técnicos.
Para o entendimento pedagógico maoísta, que influencia o moderno sistema educacional e pedagógico chinês, como se pode ver no filme Rompendo com Velhas Ideias (1976) e no Livro Vermelho de Mao Tsé, a teoria não pode ser dissociada da prática, ambas sempre devem andar juntas.
Uma grande intensidade dramática é o que podemos encontrar em Rompendo com Velhas Ideias, um filme da República Popular da China -que foi um país socialista até 1976- e cuja filmagem ocorreu durante o Grande Proletariado Revolução Cultural daquela nação (1966-1976), liderada pelo ex-presidente Mao Tse Tung. Lançado em 1975, sob a direção de Wenhua Li, é considerado uma das poucas obras cinematográficas que ampliou a visualização da importância de transformar o antigo ensino em uma educação proletária, científica a serviço do povo. No decorrer da história, destaca-se o tema central, a reforma da educação e em seu caráter essencial e peremptório pôr fim aos problemas da classe trabalhadora da cidade e do campo, onde esta última é a que apresenta com mais dificuldades, que são muito diversas, tanto para aquele contexto quanto para o momento atual.
Resistir na busca por métodos populares de ensino para construir tijolo por tijolo a nova sociedade foi a missão dos líderes, que apesar das incessantes barreiras impostas pela burguesia, levantaram essa luta aplicada unindo a teoria à prática. Ressaltando o título deste filme, segue-se que devemos romper com velhas ideias.
4. Campanha contra Feng Xuefeng
Feng Xuefeng (1903-1976) foi um escritor e ativista chinês que, após ter contribuído significativamente para a crítica literária socialista, era membro importante do partido comunista chinês, era também especialista no escritor Lu Xun, mas foi acusado de contrarrevolucionário e passou o final da vida sob perseguição.
Como Feng era um militante antigo e consagrado do partido comunista chinês, redigiu editoriais críticos ao governo e, a seguir, foi rotulado de contrarrevolucionário. Foi, então, pego na Campanha Antidireitista e obrigado a passar por reeducação pelo trabalho. Posteriormente, em 61, foi absolvido. Não conseguiu, no entanto, terminar o romance que ambicionava escrever sobre a Longa Marcha. Viveu até 1976, quando morreu de câncer no pulmão. Igualmente, o escritor e crítico literário Hu Feng (1902-1985), militante histórico do Partido Comunista, tinha uma teoria literária própria e que recusava as formas nacionais, consideradas historicamente ligadas ao confucionismo. Nisso, ele entrava em choque com Mao Tse Tung e outras autoridades. Ele foi, no entanto, reabilitado parcialmente em 1980 e, postumamente, totalmente reabilitado em 1988.
5. Campanha da Retificação ou das Cem Flores
O nome da campanha foi tirado de uma fala histórica, ainda do tempo da monarquia, quando foi proclamada a liberdade de pensamento e de religião e, por fim, prevaleceram o confucionismo e o taoísmo.
Depois das campanhas contra escritores e intelectuais em geral, pode-se dizer que o partido viu que foi longe demais e proclamou que todos apresentassem suas críticas. Muitas eram apresentadas nas escolas em grandes murais chamados dazibaos. Os intelectuais estavam, devido ás campanhas anteriores, muito afastados do partido. Como as críticas foram ganhando força, o partido lançou, logo a seguir, a Campanha Antidireitista, que prendeu e processou muitos intelectuais, educadores e escritores entre 1957-59. Mao, ao abrir a Campanha das Cem Flores, fez uma alusão ao período da história chinesa chamada período dos reinos combatentes.
A Campanha Antidireitista direcionou-se muito contra as críticas que supostamente não eram construtivas. Afetaram muito os educadores chineses que tinham estudado e permanecido ligado a instituições ocidentais. Muitos deles foram processados e punidos, por vezes reenviados para campos de reeducação no campo. Por essa época, Mao Tsé Tung afirmou, em frase posteriormente recolhida no Livro Vermelho:
A única via para resolver as questões de natureza ideológica ou as controvérsias no seio do povo é o uso do método democrático, da discussão, da crítica, persuasão e educação, e nunca o uso de métodos de coerção ou repressão (MAO TSE TUNG, 2004, p. 49).
Como explicou Mao, a educação do povo tem que ter em vista que surgem contradições entre os comunistas e o povo, mas que devem ser resolvidas de forma que os comunistas possam distinguir entre si mesmos e a burguesia, bem como entre a verdade e o erro. Pode-se dizer que, se não forem sanadas, essas contradições tornam-se, de não-antagônicas, em antagônicas. Essa era a explicação de Mao para o fenômeno do levante popular contra um governo de democracia popular como a Hungria em 1956: essas contradições não haviam sido identificadas e tratadas a tempo.
A explicação que Mao deu é que, mesmo nas sociedades socialistas, apresentam-se as ideias burguesas e pequeno-burguesas. O dilema passa ser entre continuar com a ditadura do proletariado ou restaurar o capitalismo e a burguesia. A resposta dada, e que norteou as campanhas e a educação chinesa dos anos 60 até 1976, mas ainda com reflexos hoje em dia, foi a necessidade do debate democrático. A ideologia burguesa não deveria ser impedida de manifestar-se, deve ser dada a oportunidade, para então ser combatida com argumentos e críticas apropriadas. As ideias errôneas são como as ervas daninhas, devem ser arrancadas e, para isso, deve ser usado o método dialético, com análise científica e argumentação convincente.
6. Conclusão
Pode-se dizer que, através dessa pesquisa, ficamos sabendo mais sobre uma tema a respeito do qual há muito pouco material em português: as campanhas movidas contra intelectuais considerados contrarrevolucionários no período 1951-57. Especialmente interessante para nossa área de atuação foi a história da vida de Wu Xu, educador chinês considerado o ídolo dos reformistas burgueses e liberais chineses, filme proibido em 1950 na República Popular da China. Posteriormente, nos anos 80, Wu Xu teve sua reputação restaurada e o filme saiu em DVD e passou a passar em sessão privada na China.
As questões envolvendo a educação, literatura e pedagogia chinesas, como pudemos observar nessa pesquisa, envolvem a opção realizada por grandes campanhas nacionais de caráter educativo desde os anos 50. Aqui foi analisada a primeira dessas campanhas, a campanha de Retificação, conhecida também como Campanha das Cem Flores. Ela foi seguida pela Campanha Antidireitista. Os intelectuais acima citados foram todos criticados e punidos na Campanha Antidireitista. A Campanha dos Cem Flores evocava uma raiz histórica, um período onde floresceram várias linhas de pensamento no tempo da monarquia. Há também a hipótese de que Mao e seu grupo desejavam, com isso, saber quem eram os inimigos do comunismo. Sendo assim, deixar as cobras saírem de suas tocas seria um objetivo dessa campanha, daí a punição logo a seguir. No entanto, através dos dazibaos (grandes cartazes com jornais) sem dúvida a crítica chegou às massas. O período da Campanha Antidireita coincide com a leitura do Relatório Kruschev na URSS e o levante húngaro de 1956, eventos que o partido julgou ameaçadores. No entanto, houve um consenso de que havia contradições no seio do povo e que deveriam ser resolvidas através da educação e não da repressão. A Revolução Cultural, ocorrida nos anos 60, foi um desdobramento que gerou novas grandes campanhas educativas, campanhas que existem até hoje. Essas campanhas marcam uma grande diferença entre o socialismo tecnocrático da União Soviética e o socialismo chinês. Os chineses sempre convocavam as massas para suas realizações.
7. Referências:
AUDREY, Francis. China: 25 anos, 25 séculos. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1976.
BUENO, André. A visão chinesa do passado em Beltrão, Cláudia (org.) A busca do antigo. Rio de Janeiro: Nau, 2011, p.19-23.
LINK, Perry. 23 de julho de 2007. Legado de uma injustiça maoísta. O Washington Post . pág. A19.
MA, Ron. Art for Politics’ Sake: The Reasons and Progress of the Criticism Campaign Against The Life of Lu Xun. >. <>,
MITTER, Rana. China Moderna. Porto Alegre: L&PM, 2011.
SHU, Sheng. Os intelectuais e a China maoísta. Curitiba: Apris, 2019.
SINOBABBLE. Let the Hundred Flowers Blossom? >. <>,
SPENCE, Jonathan. Em busca da China moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
TUNG, Mao Tsé. O Livro Vermelho. São Paulo: Martin Claret, 2004.
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