Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior (Bom Despacho/MG)
Ainda vestido de Capitão América, Dennis Hooper voltou do sambódromo cansado. Naquele domingo, seu amigo Peter Fonda vinha visitá-lo, vindo da missa dominical. Os dois ex-hippies ainda mantinham a amizade, mesmo morando no Rio de Janeiro desde 1970. No ano anterior, os dois tinham sofrido um ataque dos rednecks após o Mardi Gras em New Orleans. Após uma longa recuperação, que durou um ano, os amigos resolveram ir assistir ao carnaval no Rio de Janeiro. Gostaram bastante, planejavam voltar. No entanto, souberam que o FBI os estava processando por tráfico de cocaína nos Estados Unidos. Foram ficando pelo Rio de Janeiro, para evitarem o processo e a prisão.
Agora, nos anos 2000, quando os dois estavam em torno dos sessenta anos, o Capitão América ainda permanecia bastante boêmio, enquanto Fonda convertera-se ao catolicismo que tanto o impressionara em New Orleans. Hopper vivia quase que sempre sozinho num apartamento em Copacabana, enquanto Fonda estava casado com uma esposa brasileira e praticante da renovação carismática. Fonda não praticava o catolicismo carismático, mas simpatizava com aqueles cultos que lembravam os ritos protestantes norte-americanos, dos quais, no entanto, nunca participara.
Ambos continuavam com a mesma paixão por motocicletas e bandas de rock, especialmente as da época, do final dos anos 60: Steppenwolf, the Byrds, Eletric Prunes, Jimi Hendrix, Bob Dylan, entre outras. Fonda sempre repetia a frase de Max Weber que dizia que “aquele que vê o mundo aos 50 anos da mesma forma que via aos 20, desperdiçou 30 anos de sua vida”. Hooper, sempre muito crítico, gostava de comparar ele e Fonda com a dupla Wood & Stock, de Angeli.
Fonda ainda lembrava-se muito daquele dia em que foram alvejados pelos caipiras do sul, os reacionários de lenço vermelho, god damn racistas que discriminavam gays, comunistas e cabeludos. Hooper preferia esquecer que sua motocicleta voara longe, aos pedaços, e ainda assim conseguira ajuda com um caminhoneiro, salvando a si mesmo e ao amigo.
Muito tempo depois de terem se recuperado, Fonda ainda fazia todo ano um ritual místico para homenagear as duas motocicletas: reunia as duas máquinas danificadas no réveillon de Copacabana, cantava e dançava a noite inteira, banhando de ervas e flores as duas. Fonda cultuava muito a Harley Davidson do amigo e a sua. Hooper, cético, nunca participou. Certa passagem de ano, Fonda cobriu as motos de cremes e ungüentos cheirosos e escondeu um punhado de cânfora no tanque de sua Harley. Era uma forma de agradecer especialmente à sua alquebrada motocicleta tudo o que tinham passado. Ele talvez temesse, internamente, que uma tivesse ciúme da outra.
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