Num vídeo bastante estranho, pois remixado com um funk, o novo ministro da educação apresenta suas opiniões sobre vários assuntos.
Eu concordo com boa parte com as opiniões, mas eu divirjo profundamente da concepção de Janine sobre a hegemonia; não creio que Gramsci seja um autor "simples". Janine pensa que "depois das eleições no Brasil" houve --em 2002-- uma conquista da hegemonia (para ele, convencimento sob consenso). E ele dá de exemplo um programa eleitoral do PT em que, quando uma família de classe média via uns mendigos e se sensibilizava, eles seriam, portanto, petistas de certa forma, ainda que sem saber, pelo simples fato de supostamente o PT monopolizar a esquerda e a sensibilidade social possível na sociedade brasileira.
Esse conceito surge quando Gramsci teoriza que, no Ocidente, seria preciso primeiro conquistar aquilo que existe entre a fortaleza e o seu exército, ou seja, o que ele chama de "casamatas", a sociedade civil. Ele pensa que, na Itália e no Ocidente, antes da conquista do estado, seria preciso conquistar uma hegemonia para os trabalhadores junto a jornais, universidades, teatro, literatura, etc.
Para Gramsci, EM TESE, a revolução na Itália consistiria em combinar guerra de posição (busca de consenso na cultura) e guerra de movimento (tomada do estado numa guerra civil proletária ao estilo de 17). Na prática, Gramsci como parlamentar empenhou-se bem mais em restringir as atividades do partido comunista a uma atividade parlamentar. Sonhou em uma frente parlamentar derubando o capitlaismo em plena vigência do fascismo. Sua prisão em 1926 e subsequente prisão perpétua mostrou como estava equivocado. O fascismo de Mussolini, no entanto, premiou-o ao mantê-lo com vida até 1937. Evidentemente que se tivesse proclamado o combate armado ao fascismo e abdicado da atividade parlamentar, possivelmente teria sido assassinado e jamais mantido preso --e podendo cristalizar seus sonhos parlamentares no cárcere sob a forma de escritos!
Agora, em 2015, vê-se bem claro que o PT não havia conquistado hegemonia cultural alguma na sociedade, apenas adotado um projeto eleitoral que lhe permitiu gerenciar o estado, ou seja, gerenciar a miséria. Gerenciar um país invadido pelo imperialismo, com uma guerra civil latente aqui dentro.
Esse caminho sonhado por Gramsci não deu em revolução alguma na Itália e nem em lugar nenhum e ficou esquecido até Kruschev chegar ao poder em 1956, propondo a via pacífica para o socialismo. Ressuscitaram, então, esse nosso Gramsci de agora, domesticado e limpo de todo "stalinismo", embora ele tenha apoiado o destroncamento da vertente bonapartista de Trotsky e a favor de Stálin (aliás, tomou o partido de Stálin nessa e em outras inúmeras vezes). A academia brasileira não parece estar interessada nisso e contou com o charlatanismo acadêmico de um Carlos Nelson Coutinho e sua trupe para poder "amansar" o autor.
O PT não significa a hegemonia da classe trabalhadora. Parece que Janine supõe isso, ou seja, equivoca-se mais uma vez. Em 2002, o PT conformou-se finalmente em aproveitar a oportunidade e ajudar o nosso capitalismo selvagem a ser menos selvagem, ajudando o latifúndio, o capital estrangeiro e os empresários que gostam de mamar no estado a ficarem mais sofisticados em sua dominação, adotarem novos discursos, etc. O projeto de "reformismo fraco e pacto conservador" conquistou o estado e fez sucesso na sociedade, mas agora já fracassa. Com a crise mundial, precisou deixar cair a máscara e atacar a classe média e os trabalhadores.
Criado como pacto entre capital e trabalho, deixou claro de que lado está (do capital) e de que precisa garantir a margem de lucro desses três setores acima para poder continuar no poder e o fará a qualquer custo. E quase com certeza conseguirão reeleger Lula em 2018, pois sob o manto do nacionalismo, o outro setor empresarial, onerado pelo projeto pessoal de poder de Lula, angustiado por estar falindo em meio à crise sem desfrutar do estado, consegue mobilizar a classe média (também apertada) e setores dos trabalhadores (como os caminhoneiros), mas não consegue ganhar o estado na competição eleitoral. Por não ter ainda ganho setores importantes como os sindicatos, ainda é perigoso para os empresários que esse setor gerencie o estado.
O que há depois de uma eleição como a de 2002 é justamente a conquista do estado. A hegemonia, um conceito muito mal versado de Gramsci, é tirado de Lênin: a hegemonia seria sempre de classe. Um exemplo de busca de hegemonia de classe seria a revolução cultural chinesa. Mao Tsé Tung e o partido decidiram que era preciso aumentar a hegemonia do proletariado e se esforçaram entre 1964 e 1975, em mudar também a cultura: fecharam as universidades por dois anos, repensando essa instituição que por vezes cria pedantismo acadêmico; criaram obras contando a história da revolução: estimularam a juventude das cidades a ir para o campo fazer trabalhos manuais e ajudar os mais pobres, combatendo os revisionistas, na forma de democracia direta que eram as guardas vermelhas; criaram brigadas de médicos que atendiam em cada aldeia, buscaram estimular as pessoas a ver os filhos como sendo responsabilidade da coletividade e não só dos pais, editaram milhões de exemplares do Livro Vermelho, um manual muito bom de marxismo, disseminando-o entre as massas, para que conhecessem a teoria, obrigaram os oficiais a servirem uma semana do mês como soldados para que pudessem conhecer as condições da tropa, etc.
Hegemonia seria, assim, totalitarismo de uma classe: influência total de uma classe social sobre toda a sociedade. Mas cuidado, não quer dizer que, só porque vivemos formalmente uma democracia no Brasil, que não existe a hegemonia dos empresários sobre toda a sociedade numa escala inexistente anteriormente. Um exemplo é o cinema brasileiro: se antes o financiamento do estado era decidido por grupos políticos de pressão, atualmente ele é decidido por empresários que escolhem o que querem financiar com dinheiro público, pela via do desconto no imposto de renda. Eles estabelecem, assim, a sua hegemonia de classe: não gastam dinheiro privado no cinema, embora assim aparente --e de quebra ainda ditam a programação cultural do país.
Os ditos gramscianos da Itália, entre os quais Togliatti, desde sempre atacaram a hegemonia (da forma como foi definida acima por Mao) como "stalinismo". Eles supunham simplesmente que a democracia restrita sob os monopólios que a Itália vivia era melhor do que a economia coletiva da China. A partir da invasão do Afeganistão, em 1979, os eurocomunistas (na verdade, revisionistas social-patrióticos) romperam com o social-imperialismo soviético de Brezhnev, mas apenas para reafirmar a democracia imperialista como "valor universal". O mundo todo deveria estar sob o jugo dos monopólios, para esses "gramscianos".
Esse conceito de hegemonia em Gramsci serviu para cimentar o caminho eleitoral, a chamada via pacífica para o socialismo. e por isso ele é tão interessante assim para o PT e tão falado. Os outros autores que os petistas ainda mencionam são Che Guevara e Trotsky, mas com muito menor frequência do que Gramsci.
9 comentários:
https://www.youtube.com/watch?v=eA5XIF_Mx68
Um país chamado favela
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2064
Comentários interessantes sobre o artigo "Um país chamado favela"
"Wellington Kaiser 31/03/2015 15:24:39
Eu nasci e fui criado em uma favela. Quando comecei a ler sobre escola austríaca e teorias libertárias, eu pensava "Brother! Essas coisas já ocorrem na favela."
A favela é propagandeada como algo a ser evitado, como um lugar ruim de se viver e muitos não entendem o motivo delas serem cada vez maiores e surgirem com mais frequência. Entretanto, as pessoas não entendem que a favela proporciona o crescimento do mais necessitado, justamente por não ter muita interferência do Estado."
"Wellington Kaiser 31/03/2015 16:49:50
Eu faço isso. Se você mora (ou morou) em uma favela, automaticamente sabe disso. Sabe que não precisa de alvará da prefeitura para abrir um restaurante ou qualquer outro estabelecimento, não precisa emitir nota fiscal, não paga iptu, constrói casa sem registrar (nem pagar taxa) nada, no máximo um contrato de posse.
Minha mãe trabalhava em salão de beleza "no asfalto", montou seu próprio salão na favela, ganhou muito mais com isso. A grana que não demos pro estado nos possibilitou pagar um curso de informática (atualmente sou programador).
Meu pai foi líder comunitário de uma favela relativamente nova (tem menos de 20 anos). A galera juntou e comprou um terreno gigante que não era utilizado por ninguém, dividiram em lotes, ele fez o desenho dos acessos (o que me faz lembrar que existem pessoas que acham impossível existir uma rua particular). A própria favela financiou parte da infraestrutura, seja por grana ou por mão de obra. Somente quando estavam em um nível avançado de construção, que o governo cedeu alguma coisa.
Algumas vilas os moradores fecharam o acesso com portões (algumas até com portão eletrônico), funcionando como condomínio. A manutenção da rede de esgoto dentro dessa favela até hoje é feita única e exclusivamente por moradores.
Morei nessa favela desde sua concepção, sei muito bem como funciona quando não se tem estado interferindo. Te digo mais, tem muita gente que é libertária, sem nem ao menos conhecer nenhuma teoria. :)"
"Candido 31/03/2015 18:14:16
Também resido em uma região de periferia, que só não é mais favela, devido ao esforço dos moradores. É uma pena que boa parte da população "direitista" só enxergue o "favelado" como um sugador de dinheiro dos outros, quando na verdade, o dito favelado paga duas vezes pela maioria dos serviços e sem direito a escolha de fornecedor na maioria dos casos. Acredito que aqui na periferia somos na maioria liberais e libertários, mas o discurso que chega até aqui é estadista e socialista, o que faz muita gente boa achar que esse é o caminho."
VAI PARA A FAVELA! LÁ TEM INTERVENÇÃO MILITAR E O ESTADO É MÍNIMO. A COLETA DE LIXO É COMO EM ALGUNS BAIRROS AQUI DA CIDADE: inexistente! Mas a taxa vem, tá!!!
Somália tb é um bom país nesse sentido. Estado mínimo.
Resposta ao Tico Santa Cruz
https://www.youtube.com/watch?v=KEI0Q6JKny8
"VAI PARA A FAVELA! LÁ TEM INTERVENÇÃO MILITAR E O ESTADO É MÍNIMO. A COLETA DE LIXO É COMO EM ALGUNS BAIRROS AQUI DA CIDADE: inexistente! Mas a taxa vem, tá!!!
Somália tb é um bom país nesse sentido. Estado mínimo."
Calma, camarada Stalin! Suas palavras já te contradizem.
Coleta de lixo nas favelas pode ser feitas pelos próprios morados que tiverem a ideia de criar uma empresa de coleta de lixo para a própria favela. Aliás, obrigado pela ideia camarada Stalin. Na próxima vez que eu colocar um comentário em sites que defendem o livre-mercado, essa será a ideia que eu passarei para os moradores desses lugares para começar a recolher e tratar o lixo nos morros e favelas pelo país a fora.
...e o melhor de tudo: SEM A PRESENÇA DO ESTADO!
Viu como o livre mercado é tão bom camarada Stalin!
Obrigado mais uma vez pela dica.
Se fazer cooperativa de lixo é tão rendoso, pq temos lixão até hoje? Somos pouco empreendedolixantes?
E se tem intervenção militar e tem bandidos, que tal os moradores tb fazerem seu próprio policiamento? kkkk
"Se fazer cooperativa de lixo é tão rendoso, pq temos lixão até hoje? Somos pouco empreendedolixantes?
E se tem intervenção militar e tem bandidos, que tal os moradores tb fazerem seu próprio policiamento?"
O camarada Stalin está bravinho só porque quem quer trabalhar pode ganhar o sustento sem a interferencia do estado e da classe politica.
O livre mercado, camarada Stalin, é bom porque dá ideias e faz com que as pessoas sejam criativas para desenvolver e melhorar o empreendimento que a própria criou.
Abrindo empresas de coletas de lixo, é claro e obviu que com o tempo muitos desses empreendedores irão crir uma forma de "dar um jeito" no lixo recolhido e aumentar a renda da empresa...
Aliás, eu mesmo conheço pessoas que criaram métodos de pegar restos de alimentos e tranformá-los em adubo para plantações.
Deixe o serviço para o estado fazer,... ou pior, deixe o serviço para o estado comunista fazer e você verá o que é ser incompetente.
Começo casos onde os prórpios moradores espulsaram os traficantes e criaram o seu próprio sistema de segurança nas ruas.
Não é possível que o camarada Stalin nunca entrou em uma rua, mesmo de baixa renda, e nunca viu seguranças privados para fazer a proteção do local?
Eu já vi, e posso garantir que é muito mais eficiente que o "policimento do estado".
Deixe a criatividade prosperar e não se metam governantes (seja de direita ou de esquerda).
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