domingo, 14 de maio de 2017

Pretexto para Falar em Belchior


            O trabalho de conclusão de curso (o temido tcc, também cognominado truco, cerveja e cigarro) do professor Eder David, agora publicado e intitulado “Alguns (pré)textos nas canções de Belchior num Brasil Ufanista”, publicado pela editora Giostri, é uma pesquisa sobre a censura política e o contexto da vida do grande músico recentemente falecido.
            Curiosamente, é o primeiro livro sobre Belchior de que o autor tem notícia. A pesquisa relaciona-se com os movimentos dos anos 60 e 70: cultura nacional e popular, tropicália, concretismo, movimento contracultural, poesia marginal. Talentoso poeta e compositor, ambientado com a canção popular nordestina, parte de um grupo que abrangia talentos como Ednardo, autor do Pavão Misterioso, Belchior aproxima-se dos movimentos, toma um ou outro elemento aqui e ali, mas nunca se encaixa totalmente.
Eder focalizou sua pesquisa na censura política dos anos 70, censura essa que parece hoje em dia totalmente absurda. Como seria realmente uma ameaça para o sistema político algumas menções metafóricas numa canção popular? Só uma ditadura muito totalitária, com ambição de controlar o todo da vida social poderia chegar a um ponto como esse. É inacreditável que tenhamos passado por isso há apenas quarenta anos atrás. Eu arriscaria dizer que hoje a MPB vive um outro cerco: a ditadura do mercado, que a coloca isolada em nichos, boicotada e marginalizada, exilada em sua própria terra.
            Igualmente, é impressionante saber que, nos últimos anos, o próprio Belchior morava de favor em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, sobrevivendo de maneira anônima às custas de direitos autorais. Só tinha pousada porque os fãs o protegiam e lhe davam acolhida. Tal fato é incrível, em se tratando de um dos grandes nomes da música popular brasileira contemporânea, autor de clássicos como Como Nossos Pais, imbatível na maravilhosa interpretação de Elis Regina.
           Uma passagem muito interessante é a chamada “linguagem da fresta”, conceito que Gilberto Vasconcellos utiliza para tratar da linguagem metafórica que as canções do período se utilizavam para poder transmitir uma mensagem crítica à ditadura. Um contraste enorme com as canções diretas, quase pornográficas, do funk e do “sertanejo universitário”. Vale a pena lembrar que Gilberto Vasconcellos, atualmente brizolista e folclorista e professor da UFJF, renegou totalmente esse livro sobre música popular onde surgiu esse conceito e jamais o reeditou. Vasconcellos diz não ouvir música popular desde o final dos anos 70 e tem um péssimo conceito de Caetano e Gil, que considera boêmios sem conteúdo. Enfim, o texto de Eder David é muito importante para que possamos lembrar aos jovens das lições desse tempo ao mesmo tempo próximo e distante devido à intensidade das mudanças desde então.

2 comentários:

Paulo Falcão disse...

Qualquer um que prefira Belchior a Caetano e Gil tem sérios problemas com a qualidade estética.

Revistacidadesol disse...

Eu tenho ouvido Belchior esses últimos dias e julgo a produção de boa qualidade estética também. Inclusive relaciona-se muito com o tropicalismo.