O trabalho de conclusão de curso (o temido tcc, também
cognominado truco, cerveja e cigarro) do professor Eder David, agora publicado
e intitulado “Alguns (pré)textos nas
canções de Belchior num Brasil Ufanista”, publicado pela editora Giostri, é
uma pesquisa sobre a censura política e o contexto da vida do grande músico
recentemente falecido.
Curiosamente, é o primeiro livro sobre Belchior de que o
autor tem notícia. A pesquisa relaciona-se com os movimentos dos anos 60 e 70:
cultura nacional e popular, tropicália, concretismo, movimento contracultural,
poesia marginal. Talentoso poeta e compositor, ambientado com a canção popular
nordestina, parte de um grupo que abrangia talentos como Ednardo, autor do Pavão Misterioso, Belchior aproxima-se
dos movimentos, toma um ou outro elemento aqui e ali, mas nunca se encaixa
totalmente.
Eder
focalizou sua pesquisa na censura política dos anos 70, censura essa que parece
hoje em dia totalmente absurda. Como seria realmente uma ameaça para o sistema
político algumas menções metafóricas numa canção popular? Só uma ditadura muito
totalitária, com ambição de controlar o todo da vida social poderia chegar a um
ponto como esse. É inacreditável que tenhamos passado por isso há apenas
quarenta anos atrás. Eu arriscaria dizer que hoje a MPB vive um outro cerco: a
ditadura do mercado, que a coloca isolada em nichos, boicotada e marginalizada,
exilada em sua própria terra.
Igualmente, é impressionante saber que, nos últimos anos, o próprio Belchior morava de favor em uma cidade no
interior do Rio Grande do Sul, sobrevivendo de maneira anônima às custas de
direitos autorais. Só tinha pousada porque os fãs o protegiam e lhe davam
acolhida. Tal fato é incrível, em se tratando de um dos grandes nomes da música
popular brasileira contemporânea, autor de clássicos como Como Nossos Pais, imbatível na maravilhosa interpretação de Elis
Regina.
Uma passagem muito interessante é a chamada “linguagem da
fresta”, conceito que Gilberto Vasconcellos utiliza para tratar da linguagem
metafórica que as canções do período se utilizavam para poder transmitir uma
mensagem crítica à ditadura. Um contraste enorme com as canções diretas, quase
pornográficas, do funk e do
“sertanejo universitário”. Vale a pena lembrar que Gilberto Vasconcellos,
atualmente brizolista e folclorista e professor da UFJF, renegou totalmente
esse livro sobre música popular onde surgiu esse conceito e jamais o reeditou.
Vasconcellos diz não ouvir música popular desde o final dos anos 70 e tem um
péssimo conceito de Caetano e Gil, que considera boêmios sem conteúdo. Enfim, o
texto de Eder David é muito importante para que possamos lembrar aos jovens das
lições desse tempo ao mesmo tempo próximo e distante devido à intensidade das
mudanças desde então.
2 comentários:
Qualquer um que prefira Belchior a Caetano e Gil tem sérios problemas com a qualidade estética.
Eu tenho ouvido Belchior esses últimos dias e julgo a produção de boa qualidade estética também. Inclusive relaciona-se muito com o tropicalismo.
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