O
livro Risco
de Vida,
embora aborde um assunto que, à primeira vista, é assustador para o
senso comum, bem como o tema do suicídio abordado em uma obra
anterior, é também um livro cheio de vida. O autor tem diabetes
tipo 1, que é a “paralisação dos operários dos pâncreas, que
não mais produzem insulina” (ANDRADE, 2019, p. 13). Ao invés de
ser um obstáculo, a diabetes ensinou ao escritor o cuidado de si.
Outro
poema que chamou-me a atenção trata do diálogo entre dois
artistas: “capturar detalhes é para os fortes e perspicazes. Ela
capturou-me pelo diálogo e detalhes mais profundos; pelo simples
jeito de ser ela mesma?” (ANDRADE, 2019, p. 12). Para tratar de sua
doença, Eduardo canta a vida e os cuidados que se tem de ter com a
vida e o corpo. Para combater a morte insidiosa, cria uma poética do
corpo, enquanto operário da vida e da escrita.
Eduardo
tem abordagens muito vívidas e talentosas, abordando temas
originais, tais como o aumento dos analistas numa determinada cidade
ou ambiente como sendo concorrência: “A prática mostra e que quem
faz análise sabe disso, que elegemos analista com o inconsciente”
(ANDRADE, 2019, p. 20). Além de ter excelentes crônicas, o livro
traz humor, como em Lacan
para Mineiros.
A verve do poeta-analista surge em Dedo
Podre,
texto em que ele trata do dedo que só aponta para os mesmos vínculos
horrendos e insustentáveis. Em repetições como essas, Andrade
encontra material para análise. Mais do que poemas, seus textos são
lampejos, poemas em prosa. É importante viver a tristeza, é curva
de vida.
Andrade
encontra em temas como suicídio e diabetes um impulso para escrever,
para estar existencialmente vivo. Estar doente, falar sobre suicídio,
tudo isso para ele é impulso que convoca à vida. Ele entende que
viver é vencer a morte a cada instante, é fazer existir. Nesse
livro ele toma a doença crônica como uma crônica da doença,
fazendo belas imagens, tais como quando compara a diabetes com um
cactos: “Os sintomas da diabetes são espinhos que o organismo gera
para tentar sobreviver, mas sozinho não consegue, e como somos corpo
habitado de alma ele nos acorda para nós mesmos cuidarmos, aguando
sem excessos e trocando a fértil terra já carcomida pelas balizas
da vida” (ANDRADE, 2019, P. 83). São assim as crônicas de
Eduardo, relato alucinado de suas pupilas, imagens que se agarram às
pálpebras fechadas do corpo e abertas da alma: um processo onírico
de tentar organizar o real visto. E com belas metáforas e uma
escrita talentosa.