quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Risco de Vida, Da Doença Crônica à Crônica da Doença



O livro Risco de Vida, embora aborde um assunto que, à primeira vista, é assustador para o senso comum, bem como o tema do suicídio abordado em uma obra anterior, é também um livro cheio de vida. O autor tem diabetes tipo 1, que é a “paralisação dos operários dos pâncreas, que não mais produzem insulina” (ANDRADE, 2019, p. 13). Ao invés de ser um obstáculo, a diabetes ensinou ao escritor o cuidado de si.
Outro poema que chamou-me a atenção trata do diálogo entre dois artistas: “capturar detalhes é para os fortes e perspicazes. Ela capturou-me pelo diálogo e detalhes mais profundos; pelo simples jeito de ser ela mesma?” (ANDRADE, 2019, p. 12). Para tratar de sua doença, Eduardo canta a vida e os cuidados que se tem de ter com a vida e o corpo. Para combater a morte insidiosa, cria uma poética do corpo, enquanto operário da vida e da escrita.
Eduardo tem abordagens muito vívidas e talentosas, abordando temas originais, tais como o aumento dos analistas numa determinada cidade ou ambiente como sendo concorrência: “A prática mostra e que quem faz análise sabe disso, que elegemos analista com o inconsciente” (ANDRADE, 2019, p. 20). Além de ter excelentes crônicas, o livro traz humor, como em Lacan para Mineiros. A verve do poeta-analista surge em Dedo Podre, texto em que ele trata do dedo que só aponta para os mesmos vínculos horrendos e insustentáveis. Em repetições como essas, Andrade encontra material para análise. Mais do que poemas, seus textos são lampejos, poemas em prosa. É importante viver a tristeza, é curva de vida.
Andrade encontra em temas como suicídio e diabetes um impulso para escrever, para estar existencialmente vivo. Estar doente, falar sobre suicídio, tudo isso para ele é impulso que convoca à vida. Ele entende que viver é vencer a morte a cada instante, é fazer existir. Nesse livro ele toma a doença crônica como uma crônica da doença, fazendo belas imagens, tais como quando compara a diabetes com um cactos: “Os sintomas da diabetes são espinhos que o organismo gera para tentar sobreviver, mas sozinho não consegue, e como somos corpo habitado de alma ele nos acorda para nós mesmos cuidarmos, aguando sem excessos e trocando a fértil terra já carcomida pelas balizas da vida” (ANDRADE, 2019, P. 83). São assim as crônicas de Eduardo, relato alucinado de suas pupilas, imagens que se agarram às pálpebras fechadas do corpo e abertas da alma: um processo onírico de tentar organizar o real visto. E com belas metáforas e uma escrita talentosa.










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