Eduardo
Lucas, Victor Cruz e Paulo Ceccarelli (org.)
Psicanálise e Vida Cotidiana, obra que tem
inúmeros autores, organizada por Eduardo Lucas Andrade, Victor Cruz de Freitas
e Paulo Roberto Ceccarelli, é um livro que vai bem além do tema proposto. Os
dois primeiros textos, o de Alexandra Martins e o de Alexandre S. Barbosa tocam
em temas interessantes, tais como a relação entre o biológico e a mente, entre
o pensamento e o corpo orgânico, mas seu vocabulário é mais técnico, afastado
de temas da vida cotidiana.
O texto de Eduardo sobre o
suicídio aborda esse interessante assunto. O senso comum acredita que, quando
alguém está estudando o suicídio, essa pessoa quer suicidar-se, por isso esse
tema seria “deprimente”. No entanto, refletir sobre nossa morte é valorizar
nossas vidas, bem como saber como lidar com algo tão doloroso que parece não
caber na vida.
O texto
mais bem humorado é de Victor Cruz, texto que aborda a operação bariátrica que
trata da obesidade, pois desmistifica o “balão mágico” que faz emagrecer. A
obesidade demanda um tratamento psicanalítico sério, bem mais além da mera
intervenção cirúrgica.
Victor
Cruz realizou, em conjunto com Ceccarelli, o texto sobre o xamanismo, assunto
fascinante devido ao fato de que esse tipo de ritual está presente entre os
índios brasileiros. É bastante inovador aliar psicanálise e xamanismo em
experiências teóricas e práticas com as chamadas “plantas de poder” sendo
utilizadas para poder investigar conteúdos do inconsciente.
Outro
texto mais que pertinente, esse sim o mais próximo da nossa vida cotidiana,
refere-se à agressividade no mundo virtual. Ela desvenda essa crescente
agressividade a partir do escândalo que é a transmissão de dados dos usuários
para as empresas, o que fez com que essa agressividade fosse potencializada com
finalidades eleitorais.
Um texto
saboroso e significativo, a meu ver, é o que trata da erotomonia. A pessoa
apaixonada tende a perder parte de seu senso crítico e sua capacidade de
avaliar verdadeiramente a realidade. Isso é comparado e definido pelos autores
com rara sagacidade:
O sujeito vive uma relação amorosa com seu
objeto de amor assim como um toxicômano pela sua droga de preferência. O amor
patológico em si, se caracteriza pelo comportamento de prestar cuidados e
atenção, de maneira repetitiva e sem controle, ao objeto de amor (parceiro) com
a intenção (nem sempre revelada) de receber o seu afeto e evitar sentimentos
pessoais de menos valia
(SILVA, MONTEIRO, 2019).
Pode-se,
então, considerar que a situação acima leva ao chamado amor patológico, pois a
pessoa passa a pensar seguidamente na pessoa amada, o que faz sofrer muito,
pois focaliza nos obstáculos a esse amor.
O
texto de Dircilene sobre a mulher e sexualidade tem também duas passagens que
considerei muito significativas: a de que, para a mulher, o desejo de um homem
é o desejo de um bebê, pois só através do homem ela pode ter o bebê. Outro é
que a agressividade da mulher, por razões sociais e históricas, é voltada
contra si mesma e, por isso, no homem o masoquismo é um traço feminino.
Esse
texto liga-se a outros textos do volume: aquele sobre feminicídio: o homem
teria mais tendência ao sadismo, daí sua opressão do feminino na mulher e no
homossexual. A agressividade do homem estaria voltando-se à mulher, em traços
sádicos e perversos, ou seja, do sofrimento do outro ele tira prazer. E também
aquele que trata do prazer de ser mãe enquanto construção histórico e cultural,
discussão presente no texto de Mireli Barbosa Martins, texto que debate e
desconstrói o mito do amor materno. A mulher, por vezes, deixa-se levar por
pressões sociais e nota, depois de ter o filho, que não tem essa realização
prometida de forma automática pela cultura na maternidade. Muito pelo
contrário.
No texto de Lavarini sobre a formação dos analistas,
texto com um tema que a meu ver é original, creio que é brilhante que tenha
lembrado da distinção entre a escuta do analista e a escuta do padre,
esclarecida nos seguintes termos por Freud: “Há uma grande diferença, por que o
que desejamos ouvir de nosso paciente não é apenas o eu ele sabe e esconde de
outras pessoas: ele deve dizer-nos também o que ele não sabe” (LAVARINI, 2019,
P. 221).
A análise do conto de Caio Fernando Abreu (“Não se deve
decretar a morte de um girassol antes do tempo) através da psicanálise encanta
pela riqueza de sentidos que foi possível encontrar nesse conto. Por fim, o
texto sobre feminicídio de Thaís e Luciano debate o horror ao feminino, mas
também deveria debater o sadismo do homem, o masoquismo como traço feminino e o
desejo do homem como um veículo para ter um bebê, o que em si é problemático,
pois o homem não é visto como um fim em si mesmo e sim como meio para um fim.
Isso gera conflito e precisa ser abordado.
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