quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ecos de Não-Lucidez: Prosa do Adorável Sílvio Neves

 Ecos de Não Lucidez (Sempre Viva Editorial, 2019). 


Nesse livro de contos que suponho o primeiro (nesse blog temos uma resenha do livro de poemas), Sílvio Neves inspira-se em Guimarães Rosa e Joaquim de Sousândrade, mas cria um estilo muito pessoal, característico. Sílvio Neves vai além de toda essa tradição de poesia concreta, está tudo muito bem pensado e digerido, prosa de Rosa, poesia concreta, poesia de Leminski, etc. Tudo isso foi muito bem digerido para criar um estilo muito seu.

Ouropel para Ourives conta a tragédia de um ourives, Entre Prazeres e Rosário é uma história de amor desventurada entre Eulália e Zé Arcanjo. Esse conto tem uma passagem bela que destaco:


Os olhos de Eulália, beatos nada enxergam, como que enlevados por aquela tradição de caminhar com semelhantes rogando súplicas aos céus para derrame de bençãos, junto àqueles que fizeram tanto por seus atos, não por preces".


Surgem muitas outras singularidades: Zé Bié das orquídeas (Mercês Aparecida), onde, em meio a uma história de amor, debate-se a identidade de Minas , o quadrilátero ferrífero reaparece no quadrilátero etílico. O conto Ah Bão tem um inusitado diálogo com o início de O Estrangeiro de Camus: mamãe está morta. Eu a matei." Sílvio é assim, "irrefragável".

O conto Trindade tem belas imagens de um crepúsculo: 


O contraste do altiplano com as reentrâncias do Espinhaço no horizonte às minhas costas causou-me um apaziguamento que julgo não haver experimentado antes. No oeste, o azul-escuro de nuvens carregadas contrastava com a nesga de azul-claro e o fúlvido vivo do crepúsculo. Um esplendor. Como as montanhas de cabeça para baixo. Um Espinhaço espelhado" (NEVES, 2019, P. 190).


Sua prosa nos obriga a pensar nas feições que os contos assumem. Ele proseia e mostra as feições. Ramerrão tem a divertida história de um inimigo oculto onde o personagem ganha um cão que o atormenta, após ter dado Vidas Secas a uma "senhorita Daslu". E o mais espirituoso conto do livro realmente fica para o conto final que dá nome ao livro, onde ele narra, no Ensaio Sobre a Surdez  e não sobre a cegueira, uma operação auditiva que quase o enlouquece, algo muito sensível para um Sílvio Neves que é um poeta pleno de musicalidade e agora, contista.

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