Teatro
em Bom Despacho: A Viagem de Sucesso de Nosso Barquinho
Minha lembrança do teatro em Bom
Despacho é uma lembrança infantil muito terna: minha tia Jane foi a Iara na
peça A Viagem de um Barquinho, de Sílvia Orthof, encenada no Salão São
Vicente com bastante sucesso. Foi também encenada em Dores do Indaiá. Vander
Araújo lembrou-se de ter participado, ainda criança, da peça, mencionando-a em
seu romance Roupa Suja de Inconfidente. Era mágico e encantador ver Jane
na figura de uma sereia de cabelos verdes.
Segundo
carta que recebi de Roniere Menezes, que era o sapo naquela peça, o grupo
teatral chamava-se Porta Aberta. Apresentaram-se no salão São Vicente
mais de uma vez, bem como em Dores do Indaiá, etc. Havia a Deolina como
lavadeira e o Wander Araújo, criança na época, como menino. Os dois eram os
protagonistas. A Samira irmã do Wander também trabalhava, entre várias outras
pessoas amigas. Bil Morais, meu tio, era o diretor da peça.
Quando voltei a viver em Bom Despacho,
no início dos anos 2000, o teatro estava florescendo. O grande artista que
mobilizou o teatro na cidade naquele período chama-se Júnior Souza, o professor
Juninho. Eu fiz algumas anotações (que agora consulto), na época, sobre o
enredo da peça De Quem é Esse Reino. Isso ocorreu em dezembro de 2002.
De
Quem É Esse Reino tratava das relações de poder num reino
imaginário, a Sorbônia. Num dado momento ficava claro que a Sorbônia era o
espelho do Brasil. Neste reino, que nos fazia lembrar aquele da novela Que
Rei Sou Eu, existia uma trama para levar uma serviçal do palácio (negra e
acima de seu peso ideal) ao trono, aproveitando-se da velhice da rainha
Dinorah. A serviçal (operária?) conseguia, após alguns ardis de “Malvina”, sua
colaboradora, chegar ao poder, fazendo-se passar por homem (insinuando o tema
do travestismo). O verdadeiro príncipe foi retido por asseclas dos usurpadores.
A “serviçal”, uma vez no poder, cometeu a gafe de tentar falar em línguas
estrangeiras sem nada saber: “murchas graxas”, arranhou em portunhol, dando
mancada e entregando-se. A seguir, a “ex-operária” expôs seu programa de
governo, explicitamente cortando os direitos dos “serviçais”, e, pelo que me
lembro, falou em cortar o décimo terceiro salário, etc. Logo sua “corte” se
irritou com os descaminhos do príncipe gritalhão. Enquanto isso, o príncipe
herdeiro se libertou daqueles que estavam em seu caminho e veio salvar o reino
das mãos da plebe, retomando a linhagem nobre. E a peça encerrou-se com a
serviçal voltando a servir no palácio. Notem como é curioso esse enredo, ao
levantar questões como a possibilidade de mudar de classe social e de corte de
direitos dos trabalhadores, temas ainda hoje muito atuais.
Pelo menos dois atores de expressão
foram revelados no teatro do Juninho: Thales Braga e Ítalo Laureano. Ítalo,
graduado em teatro na UFMG, desenvolve trabalhos como ator e diretor, aliás
como co-fundador do Grupo Quatroloscinco Teatro do Comum. (Ator e
Diretor em 7 espetáculos/14 anos), participou também das novelas Espelho da
Vida e Bom Sucesso. Thales fez parte de uma encenação muito elogiada
de Pra Acabar com o Juízo de Deus, de Antonin Artaud (em Belo Horizonte).
Foram muitas peças de enorme sucesso local escrita pelo professor Juninho:
Três Mulheres e um Amigo, Guarapari é Aqui (ambas com Lili Cunha, que cedeu
as fotos dessa matéria e a quem agradeço imensamente) lotando o Salão São
Vicente. Lili brilhou nessas peças de Juninho e hoje consolidou a graciosa
personagem Palhaça Berinjela (@palhacaberinjela). Oxalá, com o fim da
pandemia, a cidade retome sua bela vocação teatral, com muito sucesso e muitos
talentos revelados e cultivados! Que o nosso barquinho continue sua viagem de
sucesso!!!
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