quarta-feira, 15 de março de 2023

Bom Despacho em Cena: Menino Bonito, Expressões do Futebol, Ruas do Rio de Janeiro

 

Bom Despacho em Cena: Menino Bonito, Expressões do Futebol, Ruas do Rio de Janeiro

 

            Menino Bonito, texto autobiográfico de Alberto Coimbra (editora Literatura em Cena, 2022), é produto da reescrita do texto Impressões de Cinema, desdobrado em três: Resposta ao Tempo, Ruas do Rio de Janeiro e Belas Artes. Menino Bonito é Resposta ao Tempo renomeado.

            Eu preferia o título Resposta ao Tempo, é uma busca autobiográfica do escritor de compreender sua própria trajetória. Para tanto, ele revisita a relação com a família, pai e mãe, com os amigos da cidade, brincadeiras infantis, primeiros namoros, etc. Ele parte em busca de significados e sentidos profundos, em busca de saber onde algo de essencial foi perdido, onde os problemas começaram.

Nessa narrativa existem muitos elementos interessantes e situações curiosas que volta e meia emergem em uma linguagem atrativa e construída em cenas cinematográficas e fragmentos. Não é à toa que ele focaliza a ruína romana que surge ao final do filme Satyricon: a partir do presente, ele busca as ruínas do passado, daquilo que já foi e já se encerrou.

Ele conhece –e muito bem relembra-- figuras realmente fascinantes da cidade, como a cantora Cibele Oliveira, que é uma artista como ele. Há vários outros: André, que suicidou-se, com quem ele sentiu identificação; Zé Toniquinho, personagem folclórica da cidade e a quem ele associa ao anjinho do Sítio do Pica Pau Amarelo; Vera do Azul torna-se a atriz Farah Fawcett da série As Panteras, Maria José Paixão entrou em foco porque é a artista sofrida, cujo talento e fascínio libertário a cidade e o marido reprimem, dentre outros achados que são curiosos e engraçados e fazem o livro fluir muito agradavelmente.

            Foi muito interessante a relação com do texto com o cinema, os filmes na TV, a forma como Alberto, que tornou-se cinéfilo a partir dos filmes na televisão, relembra o cinema local, o Cine Regina, com grande riqueza de detalhes. É fascinante a aplicação que faz dos filmes e cenas em sua vida pessoal. Essa autobiografia resolveu o problema do fio condutor, que em Impressões de Cinema era tênue e ficou sendo um bom livro, embora mesmo esse Menino Bonito ainda tenha alguns problemas de revisão, como crase, maiúsculas e minúsculas: por exemplo, “militar” e “costureira”, nomes de profissão dos pais, estão em letra maiúscula sem razão alguma.

            Aparentemente a relação com a mãe, que compara com “Greta Garbo”, é melhor do que a relação com “Tyrone Power”, que é o pai. É muito curiosa a descoberta de Rita Hayworth, uma estrela de Hollywood cujos filmes foram marcantes para a geração 68, que foi a geração do pai. Alberto Coimbra, num tempo de Sharon Stone, fascinou-se por Rita Hayworth, a deusa do amor, querendo até mesmo transformar-se naquela atriz que fascinou e que já vivia seu crepúsculo quando Alberto a descobriu.

            As Ruas do Rio de Janeiro (editora Literatura em Cena, 2022), baseiam-se na ideia do flanêur de Baudelaire: o poeta como observador da urbanidade, um representante da modernidade que dedicou-se a atividades lúdicas e ociosas, levando a vida a buscar sensações diferentes das vulgares, vestindo-se de forma elegante. É o dândi em busca de seu sândalo. O poeta anda pelas galerias de Paris, Alberto anda pelas ruas do Rio. E Alberto escreve sobre a ladeira da Misericórdia que levava ao Morro do Castelo (demolido, mas foi onde o Rio nasceu e comenta que essa ladeira foi citada em Esaú e Jacó, de Machado de Assis). A partir de uma rua ou ladeira, Alberto começa o palavra-puxa-palavra, menciona uma frase de Adélia Prado, uma canção de Gal Costa, e por aí, em associação livre, o texto vai fluindo. As enumerações e referências são muitas, abundantes, mas a leitura é prazerosa e, ao final, ficou a frase espirituosa e marcante: “Muito são cariocas, alguns nasceram longe de casa.” Alberto Coimbra seguiu o destino histórico de mineiros como Fernando Sabino, Drummond e integrou-se na alma encantadora do Rio, tal como sua irmã Denise comentou no prefácio.

            Expressões do Futebol (editora Literatura em Cena, 2022) é um livro interessante de ficção e prosa poética a partir da pesquisa inédita sobre o futebol local. O livro não surgiu, como As Ruas do Rio de Janeiro, de um desenvolvimento posterior de Impressões de Cinema. Lançado anteriormente, já foi intitulado Léo e o Futebol. Mesmo nessa reedição, ressentiu-se de ser ao mesmo tempo pesquisa histórica sobre o futebol local (e esse é o primeiro livro sobre futebol local que eu conheço, daí sua grande importância) e uma ficção erótica. O melhor seria, de fato, numa nova reedição, reescrever o livro enquanto uma ficção utilizando Léo como um motivo-guia a unificar as situações e informações, utilizando a pesquisa historiográfica (que cita profissionais reais e atuantes como Graia, Tebinha, Khalifa) apenas como inspiração e citando suas fontes ao final, homenageando-as.

A decisão de desmembrar e desenvolver Impressões de Cinema foi boa e gerou obras muito interessantes. Ficamos no aguardo da terceira obra: “Belas-Artes”, falando de sua relação com o cinema.

Nenhum comentário: