Bom Despacho em Cena: Menino
Bonito, Expressões do Futebol, Ruas do Rio
de Janeiro
Menino Bonito, texto
autobiográfico de Alberto Coimbra (editora Literatura em Cena, 2022), é produto
da reescrita do texto Impressões de Cinema, desdobrado em três: Resposta
ao Tempo, Ruas do Rio de Janeiro e Belas Artes. Menino
Bonito é Resposta ao Tempo renomeado.
Eu preferia o título Resposta ao
Tempo, é uma busca autobiográfica do escritor de compreender sua própria
trajetória. Para tanto, ele revisita a relação com a família, pai e mãe, com os
amigos da cidade, brincadeiras infantis, primeiros namoros, etc. Ele parte em
busca de significados e sentidos profundos, em busca de saber onde algo de
essencial foi perdido, onde os problemas começaram.
Nessa
narrativa existem muitos elementos interessantes e situações curiosas que volta
e meia emergem em uma linguagem atrativa e construída em cenas cinematográficas
e fragmentos. Não é à toa que ele focaliza a ruína romana que surge ao final do
filme Satyricon: a partir do presente, ele busca as ruínas do passado,
daquilo que já foi e já se encerrou.
Ele
conhece –e muito bem relembra-- figuras realmente fascinantes da cidade, como a
cantora Cibele Oliveira, que é uma artista como ele. Há vários outros: André,
que suicidou-se, com quem ele sentiu identificação; Zé Toniquinho, personagem
folclórica da cidade e a quem ele associa ao anjinho do Sítio do Pica Pau
Amarelo; Vera do Azul torna-se a atriz Farah Fawcett da série As
Panteras, Maria José Paixão entrou em foco porque é a artista sofrida, cujo
talento e fascínio libertário a cidade e o marido reprimem, dentre outros
achados que são curiosos e engraçados e fazem o livro fluir muito
agradavelmente.
Foi muito interessante a relação com
do texto com o cinema, os filmes na TV, a forma como Alberto, que tornou-se
cinéfilo a partir dos filmes na televisão, relembra o cinema local, o Cine
Regina, com grande riqueza de detalhes. É fascinante a aplicação que faz dos
filmes e cenas em sua vida pessoal. Essa autobiografia resolveu o problema do
fio condutor, que em Impressões de Cinema era tênue e ficou sendo um bom
livro, embora mesmo esse Menino Bonito ainda tenha alguns problemas de
revisão, como crase, maiúsculas e minúsculas: por exemplo, “militar” e
“costureira”, nomes de profissão dos pais, estão em letra maiúscula sem razão
alguma.
Aparentemente a relação com a mãe,
que compara com “Greta Garbo”, é melhor do que a relação com “Tyrone Power”,
que é o pai. É muito curiosa a descoberta de Rita Hayworth, uma estrela de
Hollywood cujos filmes foram marcantes para a geração 68, que foi a geração do
pai. Alberto Coimbra, num tempo de Sharon Stone, fascinou-se por Rita Hayworth,
a deusa do amor, querendo até mesmo transformar-se naquela atriz que fascinou e
que já vivia seu crepúsculo quando Alberto a descobriu.
As Ruas do Rio de Janeiro (editora
Literatura em Cena, 2022), baseiam-se na ideia do flanêur de Baudelaire:
o poeta como observador da urbanidade, um representante da modernidade que
dedicou-se a atividades lúdicas e ociosas, levando a vida a buscar sensações
diferentes das vulgares, vestindo-se de forma elegante. É o dândi em busca de
seu sândalo. O poeta anda pelas galerias de Paris, Alberto anda pelas ruas do
Rio. E Alberto escreve sobre a ladeira da Misericórdia que levava ao Morro do
Castelo (demolido, mas foi onde o Rio nasceu e comenta que essa ladeira foi
citada em Esaú e Jacó, de Machado de Assis). A partir de uma rua ou
ladeira, Alberto começa o palavra-puxa-palavra, menciona uma frase de Adélia
Prado, uma canção de Gal Costa, e por aí, em associação livre, o texto vai
fluindo. As enumerações e referências são muitas, abundantes, mas a leitura é
prazerosa e, ao final, ficou a frase espirituosa e marcante: “Muito são
cariocas, alguns nasceram longe de casa.” Alberto Coimbra seguiu o destino
histórico de mineiros como Fernando Sabino, Drummond e integrou-se na alma
encantadora do Rio, tal como sua irmã Denise comentou no prefácio.
Expressões do Futebol
(editora Literatura em Cena, 2022) é um livro interessante de ficção e prosa
poética a partir da pesquisa inédita sobre o futebol local. O livro não surgiu,
como As Ruas do Rio de Janeiro, de um desenvolvimento posterior de Impressões
de Cinema. Lançado anteriormente, já foi intitulado Léo e o Futebol.
Mesmo nessa reedição, ressentiu-se de ser ao mesmo tempo pesquisa histórica
sobre o futebol local (e esse é o primeiro livro sobre futebol local que eu
conheço, daí sua grande importância) e uma ficção erótica. O melhor seria, de
fato, numa nova reedição, reescrever o livro enquanto uma ficção utilizando Léo
como um motivo-guia a unificar as situações e informações, utilizando a
pesquisa historiográfica (que cita profissionais reais e atuantes como Graia,
Tebinha, Khalifa) apenas como inspiração e citando suas fontes ao final,
homenageando-as.
A
decisão de desmembrar e desenvolver Impressões de Cinema foi boa e gerou
obras muito interessantes. Ficamos no aguardo da terceira obra: “Belas-Artes”,
falando de sua relação com o cinema.
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