A Lua
dos Uivos de Prata, Duas Estórias de Pedro Ramos
O Uivo
de Nascimento do Escritor Pedro Ramos
Pedro Ramos, que conheci quando ele
era criança, mas com quem não tenho contato, é um estudante da escola
Tiradentes, tem dezoito anos e lançou um livro. Esse fato é um fenômeno que
deve ser saudado, uma vez que uma cultura baseada na imagem, como é a nossa,
não favorece de forma alguma o desenvolvimento da cultura literária. Em outra
crônica, verifiquei como as bancas de revista e jornal estão em extinção em
nossa cidade. E que, curiosamente, é uma cidade com muitos escritores, mas sem
livrarias.
O livro de Pedro levanta, logo de
saída, uma questão: o estilo. Ter um estilo é dar um tratamento sintático
original à língua. O estilo é o homem, disse o filósofo Pascal. O Fernando
Cabral, que escreve nesse Jornal de Negócios, tem um estilo, bastante
próprio, mas ele não nos convida a refletir sobre seu próprio estilo –e Pedro chama
a atenção sobre a forma como ele conta a “estória”. Na verdade, são duas
novelas, não propriamente “estórias”. Em “Os Pássaros Não Nadam Contra a
Correnteza, por exemplo, quando Pedro vai contar que um personagem vai
abrir uma porta e não consegue, ele escreve: “Diante da porta, mirou os olhos à
maçaneta e tentou abri-la: estava inapta a executar esse serviço tão
necessário.” Sem dúvida, o rapaz tem estilo.
Pedro Não Nada Contra a
Correnteza
A primeira novela (“Os Pássaros
Não Nadam Contra a Correnteza”) é, desde o título que é uma frase ao estilo
do saber popular, baseada num achado desse jovem escritor: sua avó, matriarca
da família, falava um pouco como os personagens de Guimarães Rosa, assim como
suas construções (ela era analfabeta) lembram as narrativas desse nosso
conterrâneo grande escritor, o que não deixa de ser fascinante, pois existe
letramento sem alfabetização. Não nadar contra a correnteza é um conselho de
alguém que quer dizer que, na vida, é preciso ser flexível. Encontrar a
corrente, o caminho que irá te levar onde você quer. Pedro parece ter
encontrado isso na literatura.
A novela conta história de dois
personagens, Matteo e o narrador. Ambos saem em família para pescar num rio e
vivem peripécias: pescam peixes alados, ouvindo o curioso saber de Apolinário:
“bebo, pois assim o mundo me parece digerível”. A lua dos uivos de prata é a
bela lua que surge em meio às aventuras da pescaria.
Esse
livro do jovem escritor Pedro Ramos utiliza-se do termo “estórias” da mesma forma
como Guimarães Rosa utilizou em seu livro “Primeiras Estórias”. A primeira
“estória”, “Os Pássaros Não Nadam Contra a Correnteza” trata das narrativas
escutadas por sua velha avó que mantinha uma cultura que tinha letramento, mas
não escrita, relidas por seu neto que cultiva a cultura literária, que cita
Guimarães Rosa e Dostoiévski.
Cinderela,
Drácula e Marquês de Sade
A segunda história, “o Baile das Duas
Cinderelas” recontou a seu estilo a história que todos conhecemos. Ele mudou o
ponto de vista: ao contrário do ponto de vista da Cinderela, temos uma crítica
aos nobres e à aristocracia: ele cita o Marquês de Sade e o Conde Drácula que,
de certa forma, estariam “no baile”. Não seriam, portanto, boas companhias para
nenhuma Cinderela, convenhamos, pois um deles gostava de bater em mulheres e o
outro sugar sangue. Na narrativa original, Cinderela queria fazer parte da
aristocracia e seus bailes. Pedro evocou o personagem Fiódor Pávlovitch como
exemplo de narrador debochado que inspirou a novela, o que é curioso, pois
Fiódor não era um herói positivo em Os Irmãos Karamazov. Era um bêbado
desonesto e insuportável que, embora fosse pai dos irmãos da história, já
ficamos pensando em que filho o teria matado, tão aborrecido o cara era.
Por
fim, saúdo e espero as novas produções de Pedro Ramos, esse escritor que nos
deu essa “lua de Bom Despacho”, esse belo vagido ao nascer.
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