Revista Cidade Sol
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
segunda-feira, 6 de outubro de 2025
Vida e Morte da Revolução Cubana
Vida e Morte da Revolução Cubana
“Impressionou-me ver tantos símbolos revolucionários atirados ao chão e pisoteados (...), inclusive um retrato enorme de Che Guevara (...). Entre os símbolos vi, por um instante, o cadáver de meu pai e de seus companheiros, estavam todos ali, pisoteados e ensanguentados.” Jorge Ricardo Masseti, O Furor e o Delírio.
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
No ano de 2016, traduzi um texto do Partido Comunista do Equador, de linha maoista, denunciando a bancarrota do revisionismo cubano. Desde então o que o artigo apresentava está mais e mais se realizando: sem conseguir fornecer água, luz elétrica, comida e outras condições mínimas às massas, o revisionismo cubano provocou um levante das massas em julho de 2021. O desafio é entender com o marxismo o processo histórico que fez com que chegassem a essa situação degradante de hoje sem simplesmente repetir o argumento de que tudo é culpa do embargo do imperialismo estadunidense –sem deixar de lado que a guerra econômica dos Estados Unidos é um elemento, sem dúvida. De todos os desdobramentos, um dos mais trágicos foi a morte de Che Guevara, ponto que focalizaremos aqui.
A revolução cubana foi uma esperança. No entanto, ela foi uma revolução democrática incompleta. A revolução democrática implica em se desvincular de qualquer imperialismo e criar capitalismo autônomo e minifúndio. Nossa suposição é que houve a passagem de um caudilhismo a outro, sem transitar para socialismo e sim para um capitalismo selvagem pintado de vermelho. E de um imperialismo ao outro. Há avanços em termos de saúde e educação, pois em termos de América Latina, é um estado burguês mais evoluído: legalizou o aborto, por exemplo. No entanto, em termos mais gerais, ao analisar o processo podemos dizer que revolução democrática refluiu foi decapitada pelo grupo de Castro. E esse ponto vale a pena desenvolver aqui, pois em certa medida, o próprio Che possivelmente foi um alvo, conforme os indícios que obtivemos na revisão bibliográfica.
Che Guevara nunca participou de partidos comunistas no decorrer de sua vida e deixou bem claro que recusava neles um ponto em especial: sua disciplina. O que é bastante curioso, pois o próprio Che assume ser autoritário, mas nunca indisciplinado. E isso em dois momentos: na Guatemala e no México. Carlos Franqui, jornalista que esteve em Sierra Maestra, encontrou-se com Che naquele período pré-revolução no México e viu que ele estava lendo Fundamentos do Leninismo, texto de Stálin em que ele sistematizou o marxismo-leninismo. E logo a seguir questionou Che a respeito do relatório Kruschev. Che teria respondido, então, que Kruschev estaria iludido pela propaganda do imperialismo norte-americano. Podemos dizer que Che era um aventureiro eclético e não um marxista propriamente.
Como Che era eclético, ele ao mesmo tempo criticava trotskistas e adotava um pilar do pensamento trotskista, o antietapismo. Para isso, ele delimita que a revolução cubana já teria vencido a etapa nacional e democrática no período da guerra civil de 1952-59. Tanto no texto de Debray (Revolução na Revolução?) quanto na Tricontinental reaparece a concepção da “revolução socialista de um só golpe”, ou seja, “revolução socialista ou caricatura de revolução”. Podemos considerar que essa concepção foi compartilhada por Che e Castro.
Esse ponto do antietapismo é importante, pois rompe a aliança operário-camponesa: os camponeses em geral se engajam na revolução sonhando com o minifúndio e não em trabalhar assalariado em fazendas estatais capitalistas, que foi o que ocorreu em Cuba.
Sendo assim, Che pouco agregou do pensamento Mao Zedong, mesmo tendo visitado a China, mas há alguns pontos em que permaneceu compatível com a linha chinesa, como numa carta a Armando Hart (que chegou a ser ministro da educação em Cuba), quando montavam um programa de estudos de marxismo no pós-revolução cubana:
(...)Já está sendo feito, mas sem nenhuma ordem e faltam obras fundamentais de Marx. Aqui seria necessário publicar as obras completas de Marx e Engels, Lenin, Stalin [sublinhado por Che no original] e outros grandes marxistas. Ninguém leu nada de Rosa Luxemburgo, por exemplo, que tem erros em sua crítica a Marx (volume III), mas ela foi assassinada, e o instinto do imperialismo é superior ao nosso nesses aspectos. Também estão desaparecidos pensadores marxistas que mais tarde se desviaram do caminho, como Kautsky e Hilfering (não escrito assim) [Che está se referindo ao marxista austríaco Rudolf Hilferding], que fizeram contribuições, e muitos marxistas contemporâneos, não totalmente escolásticos.
VII). Aqui viriam os grandes revisionistas (se quiser, pode incluir Khrushchev), bem analisados, mais profundamente que ninguém, e deve estar seu amigo Trotsky, que existiu e escreveu, ao que parece. (32) (CHE, apud: KOHAN, 2025).
Note-se, então, no texto acima, que Che mantinha uma posição totalmente compatível ao maoismo: Trotsky e Kruschev são grandes revisionistas e Stálin foi um marxista-leninista.
Infelizmente, o antietapismo de Che parece ser um elemento que compromete seu pensamento com o trotskismo de forma grave. Em linhas gerais, podemos dizer que Che apostou tudo num revisionismo armado e, contava com isso com a linha soviética, embora tivesse essas críticas. Che Guevara, embora nunca atacasse diretamente a linha chinesa e até tivesse tentado fazer contato com essa linha em sua aventura africana, foi conivente como os absurdos que faziam Castro e Debray a respeito. Um exemplo é terem trazido Debray a Cuba depois que ele escreveu o artigo “Castrismo, a Longa Marcha da América Latina”. Ou seja: além de não concordar, as ideias de Che, Castro e Debray abertamente sobrepunham as de Mao na América Latina. A vinda de Debray consagrou esse objetivo.
Esse antietapismo juntou-se a outros fatores em Cuba e produziu uma guerrilha liberal na região de Escambray que durou de 1961 a 1966. Carlos Franqui ressaltou que o governador do PC degenerado, Felix Torres, reinstalou o regime do pagamento em trabalho (estilo corvéia ou cambão, de pagamento em trabalho não remunerado), odiado pelos camponeses, bem como criou um harém de garotas camponesas, outro elemento presente nos abusos dos senhores feudais: o uso e abuso do corpo das mulheres dos camponeses, presente no chamado direito de pernada, direito que o senhor feudal se arrogava de deitar na primeira noite de núpcias com a esposa do camponês. Um aprendizado muito importante é que o governador revisionista do PC cubano de linha soviética simplesmente recolocou esses elementos feudais e causou uma revolta camponesa armada de vários anos –o que confirmou, a nosso ver, as consequências do revisionismo e do antietapismo. Inclusive é bem importante ressaltar que o desembarque da Baía dos Porcos era em grande parte dos liberais traídos pelo castrismo e não dos homens de Batista. Esse desembarque aconteceu para ajudar a guerrilha em Escambray e foi derrotado. Ou seja, Che, se queria lutar, poderia ter permanecido em Cuba e lutando em Escambray contra uma guerrilha anticastrista.
Em carta durante a guerrilha em Sierra Maestra, Che observou com argúcia que Castro não buscava as soluções no mundo socialista como pensava Che. Alimentava, ainda, ilusões a respeito do mundo liberal e ocidental e era um burguês de esquerda e não um socialista. Diante disso, Che avaliou que se o processo se virasse para a direita ele partiria para novas aventuras. E assim foi e por isso ele partiu em 65. Mas precisamos detalhar esse processo.
Primeiro, Che já pensava o que apontei; Castro como um burguês de esquerda e o risco do movimento cubano virar à direita (e isso ocorreu). Uma vez como ministro da economia, Che se opôs a Rafael Rodriguez (ex-ministro de Batista e figura de proa do PC revisionista, intitulado Partido Socialista Popular) proposta vinda da União Soviética, que propunha empresas autônomas sem planejamento central. Com o passar do tempo, na União Soviética, esse modelo destruiu o socialismo, instalou capitalismo de estado e daí evoluiu para um capitalismo clássico entre 1989/91. Em Cuba parecem estar num processo semelhante. Che propôs planejamento central ao estilo dos anos 30 e terminou derrotado.
Como ministro da economia, Che anotou em seus diários, somente editados apenas recentemente nos anos 2000, que o Comecon era um “balaio de gatos”, não tinha um ideal que somente poderia se estabelecer pela verdadeira prática do internacionalismo proletário, mas este, lamentavelmente, “está ausente hoje em dia”. Ao analisar a realidade em um cargo privilegiado em informações, fatos e dados, Che chegou quase que às mesmas conclusões dos comunistas de linha chinesa. Na prática, Che verificou o social-imperialismo soviético, só não o chamou desse nome. Verificou “fenômenos de expansionismo, de troca desigual, de concorrência, até certo ponto de exploração e certamente de submissão dos Estados fracos aos fortes”. De constatação privada, Che levou um fragmento dessa reflexão a Argel, onde afirmou que os países socialistas estavam agindo de forma cúmplice com os imperialistas na exploração do terceiro mundo. A fala causou conflito com a linha cubana, mais e mais servil ao social-imperialismo soviético. Logo a seguir, já lutando no Congo, Che escutou pelo rádio, ao lado de Benigno, a famosa carta onde ele abre mão dos cargos. Benigno contou que Che ficou irritado, pois a carta era para ser lida somente se depois que ele morresse em combate. E que teria dito: “até onde [Fidel Castro] é capaz de chegar em nome do culto da [sua própria] personalidade”. Se sem ele morrer foi lida essa carta, a ideia era anunciar a ele, se estivesse vivo, que não deveria fazer críticas como as de Argel e nem retornar a Havana, era demonstrar que ele estava sendo abandonado pelo regime cubano em prol de centralizar a liderança somente em Fidel Castro com decapitação dos demais líderes de seu movimento.
Daniel Alarcón Benigno, militar cubano que participou da revolução cubana, escreveu a respeito de seu convívio com Che. Daniel, rompido com o castrismo desde o fuzilamento do general Ochoa em 1989, alegou em seu livro Vida e Morte da Revolução Cubana que Che e seu grupo foram abandonados para morrer na Bolívia. A respeito disso, Benigno alegou que, em circunstâncias igualmente dramáticas, na selva da Venezuela, conseguiu contornar a situação com base no apoio de Havana:
Bem, eu digo que Castro nos abandonou nas selvas bolivianas. Existem muitos fatores. Primeiro, sei perfeitamente tudo o que [os cubanos teriam] sido capazes de fazer para tirar alguém de qualquer lugar. O caso de Arnaldo Ochoa (revolucionário cubano) é um exemplo. Quando Arnaldo Ochoa foi à Venezuela lutar ao lado de Douglas Bravo (revolucionário venezuelano), mas as relações entre o movimento venezuelano e o Partido Comunista Cubano se romperam, Arnaldo Ochoa teve que fugir atravessando as selvas brasileiras e Cuba parecia interessada em saber tudo o que aconteceu na Venezuela, fez tudo e se esforçou para ajudar não só Arnaldo Ochoa, mas também seu grupo, a sair pelas selvas brasileiras. E isso foi muito próximo da época. Especificamente naquela época em que Che Guevara estava na Bolívia. E ele abandonou Che Guevara e nos abandonou (BENIGNO, 2024).
Para nós brasileiros a citação acima é incrível, pois no período em questão, fugir atravessando as selvas brasileiros deve ter sido fugir através de Roraima e Amazonas, estados próximos da Venezuela, para algum ponto do Brasil de onde foi possível que um grupo guerrilheiro tivesse voltado a Cuba sem que ninguém descobrisse, o que não deixa de ser um feito incrível.
Essa acima é a posição de Daniel Benigno e ele a reforça com outras observações: em Bolívia ele receberam uma emissão de rádio vinda de Havana, pois tinham um rádio comunicador, mas totalmente confusa e sem sentido. Na Bolívia, os contatos que Guevara esperava não existiam. Nem sequer a língua dos povos originários da região escolhida tinha sido informada e estudada corretamente: os nativos de Nancahuazu falavam tupi-guarani e não quéchua, língua que Che e os outros estudaram. Mario Monje, líder do PC boliviana, viajava à Bulgária, mas não tinha sido informado por Havana do porquê da vinda de Che (“para quê veio”, pergunta Monje ao vê-lo, conforme o Diário de Che na Bolívia).
Conclusões
Che foi um aventureiro eclético e não um marxista; seu pensamento, embora tenha valor, foi comprometido seriamente por incorporar o antietapismo trotskista, pensamento que teve como consequência, em Cuba, facilitar uma guerrilha civil de direita. Castro conduziu o processo a um retrocesso, a um cóagulo histórico. De uma revolução democrática embrionária, regressou-se a um capitalismo de estado burocrático pintado de vermelho, organizado politicamente como um caudilhismo. Castro era um burguês de esquerda e sempre foi, embora tenha adotado tintas de revisionismo kruschevista, linguagem marxista-leninista. Che teve intuições do processo de transformação do socialismo em social-imperialismo, mas não se aprofundou em suas análises; igualmente, em carta considerava Stalin marxista-leninista e Kruschev e Trotsky revisionistas, ou seja, tem pontos compatíveis como o que hoje chamamos maoismo, mas são pontos isolados, no todo seu pensamento se liga ao revisionismo armado e ao trotskismo antietapista. O processo virou para a direita mais claramente depois da saída de Che, pois representou também a derrota de sua linha crítica. Che possivelmente foi abandonado por Castro na Bolívia, abandono esse que foi prefigurado pela leitura da carta demitindo-se dos cargos, carga essa que só seria lida após sua morte e significou seu abandono simbólico pelo regime cubano já no período da aventura africana.
sábado, 20 de setembro de 2025
Krepe e o "socialismo" não-soviético
Krepe e o “socialismo” não-soviético
Causou polêmica recente, em meu canal do youtube, a minha contestação da fala de Frederico Krepe, um trabalhista platônico ligado ao PDT lulista e ao cirismo ao mesmo tempo. Ele reiterou, em debate recente, que a URSS de Stálin mandou um espião para matar Tito. No entanto, não encontrei evidências ou provas materiais para isso até hoje. A fala circula como piada e como memória oral.
Num vídeo recente, onde reformistas de linguagem marxista confrontavam os social-fascistas trabalhistas, os social-fascistas pegaram o anticomunista Jones ao escolher justamente a linha maoista como seus alvos: Stálin, Pol Pot, revolução cultural. A solução de Jones é negar tudo, alegar que Pol Pot foi apoiado por Thatcher e Reagan, ou seja, ele estaria à esquerda de Pol Pot, o que é falso, visceralmente.
Mas o importante não é esse ponto, é que Frederico Krepe criou, a partir dessa piada, todo um castelo nas nuvens: a ideia de que a URSS não aceitou outras experiências socialistas. Ele toma o exemplo de Tito e outros dois: o da Tchecoslováquia e da Hungria. E Kruschev, em vídeo, sai elencando outros argumentos anticomunistas, pinçados aqui e ali: 1) Krepe manifesta-se contra a dissolução da Assembleia Constituinte em 1918; algo desmistificado pelo próprio Lênin e que é defesa da ditadura capitalista sobre a forma da democracia burguesa; 2) repete as posições de Rosa Luxemburgo contra os bolcheviques em 1918, já bastante desmistificadas, pois Rosa estava mal informada e na clandestinidade na época; 3) retoma a carta ao stalinismo de Lukács, um texto bastante ruim em que Lukács retoma, na prática, conceitos como o “stalinismo” de lavra trotskismo.
Che, num texto inédito da revista Praga, que tem uma frase que Fausto Arruda, fundador do jornal A Nova Democracia, comentou comigo aqui em Bom Despacho na única conversa que tivemos quando de uma rápida visita desse grande sociólogo aqui em minha cidade:
E por exemplo, aquela coisa tão interessante, que o companheiro Kruschev havia dito na Iugoslávia, que inclusive, mandou gente para estudar ali. que o companheiro Kruschev havia dito na Iugoslávia e que lhe pareceu tão interessante, nos Estados Unidos está muito mais desenvolvido porque é capitalista (...).. Mas isto acontece na Iugoslávia. Na Polônia, vai-se pelo caminho iugoslavo, claro, retira-se toda uma série de coletivizações, retorna-se à propriedade privada da terra, estabelece-se toda uma série de sistema de trocas especiais, tem-se contato com os Estados Unidos. Na Tchecoslováquia e na Alemanha Oriental já se começa a estudar também o sistema iugoslavo para aplicá-lo (GUEVARA, 1998, p. 126).
Ou seja: o próprio Che já considerava que o bloco socialista já estava retornando ao capitalismo. E Krepe não sabe isso até hoje. Ele idealiza os acontecimentos da Hungria em 56, que são contrarrevolução, bem como a Primavera de Praga. Paul Sweezy, citado no artigo de Che acima, mostra como é bobagem completa o que diz Frederico Krepe, tanto sobre a Iugoslávia quanto a Tchecoslováquia:
«O capital ocidental assegurou-se de uma importante testa de ponte na Jugoslávia e contribui para transformar o que outrora não passava de um país principalmente agrícola num novo Estado industrial.
Investimentos efectuados por empresas tão diversas como a Fiat, o gigante italiano do automóvel, e a Printing Developments, Inc., de Nova Iorque, uma sucursal de Time Inc., são característicos, ao mesmo tempo, das imperiosas necessidades que o capital tem de novos mercados e dos objectivos conscientes de um país comunista que aceita a economia de mercado e a maior parte das suas consequências.
Conversas com os representantes oficiais de Belgrado que se especializam nas actividades económicas demonstram a sua firme convicção de que esta via será seguida pelos outros países da Europa Oriental.
Para eles, a Jugoslávia desempenha um papel pioneiro no Leste e constitui uma vitrina de exposição para o capital ocidental. As sociedades ocidentais que atuem na Jugoslávia disporão de enormes vantagens ao nível da concorrência a partir do momento em que se abrirem mercados noutros países da Europa Oriental.
Após as reformas que deslocaram a direcção das empresas, do Estado para as próprias empresas, e que introduziram a disciplina do mercado livre e o estímulo do lucro, a Jugoslávia promulgou uma lei igualmente revolucionária, no decurso do último ano, a fim de atrair o capital estrangeiro.
Esta lei não deixou de encontrar uma forte oposição nos que temiam que o capital ocidental viesse dominar os sectores-chave da economia.
Para precaver uma tal eventualidade, estipulou-se que o capital estrangeiro não tem o direito de adquirir uma participação superior a 4% numa empresa jugoslava.
As companhias jugoslavas são dirigidas pelos seus trabalhadores através dos conselhos operários, que, por sua vez, designam um conselho de especialistas, tais como contabilistas ou engenheiros da produção, para gerir a sua empresa. De início, as sociedades estrangeiras hesitaram em comprometer-se, temendo que a regra que lhes impunha posições minoritárias as impedisse de controlar directamente os seus investimentos.
Durante um seminário realizado neste país para homens de negócios ocidentais, os jugoslavos esforçaram-se por demonstrar que existem numerosas maneiras de contornar esta regulamentação, por exemplo, confiando ao investidor estrangeiro o controlo dos custos de produção.
Os estrangeiros têm o direito de transferir lucros para fora do país na condição de manterem 20 % desses lucros sob forma de depósito num banco jugoslavo. Podem vender a sua participação a outras companhias estrangeiras na condição de começarem por oferecer essa participação à companhia jugoslava, que pode então resgatá-la.
Esta lei produziu já resultados surpreendentes.
A Fiat, que fornece as técnicas e a maior parte dos equipamentos produtivos de uma grande fábrica soviética de automóveis, investiu dez milhões de dólares numa companhia jugoslava, a Crvena Zastava (Bandeira Vermelha), que fabrica automóveis Fiat sob licença.
A sociedade americana, segundo informações publicadas na Jugoslávia, lançou-se numa empresa comum com a Beogradski Graficki Zavod (Sociedade Gráfica de Impressão de Belgrado) para efectuar impressão a cor utilizando novos equipamentos excepcionalmente rápidos provenientes dos Estados Unidos.» (SWEEZY
Assim, nota-se que Krepe está tomando a nuvem por Juno, como todo idealista faz.Krepe é a ala esquerda do trabalhismo, ou seja, uma ala que flerta com o trotskismo. Ele também flerta com a ala direita, próxima do fascismo, que é Aldo Rebelo. E essa foi a trajetória de Krepe: ele esteve próximo do PSTU e do PSOL, formando sua forma altamente sofisticada de trotskismo. E são os trotskistas que verifiquei repetindo essa história dos espiões querendo matar Tito, ainda que sem evidências materiais.
Bibliografia
Checoslováquia Capitalismo e Socialismo. >
terça-feira, 2 de setembro de 2025
Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves
Descaminhos, Prosa do Adorável Sílvio Neves
(Descaminhos, Sempre-Viva, 2021) traz um Sílvio Neves mais translúcido, menos barroco do que o anterior Ecos de Não-Lucidez. Nesse temos a adorável prosa do adorável Sílvio Neves. Na trilha de Rosa, temos não a nonada, mas a “inopinada”. O primeiro conto é uma história de amor e nostalgia contada com muito estilo. A história de Nereu e Falésia tem ressonâncias mitológicas, uma história de amor com sabor grego de mar. Eu gosto de Sílvio líquido (Estranhez, seu livro de poemas), Silvio Sólido (música com Pablo Aquiles). As obras de Sílvio são como os ladrilhos alucinógenos em que ele vê, em cada uma das telas, uma imagem de sua vida, uma história, uma música, narrativas. Ele apresenta Nereu:
Nereu nasceu na proa do velho Aricó, o imemoriável barco de seu pai. Na margem, o povo via o velho pescador sacudir o menino vermelho, envolto em sangue, idêntico à cor da embarcação, vermelha como o peixe inspirador do nome de batismo do barco grafado em letras brancas. Ele bradava sorrindo: “É caguçu, cacuçu baixu!” (NEVES, 2021).
Olegário Maciel é a avenida adversativa, representa um passeio por essa avenida que representa um passeio pela mente do artista atormentado, do poeta lírico, boêmio e suas memórias doloridas, seus amores. Asegurada de Incêndios é bela uma carta fictícia da Espanha, num eu lírico feminino. O poeta, pelo contrário, não está seguro de incêndios, vive sua prosa e sua poesia plena deles. Em Olegário Maciel, Avenida Adversativa, ressurge a sensibilidade de Belo Horizonte num poeta, mas fazendo prosa:
No azo de a porta de a Casa Cabana sugerir o fim do expediente, loja de chapéus e afins, resolveu amainar com uma boina o frio que se anunciava. No balcão leu e se inteirou sobre o estabelecimento: chamara-se Casa Cubana, por receio da revolução na ilha teve o nome alterado” (NEVES, 2021, p. 45).
Lisboas, a Urbe Vitimada, é uma narrativa de viagem a Portugal, viagem apaixonante em que o artista reencontra-se consigo mesmo. É um deslocamento interior que corresponde a uma paixão interior, a um desabrochar literário e poético que termina em muito boa prosa. Aprendi até que uma forma de chamar Lisboa que achava absurda, “Lissabona”, é na verdade existente, com esse conto, que também tem a subdivisão “Belém, Belém”. Lisboas são parentes de viagem à Espanha.
O Óculos dos Defuntos parte inopinadamente de uma nonada, uma simples consulta oftalmológica que dá lugar a devaneios etílicos e cinematográficos. Nesse livro de contos Sílvio ocupa-se menos da lente com que vê o mundo do que em filmar, à sua maneira, com a prosa literária, a sua “escadaria do acaso”. O adorável Sílvio de Neves recolhe casos do Vale do Jequitinhonha, registra seu falar: é nessa toada que vão Sem-Graceza, Árvaro Andejo, Sétimo Dia, O Acordeão Adormecido e Descaminhos. A Minas de Sílvio é o sertão metafísico de Guimarães Rosa. Se E sua poesia dialoga até com o Clube da Esquina. Tanto dentre os poemas e os contos somos instados a perguntar se os sonhos envelhecem ou são raptados pela fortuna.
Na prosa de Sílvio ele esbate o regionalismo e a vida cotidiana no interior de Minas com a experiência sofisticada de viagens e influências artísticas internacionais, tem também um tempero de Belo Horizonte. Não acho que Sílvio esteja num descaminho. Esse Descaminhos é justamente o autor em busca de um caminho, muito além além da “escadaria do acaso”, o prosador é nem sempre seguro de incêndios, mas eles, como as bruxas, mesmo sem ser objeto de nossa crença, parece que existem.
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Sobre Cuba --2
Aleida Guevara no podcast Três Irmãos coloca dois pontos interessantes: 1) sobre os CDR, conselhos de defesa da revolução. Há relatos de que estão degenerados em locais de fofoca e delação. Mas ela não foi ouvida. 2) Ela alega que Che fuzilou legalmente em La Cabana, mas não foi, a Constituição de 40 não permitia a pena de morte.
sexta-feira, 22 de agosto de 2025
Poemas para Pedro Moraleida
Como no quadro de um homem nu
Pintado por Pasolini
No quadro nenhum monstro de moral
Animal de enigma pintando
Um corpo luminoso, preto, laranja
Verde com pinça nos mamilos
Os traços são violentos
São fibras da carne viva
Da própria carne canibália
O poeta não está mais nem aí,
Nevermind
Shit’n’ walkin’ como na Revista Negócio
Showbizz!
Pop-fuckers
Separando o joyo do trygo
E publicando o joyo.
Réquiem para um peso-pesado
Para Jim Morrison Paris foi pouco
Mucho loco!
O amor fati é amar a dor
Para que haja o superómi é preciso MORTE!
Mas a morte é contra-revolucionária...
O nada é de direita...
Surgem novos valores,
Gabeira de tanga
John Travolta caindo na gandaia
Superação ou morte? Ou não!
A Internet é mar risonho & vagalhante
Tomo um banho de lua,
Fico branco como a neve,
Num protesto viril contra a própria impotência.
Mas há contradições:
Os mitos se orientaram contra o socialismo,
O colonizado se olhou com as lentes do colonizador.
& esqueceu o socialismo como doença superada.
A luta pelo mínimo estado
& clama contra o fantasma de Vargas, vox rouca
Na terra de sol: em todas as palavras do nórdico há um grão de desprezo
O Anticristo da Bahia retruca, gira os guizos do mundo girassol &
Deleuze: “Eu digo para mim mesmo: quem é hoje o jovem nietzschiano? (...)
Será aquele que produz enunciados nietzschianos no decorrer de uma ação,
Uma paixão, uma experiência?”
Quero ordenhar-vos, vacas das alturas!
Os nietzschianos brazyleyros TRANSBORDAM
Traficam pornografia com criança e fogem para a França!
O superómi pulará
& se for fraco, fenecerá
Como uma mariposa
Como mosca nas rosas secas
Como feto no Arrudas
Como na planície dos MORTOS
Cristo é que soube morrer, pois sim!
Madalena é que gozava com o pau do outro
Na última tentação de Cristo
O amor banal
O amor pungente dos animais
A virtuose perversa da linguagem
Feito Hamlet
Feito Paulo Martins/Caetano Veloso
Nos quadros de Bosch parece que vemos
Moraleyda parece que também viu
Caranguejos do sexo
É assim que se vive nesse mundo merda
“You don’t know me
Bet you never get to know me”
Dizia Rotten em Roliúde
m Poema para Moraleida
Mautner queria fazer os ditirambos de Dionísio
Em ritmo de rock
Será que Nietzsche gostaria?
O artista botando frutos envenenados
Para matar as gralhas do jardim plantado
À beira-mar.
Todo mundo tem Jesus Cristo demais
Inclusive quem estava falando que seu sangue era nobre demais
& se limpou na carne de Dionísios
E não na lamacenta água de Jesus Cristo pensante
Sem pensar, pirando e engolindo a tragédia
Aos pedaços
Pensando aos pedaços
Amando aos pedaços
O pulo é a morte
O pulo é a trama do Superman
Que não trepa com a Mulher Maravilha
A elite planetária aparece no desenho animado
Colonizado & colorizado por computador
& com puta dor
A dor do parto póstumo
A virgem recebeu o anjo
Tendo entre as pernas o amor fati!
A verdade é como uma vaca!
segunda-feira, 18 de agosto de 2025
Lúcio Júnior — Efeitos Especiais de Georg Lukács
Lúcio Júnior — Efeitos Especiais de Georg Lukács
Publicado em 13/07/2012 por Marcio
Lukács é um autor interessante. Tido por stalinista por alguns, é um dos grandes inspiradores do marxismo ocidental, juntamente com Trotsky e Gramsci. Em um artigo recente de Brian Williams na revista Socialist Action, Williams explicou bem as diferenças entre Lenin e Lukács. Resumindo, são as seguintes: para Lukács, o importante é que o sujeito conheça o objeto, ou seja, que a classe proletária tome consciência de si mesma: aí ela está pronta para a revolução. Para Lenin, a revolução não depende somente da própria classe operária e sim da correlação das classes, massas, partidos e forças, assim como, num dado país, a revolução só irá acontecer quando a classe superior não puder levar as coisas da mesma maneira e quando a classe operária não puder mais viver da antiga maneira. Além disso, é preciso estudar e levar em conta todas as forças e classes que estão em jogo – e não somente se trata de uma identificação entre a classe operária consigo mesma, numa tomada de consciência iluminadora que enche o seu ser de poder. O poder é exterior, não está na consciência. Lukács tende ao idealismo subjetivo, a pensar que a consciência da revolução gera a revolução, a ideia gera a matéria.
Lenin escreve: “O Partido Comunista (…) deve agir segundo princípios científicos. Ciência…demanda que se tome conta de todas as forças, grupos, partidos, classes e massas operando num dado país”. (Lenin V. I., 1920, p. 81, apud: WILLIAMS, 2011).
Para Brian Williams, é Lenin que está de acordo com Marx e é bem claro. Por seu turno, Lukács escreve uma teoria diferente em um ensaio sobre o Oportunismo e o Golpismo:
“Por causa de sua noção de mecânica da luta de classes, oportunistas e golpistas são igualmente obrigados a ter um conceito estático da classe, vendo-a como algo que é para sempre, algo invariável numa dada realidade, e não como o que emerge, cresce e é trazido à vida no curso da luta. No entanto, é somente quando a constituição do proletariado como classe é considerada como o objetivo e a tendência da revolução que podemos descobrir uma base firme para as táticas em constante mudança de atividade comunista. A realidade econômica e científica da classe [trabalhadora] é, naturalmente, o ponto de partida para considerações táticas. Mas a outra realidade, a realidade de vida da classe afetada pelo proletariado – só é interessante como um alvo da ação revolucionária. Todo verdadeiro ato revolucionário diminui a tensão, o abismo entre o ser econômico e consciência ativa do proletariado. Uma vez que essa consciência atingiu, penetrou e iluminou o ser [do proletário], ele é imediatamente possuído do poder de superar todos os obstáculos e de completar o processo da revolução”. (Lukács, 1920a, p.79, apud: WILIAMS, 2011).
Como se pode ler acima, muito embora Lukács tenha até um livro sobre o pensamento de Lenin, eles divergem num determinado ponto, claramente. Lenin refutou Lukács em termos duros:
“Seu marxismo é puramente verbal; sua distinção entre táticas ‘ofensivas’ e ‘defensivas’ é artificial; ele não fornece uma análise concreta, precisa e definida das situações históricas; não leva em conta o que é essencial”. (Lenin V. I., Kommunismus, 1920b, p.165, apud: WILLIAMS, 2011).
E numa questão que Lukács atacará em Stalin: a questão das táticas. Em 1951, ele ainda tinha certeza de que Lenin e Stalin eram a mesma linha de pensamento, o que ele irá negar depois:
“É um grande mérito de Lenin e Stalin de haver concretizado também as doutrinas do marxismo e ter-las desenvolvido nas circunstâncias do imperialismo, nas vésperas das guerras mundiais e revoluções”. (LUKÁCS, 1966, p. 486).
Como a proposição de Lenin em questão acima é bem mais próxima da de Marx, portanto, para Williams toda a moldura teórica de História e Consciência de Classe está errada, pois parte desse pressuposto. Williams vê nas posições do jovem Lukács um ultra-esquerdismo tal como o de Karl Korsch, Pannekoek e de outros. Lenin percebeu que Lukács estava em desacordo com ele. Já o Lukács maduro parece dado, em seus próprios termos, a fazer mimetismo teórico. O que seria isso? Mudar algo em sua aparência conforme uma situação exterior desfavorável, permanecendo o mesmo e ficando a salvo de transtornos. Vejamos como ele faz esse movimento, que tem desdobramentos sérios devido à sua associação com Kruschev. Na introdução à edição italiana de 1957 de seu trabalho Introdução a uma Estética Marxista, Lukács escreve que:
“Muitas coisas aconteceram no mundo, e também no âmbito da teoria marxista, desde 1954, ano no qual o presente volume apareceu nas línguas alemã e húngara (…). O leitor atento comprovará sem dificuldade que minha conferência refuta diretamente –ou corrige, pelo menos, de um ponto substancial – as afirmações de Stalin em dois pontos importantes (…). Essa polêmica contra Stalin não podia expressar-se mais que sob: 1) uma superestrutura pode também atacar a base existente, e, até pode tentar desagregá-la e destruí-la, mas não somente servir a uma base determinada e somente a uma. 2) Para Stalin, ao desaparecer a base, tem que desaparecer a superestrutura inteira. Eu, ao contrário, quero demonstrar que esse destino não afeta em absoluto a toda a superestrutura”. (LUKÁCS, 1966).
Ele fala que foi obrigado a fazer “mimetismo teórico”, mas o artigo não trata em absoluto disso. Entender o que ele afirma acima foi absolutamente impossível para mim, como leitor. O artigo em questão é sobre a língua como superestrutura, foi pronunciado na Hungria e é de 1951, ou seja, antes da morte de Stalin e da subida de Kruschev, com quem Lukács se alinhou, renegando Stalin e dissociando Stalin de Lenin.
É um artigo totalmente elogioso e que de forma alguma apresenta as posições que Lukács escreve acima. Na verdade, pelo que pude observar lendo o texto, ele afirma exatamente o contrário do que escreve nessa introdução. Tanto que, na edição, o texto dele sobre Stalin ficou sendo o último texto, provavelmente devido a oportunismos miméticos. Provavelmente foi pouco lido, porque nele Lukács elogia desvairadamente as posições de Stalin:
“Não faz mais do que um ano que apareceram os trabalhos de Stalin sobre as questões de linguística, mas já agora podemos dizer que essas introduções têm uma importância histórica (….). E aqui precisamente se manifesta o caráter superestrutural da linguagem, definido por Stalin (…). Com apoio das importantes afirmações de Stalin (…). As tradições do marxismo se concretizam e se desenvolvem com as afirmações de Stalin sobre o seu caráter superestrutural (…). Nosso exemplo confirma inclusive e sublinha a correção da afirmação de Stalin”. (LUKÁCS, 1966, p. 488, 489, 491).
Donde subentende-se que as posições apresentadas na introdução são uma revisão completa, uma volta em torno de si mesmo (possivelmente para aliar-se com o poder) que Lukács elaborou. Stalin argumentou – e Lukács concordou –que a literatura e a arte pertencem à superestrutura, mas a língua não. Já a respeito da superestrutura, ele apenas concorda com Stalin:
“Tudo isto confirma de outro ponto de vista uma velha afirmação de Stalin, por todos conhecida: uma superestrutura não somente reflete a realidade, senão toma ativamente posição a favor ou contra a velha ou nova base, e quando a superestrutura deixa de exercer esta função, deixa também de ser superestrutura”. (LUKÁCS, 1966, p. 505).
Essa é apenas uma das afirmações totalmente positivas que ele volta e meia faz a favor de Stalin no artigo. Lukács sempre mostrou divergências, fez autocrítica, voltou a elas de maneira transformada. Segundo um “marxiano” como Chasin, Lukács teria feito apenas um despiste, agregando palavras críticas a elogios apenas formais de Stalin, mas pelo visto é algo mais grave. No entanto, há uma grande riqueza em Lukács.
O problema é que passa por um filósofo exemplarmente marxista-leninista, senão “stalinista”, o que é falso. Ele é sempre um filósofo que tenta conciliar sua formação hegeliana com a teoria marxista-leninista, e também ambiciona associar-se ao poder: é um camaleão fazendo mimetismo teórico
Nietzsche Sobre os Judeus
Nietzsche sobre os Judeus
(...) Por exemplo, sobre os judeus: ouçam. –Ainda não encontrei nenhum alemão que tivesse afeição pelos judeus; e por mais incondicional que possa ser repúdio ao antissemitismo propriamente dito da parte de todos os cautelosos e políticos, essa cautela e política não se dirige, no entanto, contra o gênero do próprio sentimento, mas somente contra seu perigoso descomedimento, em particular contra a repugnante e vergonhosa expressão desse sentimento descomedido –sobre isso não nos podemos iludir.
Se é para falar do “eu”, Nietzsche tinha como amigo Paul Rée. Rée fez o livro Origem das Sensações Morais, no qual está inspirado o livro Genealogia da Moral, um dos mais importantes do próprio Nietzsche. E sobre a expressão descarada do antissemitismo, ele parece estar falando sobre ele mesmo, afinal, não fica bem para um filósofo trabalhar com ideias preconcebidas, tal como dizer que “todo alemão gosta de comer chucrute” e colocar isso em meio aos seus textos.
Que a Alemanha tem judeus mais que o bastante, que o estômago alemão, o sangue alemão tem dificuldade (e ainda por muito tempo terá dificuldade) para dar conta desse quantum de ‘judeu’ –como deram conta o italiano, o francês, o inglês graças a uma digestão mais vigorosa--:tal é o claro enunciado e linguagem de um instinto geral, ao qual é preciso dar ouvidos, pelo qual é preciso agir. `Não deixar entrar mais judeus! E em especial ao Oriente (e mesmo à Áustria) aferrolhar os portões!” –Assim ordena o instinto de um povo cuja espécie ainda é fraca e indeterminada, de modo que poderia facilmente ser extinguida por uma raça mais forte.
Lendo isso eu entendo porque o nacionalista judeu Theodore Herzl gostava de ser Nietzsche: judeu é raça mais forte e poderia, então, extinguir os alemães, que tornaria todos judeus (!). Retomando: judeus nem são raça, são um grupo religioso. Mas creio que isso é simplesmente um preconceito religioso disfarçado de raciocínio sobre raça. E por trás disso, está a cobiça da burguesia alemã de expropriar os judeus, que eram um grupo desde a Idade Média bem estabelecido como comerciantes, ou seja, burgueses. Os pressupostos raciais e nacionais só escondem a ambição de uma classe.
E os judeus são, sem dúvida nenhuma, a raça mais forte, mais tenaz e mais pura que vive agora na Europa; eles sabem impor-se, mesmo sobre as piores condições (e é até mesmo melhor do que sob as favoráveis), graças a algumas virtudes que hoje em dia se prefere taxar de vícios –graças, antes de tudo, a uma resoluta crença, que não precisa envergonhar-se, diante das ´ideias modernas´; eles só se modificam, quando se modificam, do mesmo modo que o império russo faz suas conquistas –como um império, que não tem tempo e não é de ontem --: ou seja, segundo o princípio: ´o mais lentamente possível!´ Um pensador, que tem na consciência o futuro da Europa, contará, em todos os projetos que faz consigo sobre esse futuro, com os judeus assim como com os russos, como os fatores que, de imediato, se apresentam como os mais seguros e prováveis no grande jogo e combate de forças (...). Para além de Bem e de Mal, parágrafo 251.
Aqui, a respeito dos russos tudo bem, fez a maior diferença a revolução russa porque a Rússia czarista era um peso enorme a favor da reação na Europa. Só que vamos lembrar: os russos eram muito ruins justamente na adoção das tais “ideias modernas”. Foram uma autocracia absolutista até 1905. Já judeus só tiveram esse peso para a Europa depois da criação do estado sionista de Israel.
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