Um espectro ronda o Brasil: Machado de Assis. Uma de suas mágicas é que ele é plural e pode ser lido e relido por todos: conservadores, marxistas, feministas, afrodescendentes, multiculturalistas. Muitos o lêem e o reivindicam. Ele deu à literatura brasileira uma raiz forte e polêmica, plantou a árvore e hoje podemos colher seus frutos. As leituras que se faz dele são surpreendentes. Fizeram dele uma leitura afro: ele tratou, ainda que muito sutil e maroto, desse tema tão pesado. A dificuldade de superar a escravidão, a tendência em se livrar de seus condicionamentos foi observada em Brás Cubas. Muitos tendem a simplesmente querer inverter essa relação, voltando o chicote no couro de quem mandou dar: Machado viu essa reação com muita humanidade e compreensão, mas não sem humor e ironia.
Talvez ele risse do piparote que levou do cineasta Glauber Rocha, que disse, em suas Cartas Ao Mundo, que Machadinho não dava Cinema Novo e a Academia que ficasse com ele. O fato foi que Machado, que tanto se esforçou para dar substrato e consistência ao ambiente intelectual onde vivia, era então objeto de um grande debate, tendo tematizado, tendo lido Marx à sua própria revelia, sobre as chamadas idéias fora do lugar. No entanto, não só a Academia e o realismo pessimista querem antropofagizar Machado de Assis e, se Machado não deu samba de Noel Rosa, saiu-se bem penumbra: fizeram vários filmes inspirados nele. O próprio Glauber nunca quis filmar Machado, mas ao ouvir do cineasta norte-americano Elia Kazan elogios a Epitaph for a Small Winner (Memórias Póstumas de Brás Cubas, na edição inglesa) convidou-o a vir para o Brasil para fazerem, juntos, esse filme. Afinal, entre as memórias póstumas e as sentimentais, Machado talvez atribuísse isso tudo a um arroubo de instinto de nacionalidade, ele veria em Glauber um filho rebelde, merecedor de compreensão. O fato é que a Academia foi tão importante para Machado quanto a Embrafilme para Glauber, mas sua relação com a instituição foi bem menos tempestuosa que a do cineasta. Glauber era de uma outra estirpe, a do Alencar que virou ópera, dos Sertões euclidianos. A dança, a música de Machado é muito sutil, é música de câmara, bossa nova de apartamento carioca.
As releituras que se pode fazer de Machado são impressionantes e fantásticas.
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