quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Caetano Veloso X Alexei Bueno - notas sobre a polêmica da vez

Caetano Veloso X Alexei Bueno - notas sobre a polêmica da vez

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Leandro Jardim, Rio de Janeiro (RJ) · 13/1/2009 · 76 votos · 4
montagem a partir de fotos da web
Duas ou três notas preliminares: é muito bom ver que ainda pode haver polêmica¹ no mundo da poesia, em especial quando pode questionar os cânones. Melhor ainda que ela possa ser estampada na contracapa do caderno de cultura de um dos jornais mais importantes do país. Apesar de algum conteúdo jornalístico, este texto se pretende mais pessoal e opinativo.

Para quem está conhecendo o assunto agora, primeiro aos fatos:

Fato 1
O livro "Uma história da poesia brasileira" (G. Emarkoff, 2007) de Alexei Bueno dá um tratamento claramente crítico e irônico ao movimento concretista brasileiro. Essa semana, conforme relatou a coluna Gente Boa d'O Globo de terça-feira, tal passagem foi atacada pelo compositor tropicalista. "Caetano Veloso, em seu blog 'Obra em progresso', saiu em defesa dos poetas concretistas criticados por Alexei Bueno no livro 'A² história de poesia brasileira'. 'É simplesmente abominável', diz Caetano. 'Já na introdução embirrei com o português desse poeta respeitado e erudito. Parece coisa ruim.'"

Fato 2
A mesma nota do jornal dá direito de resposta a Alexei, que diz "O Caetano sempre foi uma espécie de aliado desses concretistas num esquema uma-mão-lava-a-outra. Eles lhe davam certa aura erudita - da qual ele nunca precisou - e recebiam em troca certa aura popular. Crítica não se faz embirrando com tal ou tal coisa, mas com acuidade e análise. O que não entendi mesmo é o 'Parece coisa ruim'. Será alguma coisa de Candomblé?". Estabelecida a divergência, uma interessante reportagem de Leonardo Lichote na contracapa de sexta-feira do mesmo caderno do jornal prova que a polêmica reverberou. Além de nova voz aos envolvidos, a matéria traz a opinião de outros integrantes da classe, como os poetas Ferreira Gullar, Eucanaã Ferraz e Décio Pignatari (um dos fundadores do movimento concretista), além do também Editor Sérgio Cohn, só gente de primeiríssima.

***

Tendo em vista que eu li (e recomendo³) todas as 433 páginas do referido livro do Alexei com muito gosto, e que sou fã de Caetano Veloso (seguramente uma das pessoas mais importantes - e incríveis - da música popular brasileira de todos os tempos, e meu cantor favorito), não é de admirar que a polêmica tenha me causado enorme excitação e a necessidade de me manifestar.

À ela: minha opinião é que ambos tem parcela de razão e são astutos polemistas. A passagem que comenta os concretistas no livro "Uma história..." realmente comete um daqueles deliciosos pecados. Ao criticar (com fundamentos) o movimento concretista abusando do sarcasmo, Alexei oferece ótimo entretenimento ao leitor, mas não reconhece o devido respeito conquistado pelos concretistas tanto na academia nacional quanto internacionalmente (uma das principais marcas que o Brasil deixou na arte mundial). Caetano percebeu isso e, como se sente diretamente envolvido (o que não deveria), não gostou da ofensa e quis defender o movimento que apoiou (e apóia). Isso sobre o tal fato 1. A réplica do Alexei, porém, também foi alvo de comentários na matéria de sexta-feira. Como ficou claro, é bem notória a diferença de princípios entre a tropicália e os concretos, convergindo apenas na postura de vanguarda. Mas é natural que artistas contemporâneos, mesmo que de estéticas distintas, se apóiem mutuamente na promoção de suas obras e idéias. Normalmente nesses casos (embora nem sempre, é preciso frisar) há verdade (é possível - e louvável - admirar algo diferente do que se faz) e há igualmente troca de interesses (artistas unem-se para auto-promoção conjunta desde sempre). Isso só é problema se feito com falsidade, por puro oportunismo. O que não é o caso dos concretos, dada a importância que o próprio Augusto de Campos tem no estudo da canção brasileira, em que pese o basilar Balanço da Bossa, de sua autoria.

Do embrólio, ficam a necessidade e o sabor das provocaçãoes e pensamentos críticos.

_______________________________________________________________
1 - Em tempo: Ainda que de forma indireta - prática e intesionalmente - é possível interpretar a atitude do Alexei por uma lado positivo: ela ataca uma certa bandeira branca intelectual existente no mundo atual da poesia e - de certa forma - no âmbito artístico geral. Claro que ele não é o primeiro, nem o único, arrisco dizer que (felizmente) já é um movimento crescente, mas o fato (que acredito) é que tanto a evolução quanto a divulgação da nossa literatura ficam prejudicadas quando os autores adotam uma posutra de relativismo total, onde tudo é válido e pertinente: "sempre haverá um nicho específico, quem sou eu pra criticar". A partir de agora corro o risco de confunfir o leitor, mas prossigo. E isso até é verdade, o mundo atual comporta espaço pra qualquer vertente que exista ou venha a surgir. Mas, se perdemos a capacidade de dizer o que não gostamos, o que nos parece ruim, fraco ou falso, se não apontarmos a roupa do rei nu, estamos cometendo a omissão. E aí qualquer praga (para usar um termo do meu blog) se desenvolve.

2 - O erro no título do livro descrito na reportagem tem seu peso. Ao escrever "A história" (e não "Uma história", como é o título correto) omite-se a postura autoconsciente a respeito da parcialidade do conteúdo do livro, que Alexei deixa bem clara.

3 - O poeta Eucanaã Ferraz, que admiro e respeito, discorda de mim, opinando que o livro "não tem importância alguma".


tags: Rio de Janeiro RJ literatura caetano-veloso alexei-bueno polemica poesia poesia-concreta concretismo


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comentários
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"artistas unem-se para auto-promoção conjunta desde sempre"

desde sempre milhares de profissionais em diversas áreas se unem para auto-promoção. há problemas nesse caso? se houver, no caso dos artistas também há.

há sempre a idéia de que a uma ética diferente para os artistas, eles tem que ser os limpos e honestos da sociedade. nada.

gostei do seu texto, mas polêmicas da vez e um X grandee vermelho separando os dois joga pra bem baixo o seu texto, pois esta capa também faz parte do texto, imagens fazem parte do texto.

abraços.

Carlos Gomes · Recife (PE) · 14/1/2009 01:07
olá Carlos,

Concordo que não deve haver uma ética diferente para artistas. Espero que minhas palavras não tenham remetido a isso. Caso o tenham, repito, não é minha idéia.

Quanto às críticas construtivas ligadas à imagem e ao "X", muito obrigado. Levarei-as em consideração em um próximo artigo. Mas imagem não é meu forte, mesmo. Eu gostaria era de ter postado só o texto. Mas, para os artigos, acho que não pode. Já o título eu defendo, porém, como preguei no texto também, acho as discordâncias saudáveis.

grande abraço,
Jardineiro

Leandro Jardim · Rio de Janeiro (RJ) · 14/1/2009 11:32
Leandro,

Acho saudável demais que haja polêmica. Sem conflito (no bom sentido) o mundo, definitivamente, não gira. Como dizem uns: 'toda unanimidade é burra' e outros: 'A maioria sempre está errada'.

Abs

Abs

Spírito Santo · Rio de Janeiro (RJ) · 14/1/2009 12:54
Amém! hehe :)

Leandro Jardim · Rio de Janeiro (RJ) · 14/1/2009 20:16
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Um comentário:

Felipe Moreira disse...

Você diz: “é bem notória a diferença de princípios entre a tropicália e os concretos, convergindo apenas na postura de vanguarda”.

Discordo apenas desse apenas: apenas já é muito. Sobretudo, porque o livro do Alexei Bueno critica não só os concretos, mas toda postura de vanguarda: “todo conceito de vanguarda em arte é destituído de sentido. Posso perceber o que ele significa quando aplicado ao esporte, por exemplo. Aplicá-lo à arte, porém, equivale a admitir a idéia de progresso artístico; e, muito embora o progresso seja um componente óbvio da tecnologia –– máquinas mais perfeitas, capazes de desempenhas suas funções de maneira mais adequada e precisa ––, como é possível, no campo da arte, que alguém seja mais avançado? Como afirmar que Thomas Mann é melhor que Shakespeare?” (p. 381)

Em outras palavras, Caetano precisava ter se ofendido.

Basicamente, Alexei Bueno diagnostica um fracasso das vanguardas. Tal fracasso justificaria um retorno às métricas e às sonoridades românticas que ele prega na sua poesia.

Problema: apesar de dizer que “crítica não se faz embirrando com tal ou tal coisa, mas com acuidade e análise”, Alexei Bueno faz justamente uma longa série de embirramentos. Não é que ele seja contra os concretos: ele embirra com o movimento concreto, mas também com todos os poetas posteriores que não tem uma poesia parecida, em muitos aspectos, com a sua. Esse trecho que eu citei, por exemplo: em qual conceito de vanguarda ele se baseia? Ele se pretende crítico, mas escreve um livro que não tem nenhuma citação teórica, não tem nenhum embasamento, ou seja, escreve “uma” e não “a” história da poesia. (não que “A” história fosse possível, mas outras “Umas” mais bem argumentadas, com certeza.)

O que ele fez foi escrever um livro bobo, em termos acadêmicos, mas cheio de opiniões polêmicas que acaba causando justamente o que ele queria: polêmica.

Mas isso não é negativo.

Tal como você disse: “é possível interpretar a atitude do Alexei por um lado positivo: ela ataca uma certa bandeira branca intelectual existente no mundo atual da poesia e - de certa forma - no âmbito artístico geral”.

Concordo: Alexei Bueno tem uma posição, não é um moderado poético, como a imensa maioria.

Ele é o proporcional poético de algo que o Zizek diz sobre os extremistas de direita, como o Le Pen: na crise de um discurso de esquerda radical, a esquerda contemporânea se torna uma espécie de politicamente correto, de capitalismo com coração e a direita é o único lugar, onde se pode ter um desejo de verdade.

A solução do Zizek é tentar buscar um discurso de esquerda que cause algum desejo.

Em poesia, essa posição na total oposição ao Alexei Bueno, implica no seguinte leitmotiv: “é impossível ser de vanguarda, quero ser de vanguarda assim mesmo, é impossível ser concretista, quero ser concretista assim mesmo, é impossível ser tropicalista, quero ser tropicalista assim mesmo...”.

Em suma, é impossível ser novo, mas mostremos essa impossibilidade da maneira mais nova possível.

Abs, Felipe Moreira.