terça-feira, 6 de julho de 2010

O Famoso Duende da Morte Ou: A Volta de Mcluhanaíma

Li uma coluna em O Globo a respeito do filme e do livro Os Famosos e os Duendes da Morte (que me interessam), de autoria de um famoso que não é um duende da morte (ou não!) Caetano Veloso. Nela, Caetano exercita a crítica embasada em teoria literária, gênero há muito extinto nos jornais brasileiros e substituído por algo mais próximo ao resenhismo de um Rafael Rodrigues e seu blog (irregular e apenas mediano) ligado à Revista Bravo, por exemplo. Caetano, herói sem nenhum caráter que compõe canções para telenovelas da Globo e canta a saudade de ACM contra o governo do PT na Bahia em O Globo, não quer somente reabilitar Mcluhan: ele encarna um Mchluhanaíma. Sim, Caetano, depois que surgiu Pierre Lévy, Mcluhan é dépassée.

Existe um tipo de crítico que, quando vai falar do trabalho do outro, volta-se sobre si mesmo e aí temos, por exemplo, Paulo Francis falando sobre Francis a propósito de Shakespeare. Caetano é esse tipo de crítico. Antes de comentar o texto e o filme, cita Heidegger, Marilena Chauí, o panfleto do PSDB contra as cotas (Uma Gota de Sangue, do Demétrio Magnoli), Deleuze, Roberto Machado e outros. Em meio a tantas leituras (que me enchem de alegria e preguiça) que ele tem para fazer na mesma turnê (quem lê tanto livro em turnê?), é de se supor que a leitura que ele faz de Os Famosos e os Duendes da Morte seja desatenta. O cantor poderia dizer, parodiando Janis Joplin: “depois de fazer amor com milhares de pessoas no palco, eu volto para meu hotel solitário e vou ler a Ilíada e Finnegans Wake.”

O lirismo e a música, para Caetano, começam onde terminam a dialética e Lukács. No entanto, Lukács é bastante ligado à estética modernista de Flaubert e Thomas Mann, enquanto um autor que ele cita para sustentar seu ponto de vista, Jürgen Habermas, julga que Nietzsche é um irracionalista. Ninguém mais amigo da estética modernista e melhor companheiro contra o pós-modernismo que Lukács, que não gostava de Joyce, Kafka e Beckett, chamando-os artistas burgueses e decadentes por negarem a representação.

Para lidar com o texto de Ismael Canappele, o famoso gasta muito latim em sua fundamentação concretista e deixa de lado qualquer pendor cinemanovista: dá, inclusive, a entender que o filme de Esmir Filho deixa de lado o “viciado plano-sequência” [do Cinema Novo], reinventando a narrativa de arte. Ora, de arte? Não seria melhor definir como narrativa de “cinema-cinema”? Não seriam também narrativas de arte Os Dois Filhos de Francisco e o mau caratismo anunciado de Tropa de Elite 2? Ou esses filmes não são arte?

Em meio a tantas “refações” e esmegma filosófico, o poeta-músico deixa de lado o sofrimento dos emos e da comunidade GLBT em pequenas cidades do interior, que é um fato que leva essa moçada a se refugiar na internet. Esse era um ponto para Caetano comentar, mas ele não teve nem ser nem tempo. Ele comenta que está lendo Heidegger em espanhol. Ora, por que não ler em alemão? Não está provado que só é possível filosofar em alemão?

Nos parágrafos finais, o Leãozinho/Duende aproxima a narrativa de Ismael da de Oswald de Andrade. O autor de Famosos e os Duendes da Morte seria um pós-modernista que não nega as experiências modernistas de um Oswald, mas o experimentalismo que Veloso relata (nos últimos parágrafos, quando deixou as Heidegger-preliminares e finalmente entrou na coisa em si) aproxima Canappele de Clarice Lispector e não de Oswald. Mas, se Ismael tiver influência de Oswald, alvíssaras!

Caetano finaliza desejando ardentemente que os adolescentes da era da internet leiam o livro de Ismael e vejam o filme de Esmir. Mas, se a intenção era essa, por que um artigo tão “cabeça”? Afinal, quantos desses meninos terão sobrevivido para ler a coluna até esses parágrafos finais? Terá o Mcluhanaíma obtido sucesso em seu intento? Tomara que Ismael Canappele tenha cuidado para não ser devorado em meio a essa amizade antropofágica.

5 comentários:

AF Sturt Silva disse...

Lúcio esse não é vc não?

http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=886650183196216973

?

Abs!

Revistacidadesol disse...

Sim, sou eu! Resolvi apoiar o Fabinho e o Alex!

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) disse...

Lúcio,
Particularmente gostei da articulação em torno (e viés) do Duende; eu, que, geralmente, gosto de Caetano...

Abraço mineiro,
Pedro Ramúcio.

Felipe G. A. Moreira disse...

Eu gostei bastante desse texto do Caetano.

Ele, de fato, faz milhares de referências e não desenvolve muito bem nenhuma delas.

Mas só o fato dele usar a palavra “Heidegger” no jornal já é um ponto positivo. Mas só o fato dele tentar constranger o leitor médio já é positivo.

“Constranger” pq é como se ele dissesse assim para o leitor médio: “olha só, vc que se acha legal, q se acha tão Cult bacaninha, vc nunca vai ser mais legal que eu q sei todas as referências cults bacaninhas... Vc tem comentários pedantes sobre autores q vc mal leu? Bem, eu tenho comentário mais pedantes ainda e vc nunca vai saber o quanto eu sei e o quanto eu só estou gozando na sua cara”. Essa tática parece muito com a do Gerald Thomas, não?

Enfim, realmente não entendi esse seu texto; para mim, o texto Caetano foi a coisa mais interessante q eu li no Globo há tempos...

De todo jeito, eu não vi o filme; então, o fato dele só ter ficado nas referências não me incomodou, eu gostei das referências...

aliás, vc conseguiu baixar o filme na Internet?

Revistacidadesol disse...

Oi, Felipe e canto geral:

É, vc me fez ver o artigo do Caets com outros olhos. É bom que eles (GT e Caets) submetam os miguxos a uma leitura de Heidegger ou a um artigo cabeça.

Eu gosto de Caetano, mas gosto tb de pegar no pé do Caetano e antropofagizá-lo quando escreve textos.

Abs de tamanduá do Lúcio Jr.