Essa postagem busca apenas pontuar algumas questões para os brasileiros que
estudam Adorno e a teoria crítica. Siderados pela crítica de Adorno a
Stravinski e ao jazz, trocando confidências em alemão, deslumbrados com
Schoenberg, eles não têm criticado as novas tecnologias representadas pelos
celulares e a internet e os produtos da indústria cultural tais como as
telenovelas. A recepção de Adorno tem deixado de lado contribuições de
teóricos e pesquisadores tais como José Ramos Tinhorão, Gilberto
Vasconcellos e Glauber Rocha. E, sem isso, o estudo da indústria cultural tem
sido mero jogo aristocrático de elite, restrito às universidades.
O celular ou telefone móvel generaliza-se na era do capital também móvel
pelo mundo e na voga da razão comunicativa. Embora favoreça a razão
comunicativa, o celular provoca um retrocesso nas boas maneiras, assim como
favorece o uso invasivo ou irracional do telefone. Por fim, com a proliferação dos
celulares, o diálogo fica praticamente impossível. O diálogo é interrompido
pela chamada insistente dessas pequenas sereias do inferno.
Embora a terceira geração do Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt, hoje
em dia, escute Bob Dylan após o corte com a razão negativa realizada por
Habermas, mesmo Dylan é insuportável uma vez transformado em música de fundo
para um celular. E, se antigamente utilizava-se músicas para fundo no
celular, cada vez mais o celular é que determina os rumos da canção popular,
com as canções de massa reiterando sem cessar: “beijo, me liga”, “amor, por
favor, não desligue o telefone”. Não se vende mais um telefone, mas sim a
luxuriante troca de mensagens que se pode fazer através do telefone. No
entanto, essa troca torna a vida dos próximos insuportável, pois se dá
dentro do cinema, no teatro, no trabalho, durante uma palestra, etc. E o
pior é que, nesse mundo idílico do sexo verbalizado, irrompeu há alguns anos
o telelumpen: o trabalhador degradado pelo liberalismo que cai no submundo
do crime e, a partir do presídio, comete crimes através do celular. E os
crimes do telelumpen são justamente a perversão da linguagem do amor
telefônico: o bandido afirma que seu filho foi seqüestrado e logo em seguida
ouve-se a voz de um outro deles que dramatiza, claramente influenciado pelas
telenovelas: “pai, eu te amo”. Se o padrão da Globo é classe média, então a
classe média está sendo vítima, através do celular, de crimes inspirados em
sua própria estética de classe.
O celular opera, então, com o fetiche: compra-se um celular para
possibilitar o sexo oral. As telenovelas operam com um esquema semelhante.
Elas nascem e se apropriam da teorização de esquerda do realismo crítico
enquanto intervenção na realidade, tornando-o realismo reacionário. Assim como
as “pegadinhas” da TV mostram atores encenando e os passantes têm suas
reações à situação, que tomam como real, registradas e exibidas para criar
constrangimento, ao mesmo tempo, as telenovelas recriam a realidade através
de amplos painéis sociais, reduzindo qualquer conflito de classe a um
conflito entre “pobres” e “ricos”.
O principal assunto da novela é o dinheiro, em torno do qual tudo gira. A
solução para a desigualdade social e a luta de classes é casar com um homem
ou mulher rica. Os defeitos de um homem ou de uma mulher são facilmente
compensados pelo acesso à sua conta bancária, na verdade bem mais cobiçada
do que sua cama. Na ética prostituta da telenovela, uma aula de violino é
desculpa para um encontro sexual extraconjugal. Por trás desse tipo de
situação está a disposição estrutural para colocar toda a cultura para
render dinheiro, desprezando tudo aquilo que, nela, não servir para esse
propósito. Quem não puder se prostituir é “múmia”, no entender desse tipo de
programa televisivo. Como diz o grande jornalista Laerte Braga, que deve ser
urgentemente estudado pelos teóricos da indústria cultural brasileira, o
lema das telenovelas e do BBB é “o bordel em sua casa”.
A apresentação realista e naturalista das novelas, assim como todo o esforço
mercadológico em torno delas, convida a tomarmos a representação enquanto
espelho de nossas vidas e mais, a considerarmos aqueles personagens como pessoas do mundo real. A telenovela mobiliza as fantasias das massas, exercendo enorme impacto sobre a vida cultural do País. Aliás, a telenovela praticamente destruiu o cinema e o teatro do Brasil, arrasando, através do mercado, com todas as tradições e linguagens que não a dela. Mesmo as leis de incentivo à cultura do estado subvencionam abertamente produtos com essa estética.
Nos últimos anos, com o surgimento de novas mídias, a telenovela perdeu
parte de seu impacto cultural. O seu lucro é baseado na venda não só dos
produtos nos comerciais, mas na venda de produtos dentro da ficção: vende-se
produtos apresentados durante as cenas quanto nos intervalos comerciais, por
isso a televisão dá tanto lucro. Para isso, nessa ficção cada vez mais os
objetos ganham uma presença mais viva que os atores. Uma vez num
restaurante, ganha enorme destaque o nome do restaurante, suas mesas e
cadeiras e a refeição. Aliás, as telenovelas operam de forma gastronômica:
tanto as refeições são apresentadas de forma bem atraente, intencionando
produzir o desejo de comer, com os atores e atrizes ganhando também uma
apresentação semelhante, com seus corpos apelando para fantasias sexuais e
masturbatórias. O nome de um galã como Gianechinni torna-se, mais do que um
nome, um adjetivo que é sinônimo de “bonito”: “ele não é Gianechinni”.
Como quem trabalha em televisão é glamourizado, nasceu ao redor das televisões
toda uma indústria de revistas repugnantes que se ocupam, sem nenhum
escrúpulo, da vida alheia, mas em especial da vida dos famosos, roubando e
invadindo, de forma altamente predatória, sua vida privada, infernizando
suas vidas com uma punição que responde ao fato de terem dinheiro e fama numa
sociedade como essa. E bem que poderiam adotar o slogan: “a vida alheia é mais
interessante do que a sua”, uma verdadeira apologia criminosa da alienação coletiva.
Os atores que fazem a novela e todos que aparecem na televisão passam a
dispor de um enorme capital simbólico, passam a ser “celebridades”, ou seja,
alguém que dispõe de capital simbólico devido à sua visibilidade.
A telenovela, ao entrar em crise, produziu um subproduto diretamente
articulado ao celular: o show de realidade, Big Brother Brasil. Nele,
telefona-se para eliminar um participante e o programa aufere lucros com isso. O reality show encena o drama de um “campo de concentração”, um drama nacional: nossas prisões são campos de concentração para pobres. O drama de um Auschwitz onde o cárcere possibilita a lazeira do consumismo e onde se tem de falar alto para que sua voz possa ser captada pelos microfones. O microfone manda na voz do participante e a edição da realidade com a estética da telenovela, as ligações de celular e o veneno de Bial modelam seu destino, sua vida e sua
morte dentro do “campo”.
Cada cidadão, despido de culpa coletiva, liga para eliminar um “judeu”, ou melhor, um participante, que então vai para a câmara de gás da realidade. Lá fora, o aguarda a sentinela kafkiana e caucasóide chamada Pedro “Bial”, cujo nome é uma variação alemã de “azul”. É o “kapo” Pedro “Blau” que destila o seu Azul da Prússia verbal.
A grande diversão, após a novela, é reencenar um dos grandes acontecimentos de nossa era, tornado agora um mito exaustivamente explorado pelo cinema norte-americano e muito repetido para poder justificar o martírio do povo palestino: Auschwitz. Aos sobreviventes do BBB e de Auschwitz sempre se faz a mesma pergunta: “o que você aprendeu?” Respeitarei muitíssimo mais o deputado federal do PSOL Jean Wyllys quando ele tiver a coragem de, como uma personagem do filme O Leitor, d responder a essa pergunta assim: “Não aprendi nada, os campos (e o BBB) não eram terapia. Se quiser aprender alguma coisa, não vá aos campos (e não veja o BBB)”. Como reencenação de um grande drama de nossa era, o slogan do BBB poderia ser: "a solução final ao alcance de um toque do seu celular".
Após a decadência das novelas, se seguirá a decadência do formato reality
show e isso se dará com rapidez maior do que se deu com o produto “telenovela”.
Será necessária, no futuro, uma campanha para que a sociedade se
“destelevise”, assim como os estudos de Foucault produziram a luta
antimanicomial: será preciso também uma luta contra a máquina-desejante e alguém vai ter que também abrir um capítulo para a televisão em um novo volume de A História da Loucura. Aliás, os foucauldianos e deleuzianos precisam dizer que a
grande lição do Big Brother é que uma grande empresa de televisão é hoje
também uma das instituições que buscam o controle total, até mais do que
escola, o presídio e o hospício. Faltou a Foucault o insight de que a prisão
onde tudo se podia ver, o panóplio holandês, deu nos campos de concentração
nazistas e, na atualidade, na prisão de consumo do Big Brother Brasil.
[Esse artigo é meu, mas quem quiser ler outras análises adornianas e derridianas, recomendo arquivoscriticos.blogspot.com]
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Microcontos na Piauí
Bilhete
Batom no espelho: amanhã estarei morta.
Quaresma
Jesus? Diabo? Não! Sou advogado dele.
Guerra
Teatro de operações: Gerald dirige tanque.
http://revistapiaui.estadao.com.br/blog/concurso/post_310/Participantes_da_edicao_de_dezembro.aspx
Batom no espelho: amanhã estarei morta.
Quaresma
Jesus? Diabo? Não! Sou advogado dele.
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Teatro de operações: Gerald dirige tanque.
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Leite Derramado: "Encasquetei que precisava enrabar o Xyko"
Reescrita imaginária de um trecho de Xyko por Edney Silvestre após perder o Jabuti:
“Durante um período, para você ter uma idéia, encasquetei que precisava enrabar o Xyko. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo é que já conhecia mulher, inclusive as francesas. Não tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Xyko. [...] Só me faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradição senhorial, direito de primícias, ponderações tão acima do seu entendimento, que ele já cederia sem delongas”.
Xyko é xyk. É preciso pôr a teoria da indústria cultural adorniana contra Xyko. Xyko vem com tudo no governo Dilma.
“Durante um período, para você ter uma idéia, encasquetei que precisava enrabar o Xyko. Eu estava com dezessete anos, talvez dezoito, o certo é que já conhecia mulher, inclusive as francesas. Não tinha, portanto, necessidade daquilo, mas do nada decidi que ia enrabar o Xyko. [...] Só me faltava ousadia para a abordagem decisiva, e cheguei a ensaiar umas conversas de tradição senhorial, direito de primícias, ponderações tão acima do seu entendimento, que ele já cederia sem delongas”.
Xyko é xyk. É preciso pôr a teoria da indústria cultural adorniana contra Xyko. Xyko vem com tudo no governo Dilma.
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