Artigo meu no blog do Icaro:
http://republicasocialista.blogspot.com.br/2012/09/democracia-popular-x-democracia-como.html
Democracia Popular x Democracia como Valor Universal
Democracia popular x Democracia como
valor universal ou: como Carlos Nelson Coutinho arruinou a esquerda brasileira
Por:
Lúcio Jr.[1]
Escrevo esse
artigo mais como militante do que como artigo científico. É mais um artigo de
combate, dirigido contra a enorme moda do marxismo gramsciano no Brasil, uma
verdadeira “Gramsci-mania”.
Os conceitos de Gramsci hoje são a forma por excelência com que o
revisionismo anula o marxismo-leninismo no Brasil e precisam urgentemente ser
combatidos e contestados. O conceito de bloco histórico desmantela a idéia do
Partido de Vanguarda, a criação de uma hegemonia fornece argumentos para a
falácia da revolução socialista pela via parlamentar, a divisão entre marxismo
ocidental e oriental, já exposta pelo esquerdista Pannekoek nos anos 20, serve
para melhor desvalorizar a experiência russa como modelo, descartando Lênin,
que só seria útil para a Rússia e suas particularidades. Na prática,
esquerdistas como Pannekoek, ao deixar de lado o norte que é a teoria de Lênin,
oscilam entre a revolução de qualquer jeito agora e o derrotismo profundo,
quando não, passam para o lado da reação, em geral a troco de remuneração.
Quando lançou Democracia como Valor
Universal, Carlos Nelson Coutinho, na realidade estava conclamando a
esquerda brasileira para deixar de lado a perspectiva revolucionária e aderir
ao reformismo, a ocupar cargos na “porosa” máquina estatal, nas universidades,
ONGs, prefeituras, no que foi extremamente bem sucedido. Mas, Coutinho precisava
ir ao baile da esquerda vender seu peixe empesteado com um disfarce elegante e
democrático, acima de qualquer suspeita. Ele vai achar o disfarce perfeito no
Gramsci dos anos 30, quando Gramsci produziu suas teorias aparentemente de
acordo com a frente popular e a aliança de todos contra o fascismo, o Gramsci
que vivia encarcerado e foi fiel ao partido comunista até o fim. A duplicidade
política de Gramsci lhe cai como uma luva. É justamente dessas posições
ambivalentes que ele precisa. Para poder abandonar Lênin com alguma
credibilidade, Coutinho não recorre ao costumeiro e sórdido Trotsky. Trazer à
baila textos de Trotsky é trazer ao centro da cena o pensamento de Stálin, uma
vez que derrotar Stálin é a sua grande obsessão, perseguida com uma nota
histérica, em boa parte dos textos de Trotsky. A prática esquerdista dos trotskistas
obviamente é mais um elemento para que Coutinho decida se afastar deles.
Gramsci vai lhe dar uma máscara extremamente respeitável.
A explicação para a não-ocorrência da revolução no Ocidente que Gramsci
encontra é falsa. Ele imagina que, mesmo se conquistarmos o Estado, a sociedade
civil resistirá ao socialismo, então é preciso conquistar primeiro essa tal “sociedade
civil”, conquistar cargos nos parlamentos, universidades, etc. Ora, a tal
sociedade civil não passa de um lugar onde interesses particulares
contraditórios disputam: é o lobby
dos evangélicos contra a comunidade LGBT, etc.
A explicação para o fracasso da revolução no Ocidente já está em O
Imperialismo, de Lênin, que o invejoso e tolo Gramsci
teima em esquecer: a transição do capitalismo da livre concorrência para os
monopólios fez com que surgissem setores privilegiados do proletariado, “aristocracias
do proletariado”. Esses setores são a perdição dos trabalhadores! Corrompidos
pelos sentimentos nacionalistas e pelos ganhos com a colonização e pilhagem dos
povos coloniais e dependentes, esses setores passam ativamente a representar o
interesse do imperialismo junto ao proletariado, sabotando e anulando suas
lutas.
No Brasil, o ABC paulista e o PT são um bom exemplo dessa traição. O PT
nasce num setor operário conciliador com o imperialismo americano e alia-se à pequena
burguesia radicalizada. Com a vitória do imperialismo na Guerra Fria, deixam de
lado a roupagem socialista e social-democrata e tornam-se neoliberais
entusiasmados, embora prossigam, como o professor Jarbas Guimarães da UFMG,
papagaiando incansavelmente o socialismo democrático e gerenciando um governo
que privatiza aeroportos.
O que Carlos Nelson Coutinho fez, em seu, hoje clássico; Democracia como Valor Universal, foi praticamente uma reedição, com nova
e bela roupagem, das teses revisionistas que estavam causando a decadência do
socialismo na União Soviética a partir da subida de Kruschev em 1956:
1) Coutinho acredita que é possível chegar ao poder sem destruir o estado
burguês, pela via parlamentar. Essa é uma das teses kruschevistas clássicas.
Isso refuta Lênin. Lênin é bem claro a respeito disso em O
Estado e a
Revolução, não é uma metáfora, como escreve Coutinho. Isso de “é uma metáfora”
é um truque típico desse grande enganador, desse execrável charlatão acadêmico
que é o Carlos Nelson Coutinho.
2) Coutinho também propõe que a luta de classes não se agrava no
socialismo. Um hit kruschevista,
feito para deixar os comunistas serem pegos distraídos por todo tipo de
reacionário. É evidente que essa luta se agrava! Imaginemos um empresário que
passou a vida toda gozando de ócio e privilégios e passa a ter, com a
estatização, de trabalhar como todos os outros. Pode-se supor que essa pessoa
não tentaria de todas as formas reaver a sua propriedade, a sua situação
anterior? Se hoje vemos que madeireiros são capazes de matar para defender seu
direito de extrair madeira ilegal, o que seriam capazes de fazer sem a empresa?
Respondo: sabotar, aliar-se a serviços secretos estrangeiros, organizar grupos
armados para lutar contra o Estado socialista. Justamente o que ocorreu nos
anos 30 com o grupo zinovievista-trotskista. Reprimir e julgar esses traidores
é considerado abominação, embora até mesmo a Constituição brasileira preveja
que, em caso de guerra, é prevista a pena de morte para sabotadores, traidores
e espiões.
3) Coutinho escreve – nesse artigo
que deu origem ao PSOL – sobre as maravilhas da “Autogestão”. Na Iugoslávia
de Tito, essa era a senha para “restauração do capitalismo”. Não por acaso, Lukács também fala em Autogestão,
e, em 1956, deixou cair a máscara e propôs a restauração do capitalismo
abertamente. A lorota da Autogestão é também um disfarce perfeito para o
revisionismo, que assim posa de muito democrático, embora ele seja burocrático
e autoritário. Coutinho chega a especular que as Comunidades Eclesiais de Base
seriam uma forma de democracia direta. Ora, as CEBs são somente organizações de
base da Igreja Católica, aliás, hoje totalmente desarticuladas em prol da
organização a partir da mídia monopolista, que é a opção desastrosa da Igreja
Católica hoje em dia.
Coutinho não quer fazer uma avaliação da realidade brasileira
tendo em vista a revolução. É bem outro o seu intento. Ele quer vender uma
mercadoria que traz a peste para a esquerda, mas ele, pessoalmente, lucrará com
destaque e vantagens pessoais. É o festejado “gramsciano”.
A tese da democracia como valor universal de Carlos Nelson Coutinho é uma
jóia de disfarce, matreirice e mentira, foi perfeita sob medida para a
transição conservadora brasileira, por isso foi tão propagandeada por setores
reacionários. Serve maravilhosamente a eles! Coutinho faz com que a ditadura da
classe burguesa, que permanece impondo o seu totalitarismo na democracia
capitalista, fique totalmente invisível. Para a burguesia, isso é maravilhoso,
é fantástico.
Outra falácia que tem de ser denunciada é a posição equivocada de
Coutinho sobre a contrarrevolução de 64, um dos regimes mais selvagens do pós
Segunda Guerra, comparável ao nazismo de Hitler. Ela passa a ser considerada,
com conceitos tirados do buquê gramsciano, exemplo de “revolução pelo alto”,
“revolução passiva”, “pela via prussiana”. O sentido principal de 64 foi
arrasar o processo de descolonização que vivia o país; a longo prazo, o sucesso
foi total e completo. Exatamente o contrário do que fez Bismarck, guerreando contra
três países para acabar com a dominação externa. Coutinho literalmente chamou
“urubu” de “meu loiro” nessa análise. Será ele inocente? Temo que não! Ele é
reacionário mal intencionado mesmo!
A verdadeira cerejinha do bolo foi mesmo quando encontrei, nas notas do
artigo de Carlos Nelson Coutinho sobre Democracia como Valor Universal, um
elogio discreto às idéias de Fernando Henrique Cardoso, que iriam “muito além
do liberalismo”! Fernando Henrique e seu grupo são traidores profissionais da
esquerda, eles e o seu gancho do pentágono do Brasil, que é o CEBRAP, Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento, uma estrutura elaborada na Guerra Fria
para conquistar os intelectuais brasileiros e que teve para sua instalação 18
mil dólares da Fundação Ford. Nos anos 50, Fernando Henrique, Octavio Ianni e a
trupe revisionista (que é a ligação da corja da USP com José Paulo Netto e a Carlos
Nelson Coutinho) organizaram, na USP, um festivo e badalativo seminário de O Capital para poderem disseminar o
revisionismo e foram extraordinariamente bem sucedidos. A broca penetrou no
Partido Comunista Brasileiro, nos movimentos sociais e se alastrou feito uma
praga através das universidades, uma vez que a USP é a grande disseminadora da
modernidade intelectual para o Brasil. Eles plantaram a sementinha no lugar
certo nos anos 50 e, nos anos 90, colheram com sofreguidão o fruto sujo de
sangue da ruína da esquerda e da recolonização do Brasil. Nada como ler O Capital para ganhar dinheiro!!!
Para não dizer que não concordo com nada do que Coutinho diz no já
canônico artigo Democracia como Valor
Universal, eu digo que concordo que é preciso participar de eleições e
ampliar essa democracia que está aí. Mas sem esquecer de dizer que através dela
a burguesia está buscando o domínio total da sociedade, ou seja, a democracia
capitalista é a ditadura da burguesia disfarçada! Ela espiona a esquerda,
monitora os movimentos sociais, obtém o predomínio através da indústria
cultural, é uma fachada. Até mesmo o Iraque e o Afeganistão têm um arremedo de
democracia capitalista, embora sejam países ocupados militarmente pelo
imperialismo.
A ditadura da burguesia disfarçada funciona assim: se tentarmos
modificá-la por dentro, se avançarmos em conquistar os espaços nesse Estado
para revolucioná-lo, essa estrutura reagirá por vias legais e ilegais. Uma das
possibilidades é que as milícias compostas por ex-policiais que existem no Rio
e que hoje matam e aterrorizam a população se voltarão contra os líderes da
esquerda, formando grupos de paramilitares que podem dar origem a partidos de
extrema-direita.
O debate sobre democracia e socialismo no Brasil parece encerrado, com a
vitória absoluta do democrata pequeno-burguês de fraseologia falsamente
socialista Carlos Nelson Coutinho e seus inúmeros seguidores, que arruínam
praticamente todo o marxismo no Brasil hoje. O sucesso deles é tanto que agora
há inclusive um partido inspirado em suas idéias: o Partido Socialismo e Liberdade.
O futuro do PSOL, por tudo o que está anunciado, é ser o PT do futuro: assumir
cargos na máquina estatal e discursar a favor do socialismo com liberdade. Agir
com autoritarismo e tomar atitudes burocráticas, não debater nada internamente,
mas sempre discursar contra o centralismo democrático, contra o “stalinismo”. O
melhor disfarce do burocrata autoritário é denunciar o suposto autoritarismo e
burocratismo de Stálin, Mao e Pol Pot, compilando calúnias e difamações estúpidas,
fazendo coro com os anticomunistas, etc. Oxalá esse artigo consiga fazer algo
para reverter essa patranha!
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