quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM ADAMIR GERSON, O SUPER-HOMEM DE NIETZSCHE

Lúcio Junior Espírito Santo. Um dos erros da Teologia da Libertação apontado por frei Clodovis Boff foi que ela, ao ter colocado o pobre no lugar de Deus como fundamento teológico, por deriva acabou cometendo um erro capital qual seja de ter instrumentalizado a fé para fins políticos de libertação. Estou abordando esta questão porque no meu entendimento, primeiro, não há fé que seja vazia de uma política, segundo, o passado histórico e quiçá presente mostrou todas as teologias explícito ou implícito engajadas politicamente, e terceiro, no meu entendimento nisto está uma dose de hipocrisia muito grande, pois o que há de fato é que querem tirar a Teologia de estar a serviço da causa libertadora para estar a serviço da causa não libertadora.

Adamir Gerson. Concordo plenamente com o seu juízo. Como não existe teologia neutra, esvaziada de uma ação política, ao impedir a Teologia de ser braço religioso do Marxismo certamente que a irão colocar como braço religioso do anticomunismo. Ela deixará de estar a serviço da causa socialista para estar a serviço da causa não socialista. Pouco importa se é a serviço da causa não socialista exacerbada, capitalismo selvagem, como eles chamam, ou, entre aspas, democrática.

Lúcio Junior Espírito Santo. Porque você aspou a palavra democracia?

Adamir Gerson. Porque estes mesmos que querem tirar a Teologia de ser braço religioso da libertação colocam a democracia como contraponto aos dois extremos, o socialismo e o capitalismo. Se como Deus não estivesse em nenhum destes extremos, mas na democracia. Ou, então, se como Deus não aprovasse estar nos dois extremos, mas aprovaria sim estar na democracia. Ora, a democracia não representa em hipótese alguma uma terceira via, um meio termo, que garante o social do socialismo e as liberdades individuais do capitalismo. Na democracia as cartas já estão marcadas aprioristicamente, quem irá vencer e quem irá perder, porque tudo está exposto e é decidido pelo mesmo vício.

Lúcio Junior Espírito Santo. Assisti na TV Cultura uma missa celebrada em Aparecida na qual o Bispo celebrante teceu críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo; dizendo ele que era preciso se encontrar uma terceira via que conciliasse a liberdade do capitalismo com o social do socialismo. Ele foi claro de que a razão da queda do comunismo foi que nele não havia liberdade para o indivíduo; que tudo era decidido pelo Estado. Daí ele propugnar por uma terceira via que conciliasse as liberdades individuas com justiça social.

Adamir Gerson. O que é liberdade individual? O que é liberdade condicionada pelo Estado? Os indivíduos no socialismo não tinham liberdade, mas agiam em função das necessidades do Estado? Ora, liberdade é algo puramente pessoal. Mesmo que no meio condicionante, a liberdade é algo pessoal. O pesquisador age pelos seus próprios impulsos. O compositor e o criador de artes agem pelos seus próprios impulsos. O contador de piada age pelos seus próprios impulsos. A criação emana da subjetividade. Mas irão dizer: agem pelos seus próprios impulsos, mas condicionados pela ideologia do Estado e pelas suas necessidades. Mas isto acontece em todos os sistemas seja ele qual for. A criatividade é teleguiada em todos os sistemas. Um indivíduo que monta um comércio ele está condicionado pela necessidade dos consumidores. Então basicamente é que a liberdade no socialismo está condicionada pela necessidade coletiva, ao passo que no capitalismo pelo dinheiro. E como as necessidades coletivas são infinitas, o Estado não as prescreve, mas atende as suas demandas, logo a liberdade individual no socialismo é um fato concreto. Não há nada que impeça a liberdade individual, do indivíduo extravasar os seus dons e sentimentos. O que acontece de fato é que no socialismo a liberdade foi expurgada do pecado original e se tornou cristã de fato, para o próximo, para ajudar o próximo. A sua satisfação e recompensa está em ver o próximo feliz, ao passo que no capitalismo a sua satisfação e recompensa está no acumulo do capital com o qual poderá usufruir de tudo que a mão alcança.

Lúcio Junior Espírito Santo. É importante salientar que no socialismo a liberdade é para todos, todos são chamados e tem a oportunidade de manifestar os seus dons e os seus sentimentos e os colocar para usufruto de todos. Mas, no capitalismo nem todos tem estas possibilidades. Aqueles que têm o poder econômico são livres para manifestar os seus dons e os seus sentimentos, mas quem não tem poder econômico acabam tendo os seus dons e os seus sentimentos sufocados e impedidos de se manifestarem.

Adamir Gerson. O que havia dito, o que difere a liberdade no socialismo e no capitalismo é que no socialismo a liberdade foi liberta do pecado original, ao passo que no capitalismo ela se acha presa a ele e na sua dependência. Então este Bispo celebrante da missa precisa rever seus conceitos e modos de juízo porque em última instância, fornecendo a ele um juízo justo, para ele liberdade é consubstancial à propriedade. Ao ter. Ao possuir. Porque se cria uma terceira via e para esta se leva a estrutura econômica do socialismo automaticamente se leva também a sua estrutura espiritual. A estrutura econômica do socialismo não permite espaço para a liberdade conforme está no capitalismo. E como a estrutura econômica do socialismo é inseparável da sua forma de liberdade, uma terceira via que não tenha a liberdade que se acha no socialismo, mas tenha a liberdade que se acha no capitalismo, logo esta terceira via também não tem a estrutura econômica do socialismo. Logo esta terceira via é literalmente o capitalismo. Nesta terceira via não há nada ligado ao socialismo.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando peremptoriamente que não existe espaço no mundo da política e da economia para uma terceira via que concilie socialismo e capitalismo? Mas, pessoas que propugnam por uma conciliação entre os dois sistemas dão como exemplo prático de sua exeqüibilidade os regimes nórdicos. Eles seriam exemplo de como é bem sucedido uma experiência assim, entre os dois sistemas antagônicos.

Adamir Gerson. Inegavelmente nos países nórdicos se conseguiu aquilo que é tido bem próximo de uma terceira via. O bem estar social destes países corresponde ao bem estar social que há no socialismo. O capitalismo nestes países age em função deste bem estar social. Mas isto não significa terceira via. O sistema econômico é capitalista e não socialista. Bem pagas, somado como o auxílio social do Estado, todavia estas massas estão numa relação em que vendem a sua força de trabalho. Sentem que indivíduos externos a si estão se locupletando na sua força de trabalho. E isto reduz a sua dignidade humana. As tornam cidadãos de segunda classe.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando ser impossível uma terceira via que concilie capitalismo e socialismo. Definitivamente ou é o sistema socialista ou é o sistema capitalista?

Adamir Gerson. Não nego que possa haver uma terceira via. Mas entre socialismo e cristianismo. Uma terceira via assim não subtrai a liberdade que há no socialismo, e não subtrai o desejo de ser para o próximo dos cristãos. Uma terceira via assim tem o poder de sepultar definitivamente o capitalismo e dar a vitória definitiva ao socialismo, porque agora ela produz uma soma, entre os condicionamentos de um Estado socialista e os condicionamentos da fé cristã. Completamente despotencializados do pecado original, toda a sua tendência é para o bem, para servir.

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