Lúcio Junior Espírito Santo. Um dos erros da
Teologia da Libertação apontado por frei Clodovis Boff foi que ela, ao ter
colocado o pobre no lugar de Deus como fundamento teológico, por deriva acabou cometendo
um erro capital qual seja de ter instrumentalizado a fé para fins políticos de
libertação. Estou abordando esta questão porque no meu entendimento, primeiro,
não há fé que seja vazia de uma política, segundo, o passado histórico e quiçá
presente mostrou todas as teologias explícito ou implícito engajadas
politicamente, e terceiro, no meu entendimento nisto está uma dose de
hipocrisia muito grande, pois o que há de fato é que querem tirar a Teologia de
estar a serviço da causa libertadora para estar a serviço da causa não
libertadora.
Adamir Gerson. Concordo plenamente com o seu
juízo. Como não existe teologia neutra, esvaziada de uma ação política, ao
impedir a Teologia de ser braço religioso do Marxismo certamente que a irão
colocar como braço religioso do anticomunismo. Ela deixará de estar a serviço
da causa socialista para estar a serviço da causa não socialista. Pouco importa
se é a serviço da causa não socialista exacerbada, capitalismo selvagem, como
eles chamam, ou, entre aspas, democrática.
Lúcio Junior Espírito Santo. Porque você aspou
a palavra democracia?
Adamir Gerson. Porque estes mesmos que querem
tirar a Teologia de ser braço religioso da libertação colocam a democracia como
contraponto aos dois extremos, o socialismo e o capitalismo. Se como Deus não
estivesse em nenhum destes extremos, mas na democracia. Ou, então, se como Deus
não aprovasse estar nos dois extremos, mas aprovaria sim estar na democracia.
Ora, a democracia não representa em hipótese alguma uma terceira via, um meio
termo, que garante o social do socialismo e as liberdades individuais do
capitalismo. Na democracia as cartas já estão marcadas aprioristicamente, quem
irá vencer e quem irá perder, porque tudo está exposto e é decidido pelo mesmo
vício.
Lúcio Junior Espírito Santo. Assisti na TV
Cultura uma missa celebrada em Aparecida na qual o Bispo celebrante teceu
críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo; dizendo ele que era preciso se
encontrar uma terceira via que conciliasse a liberdade do capitalismo com o
social do socialismo. Ele foi claro de que a razão da queda do comunismo foi
que nele não havia liberdade para o indivíduo; que tudo era decidido pelo
Estado. Daí ele propugnar por uma terceira via que conciliasse as liberdades
individuas com justiça social.
Adamir Gerson. O que é liberdade individual? O
que é liberdade condicionada pelo Estado? Os indivíduos no socialismo não tinham
liberdade, mas agiam em função das necessidades do Estado? Ora, liberdade é
algo puramente pessoal. Mesmo que no meio condicionante, a liberdade é algo
pessoal. O pesquisador age pelos seus próprios impulsos. O compositor e o
criador de artes agem pelos seus próprios impulsos. O contador de piada age
pelos seus próprios impulsos. A criação emana da subjetividade. Mas irão dizer:
agem pelos seus próprios impulsos, mas condicionados pela ideologia do Estado e
pelas suas necessidades. Mas isto acontece em todos os sistemas seja ele qual
for. A criatividade é teleguiada em todos os sistemas. Um indivíduo que monta
um comércio ele está condicionado pela necessidade dos consumidores. Então
basicamente é que a liberdade no socialismo está condicionada pela necessidade
coletiva, ao passo que no capitalismo pelo dinheiro. E como as necessidades
coletivas são infinitas, o Estado não as prescreve, mas atende as suas
demandas, logo a liberdade individual no socialismo é um fato concreto. Não há
nada que impeça a liberdade individual, do indivíduo extravasar os seus dons e
sentimentos. O que acontece de fato é que no socialismo a liberdade foi
expurgada do pecado original e se tornou cristã de fato, para o próximo, para
ajudar o próximo. A sua satisfação e recompensa está em ver o próximo feliz, ao
passo que no capitalismo a sua satisfação e recompensa está no acumulo do
capital com o qual poderá usufruir de tudo que a mão alcança.
Lúcio Junior Espírito Santo. É importante
salientar que no socialismo a liberdade é para todos, todos são chamados e tem
a oportunidade de manifestar os seus dons e os seus sentimentos e os colocar
para usufruto de todos. Mas, no capitalismo nem todos tem estas possibilidades.
Aqueles que têm o poder econômico são livres para manifestar os seus dons e os
seus sentimentos, mas quem não tem poder econômico acabam tendo os seus dons e
os seus sentimentos sufocados e impedidos de se manifestarem.
Adamir Gerson. O que havia dito, o que difere a
liberdade no socialismo e no capitalismo é que no socialismo a liberdade foi
liberta do pecado original, ao passo que no capitalismo ela se acha presa a ele
e na sua dependência. Então este Bispo celebrante da missa precisa rever seus
conceitos e modos de juízo porque em última instância, fornecendo a ele um
juízo justo, para ele liberdade é consubstancial à propriedade. Ao ter. Ao
possuir. Porque se cria uma terceira via e para esta se leva a estrutura
econômica do socialismo automaticamente se leva também a sua estrutura
espiritual. A estrutura econômica do socialismo não permite espaço para a
liberdade conforme está no capitalismo. E como a estrutura econômica do
socialismo é inseparável da sua forma de liberdade, uma terceira via que não
tenha a liberdade que se acha no socialismo, mas tenha a liberdade que se acha
no capitalismo, logo esta terceira via também não tem a estrutura econômica do
socialismo. Logo esta terceira via é literalmente o capitalismo. Nesta terceira
via não há nada ligado ao socialismo.
Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria
afirmando peremptoriamente que não existe espaço no mundo da política e da
economia para uma terceira via que concilie socialismo e capitalismo? Mas,
pessoas que propugnam por uma conciliação entre os dois sistemas dão como exemplo
prático de sua exeqüibilidade os regimes nórdicos. Eles seriam exemplo de como
é bem sucedido uma experiência assim, entre os dois sistemas antagônicos.
Adamir Gerson. Inegavelmente nos países
nórdicos se conseguiu aquilo que é tido bem próximo de uma terceira via. O bem
estar social destes países corresponde ao bem estar social que há no
socialismo. O capitalismo nestes países age em função deste bem estar social.
Mas isto não significa terceira via. O sistema econômico é capitalista e não
socialista. Bem pagas, somado como o auxílio social do Estado, todavia estas
massas estão numa relação em que vendem a sua força de trabalho. Sentem que
indivíduos externos a si estão se locupletando na sua força de trabalho. E isto
reduz a sua dignidade humana. As tornam cidadãos de segunda classe.
Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria
afirmando ser impossível uma terceira via que concilie capitalismo e
socialismo. Definitivamente ou é o sistema socialista ou é o sistema
capitalista?
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