sexta-feira, 17 de outubro de 2014

O incidente "Lin Biao": China dos anos 60 até o movimento de Hong Kong






Lin Biao (1907-1971) seria o possível sucessor de Mao Tsé Tung e foi um dos dirigentes mais ativos na revolução cultural e entre 1966-70. Ele prefaciou o Livro Vermelho de Mao.

Segundo Jason Unruhe, a revolução cultural chinesa constitui-se das seguintes medidas: ruptura com hábitos, comportamentos e tradições antigas; abolição da moda; criação dos médicos populares que iam a cada aldeia, atendendo a cada família; fechamento temporário das universidades, principalmente para que se fosse repensada a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Dentre  outras medidas igualitárias, o oficial do exército tinha que servir uma semana do mês como praça, para entender como viviam e sentiam os subordinados.

Pode-se dizer que foi também entregue o poder aos jovens, que formaram as chamadas Guardas Vermelhas, que de fato detinham parte do poder e eram uma forma de democracia direta. Em alguns casos, cometeram excessos, combatendo a linha kruschevista dentro do partido chinês. Uma linha efetivamente agredia fisicamente os revisionistas. Chiang Ching, esposa de Mao, foi uma das defensoras da linha que defendia a reeducação. Ela reiterava bastante a questão da cultura e da arte, aliás, segundo Mao, um elemento que tinha feito com que acontecesse a restauração do capitalismo na União Soviética de Kruschev a partir de 56. Os maoístas consideram tanto a URSS quanto Cuba de Fidel como social-imperialistas, ou seja, socialistas de fachada, imperialistas de fato.

A narrativa oficial dos chineses é que Lin Piao começou a indispor-se com Mao a partir de 1970, quando passou  a desejar centralizar o poder, passando a distanciar-se de Mao. Há quem diga que ele foi vítima de intrigas no partido entre as facções. O fato é que também entrou em choque com a esposa de Mao, tendo debatido de forma ácida com ela em um congresso; foi exigido a ele, pelo partido, autocrítica a respeito, mas ele preferiu afastar-se do diálogo e ficar numa reclusão cada vez maior . A partir de 1970, em resposta, o partido passou a exigir dele uma autocrítica, principalmente em resposta  aos supostos excessos da revolução cultural proletária, produzindo ainda uma maior afastamento.

Por fim, segundo a narrativa oficial estabelecida posteriormente, ele foi tido como culpado pelos excessos da revolução cultural e, em resposta, buscou articular um golpe de estado contra Mao, tendo fracassado e buscado fugir para a União Soviética, quando, então, morreu num acidente aéreo. Foi sucedido na posição de vice-presidente da China por Deng Xiaoping. 

Pode-se supor que Lin Piao foi envolvido em conspirações e intrigas que já dividiam o partido comunista chinês em duas linhas, a partir dos anos 70: a linha dos que queriam reintroduzir o mercado (Li Shaoqi, Deng Xiaoping) e Chiang Ching, Zang Chunqiao, Wang Hongwen e Yao Wenyan. Depois da morte de Mao, o centrista Hua Kuaofeng foi colocado no poder para evitar o atrito entre as duas linhas, pois era tido como um centrista.

No entanto, no dia 6 de outubro de 1976, completando aquilo que os maoístas consideram um golpe revisionista, um general chamado Li Xiannian, que era braço direito de Hua Kuaofeng, prendeu tanto Chiang Ching quanto os outros maoístas históricos. Nos anos 80 eles passaram a ser julgados e ficaram conhecidos como "Gangue dos Quatro" ou "Camarilha dos Quatro". Por trás dessa prisão, que se seguiu a muitas outras prisões dentro do partido, estava a reintrodução do capitalismo, assumida hoje em dia na China, quando se fala em "um país, dois sistemas". A tendência, com a crise mundial do capitalismo, é da luta interna tornar-se mais e mais encarniçada entre os partidários  dos dois sistemas, acabando o tempo em que puderam coexistir. O movimento de Hong Kong em 2014 pode ser interpretado como o prenúncio do acirramento da luta de classes dentro da China.

Chiang Ching foi condenada à morte, mas sua sentença foi comutada para prisão perpétua. Chiang Ching defendeu-se alegando que seguia Mao e que "fazer a revolução não é crime". Anos depois, ela criticou os estudantes que fizeram os movimentos de 89, aliás parecidos com os de agora, 2014, em Hong Kong, movimentos mais liberais ao estilo ocidental do que maoístas: "o culpado é Deng. Ele trouxe todas essas ideias ocidentais para dentro da China". Ela cometeu suicídio em 1991 (já estava doente de um câncer na garganta e negando-se a tratá-lo) e deixou uma nota que ficou famosa: "A revolução foi traída por Deng Xiaoping e sua corja (...). Grande timoneiro, sua seguidora e lutadora está indo ao seu encontro!".

Os historiadores do Ocidente consideram Lin Piao responsável pelo "culto da personalidade" de Mao e levantam várias questões a respeito de sua morte; há quem sustente que ele estava, na verdade, voltando da URSS. Curiosamente, o partido comunista chinês culpou tanto Lin Piao quanto Chiang Ching, esposa de Mao, pelos excessos na revolução cultural; devemos então duvidar dessa condenação.


2 comentários:

Roni disse...

Obrigado, Lúcio.

Marco Lisboa disse...

Toda história do PCC era tratada, pelos chineses, como uma luta eterna entre duas linhas. Mao chega a dizer que no partido predominava o centro e que tanto a esquerda, quanto a direita era minoritária. Ele considerava que o seu papel era unir o centro à esquerda, para derrotar a direita. O PC do B, mesmo quando era maoista, via essa visão como uma heresia, pois tinha como modelo o partido stalinista, onde só podia haver a esquerda e uma única linha.Saiu recentemente um livro de Duarte Pereira, que veio de AP para o PC do B e foi um dos fundadores do Jornal Movimento. Repensando o Marxismo. Ele reúne vários textos sobre a China. Hoje a historiografia do PC do B sobre a China é tragicômica. Eles fizeram uma salada chinesa ideológica, onde cabem Mao e Deng, sem maiores conflitos, sumindo com a luta entre as duas linhas e contando a história da China (e do PCC) como se houvesse uma continuidade e não uma série de rupturas, recuos e conciliações.