segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A Vida Suspensa: Contos de Fábio Camargo

Os contos de A Vida Suspensa, de Fábio Camargo, me faz lembrar a recente polêmica que travei com Cristiano Alves do blog Página Vermelha, autor que, de forma moralista e antidialética, quer combater em nome da moral "proletária-dilmista" todos os movimentos de direitos civis. Ao contrário, o livro de Fábio mistura engajamento político à esquerda (como nos contos Trabalhador Brasileiro, A Ilha e Companheira) e agrega a diversidade sexual como um elemento de autenticidade  a mais em sua escritura e temática (como no conto A Troca e No Mores Kisses), mas não um elemento, como quer Cristiano, de "pós-modernismo decadente". Assim sendo, o texto de Fábio tem passagens muito importantes, pois valorizam a luta das organizações revolucionárias dos anos 60 e 70 e que são perfeitamente verdadeiras do ponto de vista marxista, tais como:


--Mãe, o negócio é o seguinte: a repressão tem descido o cacete pra cima de todo mundo e nós estamos na luta armada para trazer ao Brasil a liberdade, a justiça que esses milicos não querem nos dar. O grupo que se reúne aqui vai cair na clandestinidade, todos teremos que fugir e desaparecer. Eu e o Roberto também, e por isso eu preciso de armas, para combater pela liberdade do Brasil e dos brasileiros (CAMARGO, 2014, p. 73)

Esse mesmo livro de contos que tem uma passagem libertária como essa, tem também passagens que Cristiano Alves, com certeza, repudiaria como "pós-modernas" e "porcas":

No meu delírio eu afagava seus cabelos (...). Era como se uma onda forte tomasse conta de mim como se eu me elevasse acima da cama na qual nós estávamos como se eu crescesse ainda mais quanto mais eu me intumescia lá dentro daquele buraco apertado e quente e macio que me recebia querendo me expulsar até que minhas mãos agarraram o pescoço dele e eu comecei a apertar mais fortemente e aperta ouvia seus gritos que naquele momento eram grunhidos sempre com mais força eu apertava como se tivesse garras (...) (CAMARGO, 2014, P. 55).


Assim sendo, em algumas passagens como essas acima, orgânicas e autênticas no andamento dos contos, mas escandalosas acaso citadas isoladamente, o livro de contos de Fábio me faz lembrar Jean Genet em Nossa Senhora das Flores, assim como Pasolini e a linguagem desabrida de André Sant´Anna em Sexo. A experiência material e prática com a qual os contos lidam, que é em grande parte a violência e a homossexualidade, sobressai mais do que o trabalho com a linguagem e, dada matéria tão candente, terminamos por não focar na escritura, ou seja, no "como" uma "coisa" é contada e sim naquilo  que está sendo contado, como é por demais dramático. O conto O Beijo esboça uma ética materialista sobre o amor: "Afinal amar é sofrer e o amor espiritual nunca foi nada além de uma ilusão criada pelos poetas (CAMARGO, 2014, p. 48).

O que me espanta é que, dado o assunto, a linguagem de repente se torna uma escritura branca, transparente, dando lugar para que possamos focalizar principalmente os objetos nos quais ele focaliza sua atenção. Embora o autor tenha escrito mestrado sobre as mulheres de Machado, não há aqui finuras de machadiano e nem sutilezas marotas. Pelo contrário, os gritos de sua escrita "homocultural" saem roucos e guturais.

A Vida Suspensa é sem dúvida um livro necessário, um objeto inteiriço que nos queima as mãos. Os contos se interrelacionam: O Beijo, o Garoto e No More Kisses são um crime passional visto de vários ângulos; Desvario, Desgosto e Na Saída do Cinema são também um ato violento e criminoso visto por diversos pontos de vista, marcando o forte vínculo de Vida Suspensa ao cinema. Diante de um livro novo, sempre nos perguntamos: por que escrever mais um? Diante de Vida Suspensa, no entanto, não há esse tipo de indagação. Esse livro é quase um ser vivo, escrito com sangue, pulsando. Como o próprio autor define em Desgosto: "Não havia mais separação; a ficção tomava de assalto a realidade, ou a ficção estava demais impregnada de realidade: " (CAMARGO, 2014, p. 33).

Apenas no último conto, Espaços, a escritura branca se desvanece e surge uma elucubração teórica camarguiana -- ele, então, se define de corpo inteiro, definindo seu leitor como um espelho quebrado e, muito bem, definindo sua escritura: "pois este me lê em partes assim como meu texto só o suporta pelos fragmentos" (CAMARGO, 2014, p. 88). Assim finaliza-se esse livro de contos que nos deixa sempre com a respiração suspensa e, na realidade, não finda quando terminamos a leitura, pois nos deixa com suas imagens acompanhando-nos, suspensas no ar, após a leitura. Isso é uma grande vitória para um autor nos dias que correm.





9 comentários:

Felipe disse...

Lúcio, esse A Vida Suspensa foi publicado em livro?

Revistacidadesol disse...

Sim, foi, Felipe, pela editora Scriptum, nesse ano. Faltou isso na resenha. Abs!

Felipe disse...

Lúcio, pelo que eu já li das postagens do Cristiano no blog A Página Vermelha, acho que ele não é contra todos os homossexuais, mas dos excessos do movimento LGBT.

Revistacidadesol disse...

Felipe: eu rompi com ele quando ele começou a disseminar a frase de Gorky "extermine os homossexualistas e irá exterminar os fascistas". Eu achei que é uma frase que serve a interpretações equivocadas. É claro que tb sou a favor de criticar o movimento lgbtt, o próprio Jean chegou a insinuar que o avião da Holanda foi derrubado pela Rússia por homofobia!

Revistacidadesol disse...

Não confie em Cristiano! Ele tb teve a safadeza de apoiar a Copa do governo do PT.

Revistacidadesol disse...

E ele faz isso em nome de Stálin, veja só. Ele andou aproximando Fifa e Stálin.

Anônimo disse...

Você rompeu com Cristiano? Ora, que piada, vocês são farinha do mesmo saco, porra!

Revistacidadesol disse...

Eu rompi. Não assino embaixo de quem ataca o movimento pelos direitos civis ou ataca a torto e a direito os outros chamando de pós-modernistas, ou seja, sai rotulando.
Igualmente, não sou a favor da Copa e dos abusos do governo petista, que fez vários presos políticos até agora perseguidos, como Sininho e Igor Mendes. Estamos vivendo um estado de exceção fascista!

Anônimo disse...

Parabéns, Lúcio. Pelo menos você é um comunista de respeito. E olhe que eu não sigo Mao.
PS: Sou seguidor de Enrico Malatesta.
Abraços.