quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Rafael Freitas e a tese antifeudal


Essa postagem foi feita  pedido de Rafael Freitas: Rafael, você me pediu para polemizar a respeito, pelo que entendi, a respeito da tese do semi-feudalismo no Brasil.

A sua fala no programa envolveu também uma outra questão, que é a continuação entre Lula/Dilma e Vargas e Jango, objeto de uma obra do professor Cássio. Eu considero esse paralelo absurdo, Suponho que Cássio o faz porque Dilma gosta de se ver assim e, possivelmente, ele esperava fazer carreira com esse tipo de obra. Ao contrário de ampliar direitos trabalhistas, Lula e Dilma, neoliberais, ampliam as privatizações e terceirizações, assim como a economia do Brasil tem voltado a exportar apenas gêneros primários. Estamos voltando a ser colônia, desindustrializando-se. É uma tragédia.

Igualmente trágica é a dominância do revisionismo na academia, quando não das ideias pós-modernistas. O grande problema é que jamais se fala em latifúndio, senão em agronegócio, o que ameniza bastante o seu caráter atrasado.

Segundo a teoria crítica (Lênin), ou existe uma ruptura com o latifúndio do tipo norte-americano (guerra civil americana) ou os latifúndios vão se modernizando eternamente (no estilo da Alemanha de meados do século XX, com os grandes fazendeiros, os chamados junkers). Ao nosso ver, o caso do Brasil é o segundo caso.

Quando se abandona a tese semi-feudal, com teóricos como Caio Prado Júnior, o latifúndio como contradição das maiores da sociedade brasileira perde sua relevância. Em tese, o latifúndio poderia desaparecer e tornar ainda mais consolidado o capitalismo brasileiro. Essa era a ideia do presidente João Goulart. O golpe de 64, no entanto, mostrou que o sistema capitalista nacional e internacional estão profundamente atados. 

Sendo assim, quanto mais aumenta a pressão contra o latifúndio --e ela é premente na sociedade brasileira e só aumentará nos próximos anos --mais o estado tende a gerar um grande pacto para sua defesa, tendo para isso apoio internacional. Por isso o estranho consórcio, presente agora no governo Dilma, entre o que no primeiro mundo é extremamente atrasado (Kátia Abreu) e o representante dos bancos e do capital estrangeiro, supostamente sofisticado (Joaquim Levy). Os conflitos sangrentos que o latifúndio provoca tendem a obrigar mesmo os liberais e os  modernos a quererem abatê-lo, daí a atitude de Rui Falcão do PT a defender, de boca, a reforma agrária.

Na realidade, no entanto, é que o país não vai nunca ser uma Austrália, como queria Brizola, ou uma Noruega ensolarada, como sonham um Paulo Falcão (do blog Questões Relevantes) ou seu antípoda Lula. O dilema do país é: subcapitalismo (exploração pelo exterior, miséria, atraso, latifúndio) ou socialismo. Mas o socialismo sumiu do horizonte da discussão contemporânea, eis nossa tragédia mais profunda.

 E o pior, o que tem acontecido nos últimos anos é justamente a alienação social tem chegado a níveis assustadores. Há quem venha ao meu blog absolutamente assustado, aterrorizado mesmo com o  blog ter-se tornado, de forma assombrosa, de revista de variedades em disseminador das malvadezas do comunismo.

No entanto, o cenário social, em geral, favorece esse tipo de falácia tem larga circulação. O que eu suponho que acontece é o seguinte: o PT está hoje aliado a um setor empresarial, o burocrático, arrastando para essa aliança a pequena burguesia radicalizada e os setores mais privilegiados do proletariado que o compunham. Essa aliança, presidida por Lula, líder carismático que hoje domina o partido, assim como dá o tom no estado, é o assim chamado lulismo. No entanto, há uma divisão entre os lulistas e os seus opositores dentro do estado, o PSDB e alguns outros setores agro-exportadores. Ambos coabitam o estado, rivalizam em eleições, mas as diferenças entre ambos, na prática, são pequenas. Não existe disputa efetiva de projeto.

O que tem incomodado muito ultimamente o outro setor tem sido a presença da militância petista, que do ponto da classe dominante é um constrangimento.

Em primeiro, considero muito importante os programas História em Pauta que você faz no youtube, pelas rádios pela web, assim como considero uma realização importante o Grupo de estudos Cipriano Barata

Sobre esse assunto, também sou aprendiz, mas você que é leitor de Nelson Werneck Sodré sabe que essa teoria ficou bem fundamentada e está sendo discutida agora no século XXI pelo seguinte motivo: no Brasil a reforma agrária não foi feita. Ou é consenso que não foi feita completamente. Ela foi um grande tema no governo FHC. Recentemente, de forma discreta, num perfil na Revista Piauí, Rui Falcão, presidente do PT, prometeu a reforma agrária. Logo, ela não foi realizada. Isso é que gera a continuidade da questão até hoje em dia.

Esse paralelo Vargas/Lula não é recente, mas no passado Lula sempre rejeitou aproximações. Mas parece ter mudado de opinião, talvez devido ao fato de que Dilma veio do PDT e esse partido hoje se alinhou ao PT de forma dócil, o que não acontecia anteriormente. Lula, no passado, era bem veemente ao recusar o trabalhismo de Vargas, dizendo que a CLT era a AI-5 dos trabalhadores. Igualmente, alegava que a greve de Osasco em 68, apoiada pela VPR, tinha nascido na universidade, era ligada aos estudantes e não era autêntica. Ou seja: Lula marcou desde sempre posições bem próximas à de hoje: era udenista de macação, era anti-revolucionário, menosprezando a luta armada nos anos 70, etc. Brizola sempre cobrou de Lula que a criação dos sindicatos por Vargas possibilitou o surgimento de Lula nos anos 70. 

O que se pode supor é que Vargas buscou articular o estado, levando adiante um projeto nacional que era, apesar dos avanços, bem próximo ao que se pode chamar de burguesia burocrática. O capitalismo burocrático caracteriza-se pelo acomodamento dos resíduos pré-capitalistas como o latifúndio com a burguesia e o capital estrangeiro. Disso resulta um capitalismo atrasado, doente, problemático desde sempre em confronto com aquele do centro cultural capitalista europeu, australiano e norte-americano. O sonho de Brizola era evoluir o capitalismo brasileiro para uma situação imperialista como a da Austrália. Isso, no entanto, implica em problemas sérios para outros países do chamado "primeiro mundo". Brizola, no entanto, era um social-democrata sincero. Lula e o PT foram apadrinhados pelo castrismo desde o princípio. Os primeiros chefes de estado a receberem Lula foram Fidel Castro, Daniel Ortega da Nicarágua e Khadafi da Líbia.

Hoje Fidel Castro, através da fala de Hugo Chávez alguns anos atrás, propõe o socialismo cristão e define o marxismo-leninismo como obsoleto. Apoiados pelo PCB revisionista e contando com a simpatia da maioria da esquerda brasileira, os castro-chavistas (Correa, Maduro, Kirchner, Ortega hoje em dia, dentre outros) são todos social-democratas reformistas e propõem o cristianismo político. Esse ideário também é o predominante entre os integrantes do Grupo de Estudos Cipriano Barata. Eu suponho que as questões levantadas pelo GEACB são muito importantes. A questão nacional nos países latino-americanos é fundamental, mas faço essa distinção que considero bastante importante.

O alinhamento do PDT ao PT e o aproveitamento torpe da figura de Vargas está ocorrendo para validar a relação entre estado e sindicatos que Lula de início condenou, tendo aprendido outra coisa bem diferente nos cursos orientados por norte-americanos que supostamente chegou a cursar. De início, Lula defendia em entrevistas a organização dos sindicatos no esquema um por empresa, "como nos Estados Unidos". Ele aprendeu isso onde? Espontaneamente não foi. No entanto, boa parte da esquerda luxemburgista e trostsquista caiu no conto do operário, imaginando que estava vendo a prova viva de que Lênin estava errado e a consciência de classe revolucionária poderia nascer espontaneamente no proletariado, uma vez que Lula falava em socialismo (apenas retórica oportunista em sua boca).

O PT passou da infantilidade esquerdista (uma vez que repetiam chavões castristas ou trotsquistas nos quais não acreditavam) para uma senilidade neoliberal, sem passar pela maturidade social-democrata, que nos pouparia da situação catastrófica de agora, quando o PT neoliberal arrasta uma boa parte da esquerda organizada, intelectuais, jornalistas, sindicatos, etc, para, por exemplo, a cumplicidade nojenta com o estado e com a prisão de ativistas como Igor Mendes, do MEPR, já há dezenove dias esperando a triagem na prisão, já tendo estado, na época da Copa do Mundo, preso em Bangu, acusado de ser responsável por protestos. Enquanto Igor está há dias sem lápis, banho de sol, compras na cantina, dentre outros castigos, a intelectualidade não se mobiliza a seu favor, ignora. Entendemos agora o que aconteceu no regime de 64: a ninguém era interessante manifestar-se a favor daqueles presos políticos e sofrer a ferrada que viria a seguir. O mesmo hoje. No entanto, embora ele seja um preso político, embora Sininho, também uma ativista, também tenha tido que fugir da justiça, há completa insensibilidade para esse drama dos presos políticos do nosso estado totalitário gerado a partir de junho do ano de 2013 e acirrado com a Copa, embora presidido por uma ex-presa política, o que é uma vergonha!

 Para esconder essa sua formação por liberais norte-americanos durante a ditadura (independente se fora do Brasil ou não), Lula ativamente alavancou o mito de que ele é um "cara que não gosta muito de ler", "que livros parecem esteiras", é apenas "o operário que gosta de churrasco", que tem como admirações Hitler, Khomeini, Castro e Guevara (dando a entender que seria muito anti-americano), dentre outros mitos e falácias a seu redor, que floresceram devido à sua origem de classe. A formação ideológica e cultural de Lula, no entanto, é paulista.






2 comentários:

Anônimo disse...

Feliz Ano Novo, Lúcio! Para você e sua família!

Revistacidadesol disse...

Obrigado!