A
moral do livro de poemas de Antônio Siúves (Manduruvá Edições) parece-me uma
moral ligada a Proust e a Pedro Nava: o autor demonstra uma sensibilidade
ligada ao que a cidade –Belo Horizonte, que aparece como “Belizon” em “Ruas de Belizon”—tem
de mais poético, mais ligado a um passado em que a vida nessa que agora é uma
grande cidade era mais humana. Enquanto a cidade é destruída mais uma vez pela
especulação imobiliária, ao poeta resta lembrar o odor das damas-da-noite nas
ruas de Belo Horizonte e preservar esse odor. Esse odor das damas-da-noite do
passado está salpicado, aqui e ali, nas luas de Moral das Horas. O poeta exemplifica sua poética ligada à cidade em Olavin Testino (MD): “a arquitetura
para sempre farisaica da cidade [vinte vezes destruída em um século] conserva o
vetor determinista do arremedo. Arquitetos cortam moldes baratos nos magazines
da corte e praticam colagens” (SIUVES, 2013, p. 88). Siúves cita diretamente
Shakespeare, T. S. Eliot, Galáxias de
Haroldo de Campos, Mario Vargas Lhosa, dentre outros. Há um travo de melancolia
que lembra, por vezes, Drummond. Mas nesse departamento o poeta parece ir muito
bem: Siúves veleja bem nos mares do não.
Seu
apego a Belo Horizonte faz lembrar Amanuense
Belmiro, de Ciro dos Anjos, mas ao contrário do romancista, que na verdade
celebra não a cidade, mas os tipos curiosos que compõem sua roda de amigos nos
anos 30, os poemas de Siúves oscilam entre três pólos: o homem e as coisas (numa
relação quase sempre fria), a solidão, a cidade.
Como
sugere a lua na capa, o poeta é noturno. Ele, como diz de Van Gogh, é um mestre
da luz que cultiva como musa a escuridão. O poema Ontem à Tarde Li: “Ó noite
lilás, tremente, fulgente, horizontal./Dentro de si se embriagam no arraial”.
Os
momentos que mais me fascinam em Moral das Horas são aqueles em que ele se
volta para a própria arte: “Quem Escreve Nunca Alcança”, negação do senso comum
otimista, torna-se praticamente o seu dístico e chega até mesmo a constituir
uma parte do livro de poemas. O poema para o pintor Fernando Fiúza em “Os Meus
Outros” é também de uma beleza plástica: é um momento em que o poeta noturno
dialoga com as artes plásticas. E são parte da brilhante divisão dos poemas que
estrutura o livro.
No
poema Loucura e Lucidez (ou a balada da
autocomiseração possível) o poeta canta essa bipolaridade com sotaque
drummondiano. Para esse poeta, a vida não é diversão, ele é um trágico. Por
isso a citação de Lhosa muito bem o define, em choque com uma civilização do
espetáculo, em “Enojei-me dos cadernos de
comida”(que são, no jornalismo, substituto da literatura): “Esta é uma
realidade enraizada em nosso tempo. A partir do nascimento das novas gerações,
uma maneira de ser, de viver e acaso de morrer do mundo que nos tocou, a nós,
de ser afortunados cidadãos (...) aos que (...) a liberdade, as ideias, os
valores, os livros, a arte e a literatura do Ocidente nos têm deparado com o
privilégio de converter ao entretenimento passageiro em aspiração suprema da
vida humana e ao direito de contemplar com cinismo e desdém tudo que aborrece,
preocupa e nos recorda que a vida não é somente diversão”. Essa passagem é
chave para entender a poética de Siúves: ele foca naquilo que incomoda, na
morte, o “continente ainda não descoberto” do pós-humano que preocupa, no que é
denso, profundo, no que não demanda compreensão fácil, enfim, naquilo que
sobrevive ao tempo. O poeta é preciso, econômico nas palavras. Ao fazer versos
brancos, não deixa também de observar a musicalidade (melopeia); ao colocar a
dança do pensamento entre as palavras (logopeia), não deixa também de trazer
imagens (fanopeia). Siúves parece buscar contemplar essas três esferas poéticas
mapeadas por Ezra Pound em Abc da
Literatura. Eu sigo o pensamento de Siúves: “se o jornal morreu, estou no
blog”.
Lúcio Jr.
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