O bolchevismo cultural é quando o
maestro Otto Klemperer compõe tempos diferentes do seu colega Guilherme
Furtwangler; quando um pintor acrescenta uma cor ao seu por do sol que não é
vista na Transpomerânia; quando se favorece o controle de natalidade; quando se
constrói uma cada com um telhado plano; quando um parto por cesariana é
mostrado na tela; quando se admira o desempenho de Charlie Chaplin e a magia
matemática de Albert Einstein. Isso é chamado de bolchevismo cultural e um
favor prestado ao Herr Stalin. É também a mentalidade democrática dos irmãos
Heirich e Thomas Mann, um pedaço de música de Paulo Hindemith ou Kurt Weil, e
está para ser identificada com a histérica insistência de um homem louco por
uma lei que lhe permita concessão para casar-se com a própria avó (OSSIETZSKY,
2019, P. 3)
Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
quarta-feira, 22 de julho de 2020
domingo, 12 de julho de 2020
Lenin e Sua Crítica a Dostoiévski
Lenin em Dostoiévski (traduzido do russo)
Política
r / JordanPeterson
•
Postado poru / Anaphaxeton
há 4 meses
Lenin em Dostoiévski (traduzido do russo)
Controverso
(De "O Outro Lenin", de Alexander Maysuryan.
Moscou: 2006.) (Майсурян А. А. Другой Ленин. М., 2006.)
A opinião de Lenin em relação a Nechaev estava
intimamente entrelaçada com a opinião de Lenin sobre o "revoltante, ainda
que gênio" Dostoiévski. Lenin decidiu não ler "Os Demônios"
[...] Lenin admitiu: ["Demônios" é] Sujeira evidentemente reacionária,
como "Rebanho de Panurge" de Krestovsky, não tenho absolutamente
nenhum desejo de perder tempo com isso. Não preciso dessa literatura; o que
isso poderia me dar? [...] não tenho tempo livre para esse lixo ".
Lenin não considerou as demais obras do autor. Em
"Os Irmãos Karamazov", juntamente com "Demônios", ele se
expressou da seguinte maneira: "Estou familiarizado com o conteúdo de
ambas as obras pungentes, e isso é mais do que suficiente para mim. Comecei a
ler os" Irmãos Karamazov ". e depois largou: as cenas no mosteiro me
deixaram doente. "
Lenin, no entanto, leu o romance "Crime e
Castigo". Um de seus camaradas comentou com ele no calor de uma discussão:
"Pode-se chegar facilmente a" Tudo é permitido
", de Raskolnikov, nesse ritmo".
"O que Raskolnikov?"
"Dostoiévski, de" Crime e Castigo ".
Lenin seguiu com desprezo desenfreado: "Tudo é
permitido" ?! Então, chegamos aos sentimentos e às palavras mesquinhas de
um intelectual indecente que deseja afogar questões revolucionárias no vômito
moralizante. De que Raskolnikov você está falando? Aquele que bateu na velha
cadela que empresta dinheiro, ou que bateu com a testa no chão em histeria
penitente no mercado mais tarde? Talvez esse tipo de coisa te atraia? [...]
Trotsky observou: "Nada repeliu Lenin mais do que o
menor indício de sentimentalismo ou waffling psicológico".
Essa atitude foi confirmada por Nadezhda Krupskaya
(esposa de Lenin): "Ele era muito rigoroso consigo mesmo. Mas desprezava
escavar e torturar a auto-análise na alma".
Lenin foi repelido pela atenção excessivamente próxima
aos lados sombrios da natureza humana; ele se referiu a isso como
"imitação feia do feio Dostoiévski" em uma de suas cartas. E
acrescentou, explicando a si mesmo: "Uma vez coube a mim passar a noite
com um camarada doente com Delirium Tremens (abstinência de álcool) e uma
vez" calar a boca "um camarada tentando cometer suicídio (após uma
tentativa) e quem consequentemente, em alguns anos, acabou se matando ... Mas
em ambos os casos, eram pequenos pedaços da vida de ambos os camaradas, mas
buscar tais "pedaços" na vida, a fim de juntá-los [.. .] significa
pintar horrores, aterrorizar tanto a própria imaginação quanto a do leitor
".
Ao mesmo tempo, Lenin observou uma vez: "Não se
esqueça que Dostoiévski já foi condenado à execução. Ele foi submetido ao
ritual bárbaro de redução de patente, e mais tarde foi anunciado que Nicholas
eu o" perdoara ", exilando-o. para um campo de trabalho ".
No que diz respeito às obras de Dostoiévski, Lenin
pensava principalmente em "Casa dos Mortos". Ele chamou esse romance
de "uma obra insuperável da literatura russa e mundial, que ilustrou
maravilhosamente não apenas os campos de trabalho, mas também a" casa dos
mortos ", na qual o povo russo vivia sob os czares da casa de
Romanov".
Na lista de monumentos de 20 autores russos que deveriam
ser instalados após a revolução, aprovada por Lenin, lemos:
"1. Tolstoi.
2. Dostoiévski ... "
Dai a César o que é de César
CRÔNICAS
Dai a César o que é de César Santo Velho Muitas figuras do mundo da fantasia, pois é assim que vejo tipos considerados no mínimo esquisitóides, já transitaram por nossas ruas outrora empoeiradas, povoadas de cavaleiros, tropas de burros, carros de bois, agora entupidas de automóveis, motos, mulheres, crianças, velhos, bicicletas, e cachorros. Por estas ruas vimos desfilar a Júlia Doida, o Romeu das Latinhas, a Futrica, o Ministro Bode, o João Sapato, cuja existência quixotesca, já foi registrada em prosa e verso, por nossos escrivinhadores. Pois bem, estamos vivendo o auge das reinações do Cláudio cego e do ex-Homem do Saco, agora transformado no mais augusto César das ruas solarenses. Via-o de vez em quando, rosto coberto pela burca da camiseta encardida e esburacada, na Rua Vigário Nicolau, a navegar nos mares endiabrados de altas indagações filosóficas, estimulado pelo Mário Morais, que muito se divertia com a soberba intuição do Homem do Saco. Claro que no final, saía o chorado e custoso Real, único objetivo desse personagem brotado, quem sabe, de algum livro de ficção ainda inédito. Desço toda tarde a Rua Faustino Teixeira, rumo à Panoli, para buscar o meu pão de cada dia ou, mais precisamente, a rosca caipira que me faz lembrar as quitandas da minha avó, a saudosa Dona Adelina do Jonas do Espírito Santo, este, o famoso maquinista da 207, da antiga RMV; Rede Mineira de Viação, a Ruim Mas Vai. Entre lembranças da velha estação ferroviária, das oficinas que por ali existiam, da figura do maquinista Jonas, azeitando a sua locomotiva, a mais lustrosa de toda a companhia, deparo com o nosso César. Não usa mais a burca; ele mesmo é que assim denominou a fralda da sua camiseta sempre em estado deplorável. O que me chama a atenção agora é o seu cachorro. Um vira-lata evidentemente, mas exibindo pompa e majestade. É altivo e dócil. Não resisto e, antes de dar a César o Real implorado, faço ao nosso augusto imperador, a pergunta banal que todo mundo faz: Qual é o nome do cachorro, César? A resposta veio pronta: Cobertor! Ele viu o meu espanto. É Cobertor. Ele me dá cobertura, enquanto trabalho... Perguntei se podia tirar uma foto do seu fiel escudeiro. César não entendeu e pensou que eu queria comprar o Cobertor e ficou bravo. O Cobertor eu não vendo por dinheiro nenhum, nem 100 mil dólares. Já teve um americano interessado, mas não vendo. Ele dome comigo na mesma cama, come no meu prato. Fiquei sem saber se desfazia o equívoco ou se seguia o meu caminho. Na minha hesitação, César pôs-se a afagar o Cobertor e segredar-lhe palavras de carinho. Não é, Cobertorzinho, vendo ocê não... ele é meu Cobertor quentinho...Meu Cobertor... de orelha. |
quinta-feira, 9 de julho de 2020
Anticristo Superstar
Estou andando obcecado com o "gênio louco doloroso" de que falou Heraldo
Barbuy na introdução de O Viandante e Sua Sombra.
O desejo de virar um super-homem começou cedo a influenciar minha vida. Tudo começou quando
tinha sete anos de idade. Eu ganhei a roupa do super-homem, e passei a me
achar o próprio. Eu subia na sacada de nossa casa em Uberaba e ameaçava
alçar voô. Minha mãe, preocupada, me advertiu de que se eu caísse, morreria.
Disse que isso ocorreu com um menino nas mesmas circunstâncias (?).
Esse mito é o que move todos os super-heróis, inclusive os x-men,
provavelmente. É sempre um indivíduo que se torna um homem mais evoluído,
mesmo em Zaratustra, e por isso Heraldo Barbuy afirma que Zaratustra morreu
e que gosta dos homens, espera agora em diante o advento da super-humanidade
e não do super-homem. Uma boa solução a posteriori.
Outro dia na Folha disseram que o sonho de Nietzsche era uma
aristocracia planetária de bestas loiras germânicas. Podemos supor que os desenhistas norte-americanos que criaram o super-herói (sabidamente o pai de todos os demais) se
apropriaram desse mito, tornando-o mais liberal e mais cósmico, digamos
assim. Vide o desenho animado "Super-Amigos" que animou minhas tardes de
infância (e adolescência). Eles eram nada mais nada menos do que essa aristocracia, esses
humanos com super-poderes trabalhando de polícia do universo na Hall of
Justice dos States. Exterminavam as ameaças à ordem e terminavam sempre
rindo. Eles eram super-heróis de uma humanidade sofredora, que não se
tornava protagonista de seu destino como um todo e ficava submetida a essa
elite. Mesmo entre os super-amigos havia uma hierarquia (a hierarquia é uma das obsessões de Nietzsche), com o Super-homem e a Mulher Maravilha sendo os mais fortes e os super-gêmeos sempre, literalmente, pagando mico...
Talvez para evitarem esse tipo de associação que estou fazendo, os
nietzschianos traduzem "übermensch" por além do homem e deixam o mito do
super-homem prá lá.
Ora, no próprio hino nacional alemão está: "deutschland über alles", a
Alemanha acima de tudo. Notemos que nem na Marselhesa, nem no Hino Nacional
ou da Bandeira há algo assim. O hino francês chama os cidadãos a defenderem
o solo pátrio, o brasileiro fala que devemos nos orgulhar do que já temos,
que é do bom e do melhor. Há, no próprio hino germânico, a obsessão com
hierarquia e superação que perpassa a obra nietzschiana. Mas não acho, no
entanto, que a obra de Nietzsche seja compatível com nazismo ou o
neonazismo, a não ser se forem realizadas muitas distorções.
Devemos0 notar que existiram seguidores do filosófo alemão
em países pobres e fracos, ex-colônias, como a Colômbia (Vargas Villa) e o México (José Vasconcellos). Esse último,
coincidentemente, dizia que a "raça cósmica" nasceria em algum lugar entre o
Amazonas e o Prata...O super-homem nascerá nos trópicos!
O fato inegável é que o capitalismo desenvolvido chegou, ainda que tardio. E seu
local é a América do Norte. O mito do Super-homem foi retrabalhado pela indústria cultural, surgiu então o super-homem de massa
de que fala Umberto Eco, o superist, superflit, superbacana de que tratou
Caetano Veloso: vivemos no dia-a-dia uma versão degradada das idéias de
Nietzsche e cada um de nós imergiu em sua própria arrogância, esperando dos
demais seres inferiores, fracotes, um pouco de afeição...Até Jô Soares
pintou um quadro chamado "O Filho do Super-homem" em que ele se retrata
enquanto o próprio, dormindo sobre jornais na poltrona, enquanto atrás vemos
um quadro do autor de A Vontade de Potência, como um retrato de
antepassado...O problema de quem fala em superação do homem é esse, esse
"eu" que enuncia essas profecias é sempre o profeta desse "homo superior" ou
é ele próprio esse fruto dessa (r)evolução darwinista.
Só Jesus Cristo não teve esse problema, mas ele se dizia um semi-deus -- e
depois Deus matou o filho de Deus em nome de Deus.
É ao mesmo tempo divertido e assustador saber que estamos às voltas com
Dionísios Pop tais como Jorge Mautner e o finado Jim Morrison. Será o rock
sobrevivência de Dionísio, romantismo desesperado, como supôs Mautner em
Deus da Chuva e da Morte?
O rock pode e poderá ser nietszschiano, mas Nietzsche jamais será roqueiro.
David Bowie fez um disco muito obcecado com os jovens dos anos 70 como uma
nova raça (Hunky Dory) e que tinha uma música (The Supermen) em que ele
narra uma "queda original" da humanidade, que era formada por super-homens
imortais, que viviam pela eternidade, guardava uma ilha sem amor e dormiam
sofrendo com esse peso, até que um deles matou o seu semelhante, provocando
a morte dos super-deuses e (supomos) gerando esse ciclo de nascimento e
morte em que estamos agora.
Para encerrar esse assunto, o que podemos dizer com certeza é que o rock
é uma música negro-mestiça e portanto bem pouco parecida com Debussy, Wagner
e outros compositores da preferência do profeta do eterno retorno, esse
verdadeiro Anticristo Superstar que morreu há cem anos. Quem será hoje o jovem
nietzschiano, aquele que escreve um trabalho acadêmico ou aquele que
exprime enunciados nietzschianos no decorrer de uma vivência?
Mas com isso não quero dizer que ambos se excluam
Barbuy na introdução de O Viandante e Sua Sombra.
O desejo de virar um super-homem começou cedo a influenciar minha vida. Tudo começou quando
tinha sete anos de idade. Eu ganhei a roupa do super-homem, e passei a me
achar o próprio. Eu subia na sacada de nossa casa em Uberaba e ameaçava
alçar voô. Minha mãe, preocupada, me advertiu de que se eu caísse, morreria.
Disse que isso ocorreu com um menino nas mesmas circunstâncias (?).
Esse mito é o que move todos os super-heróis, inclusive os x-men,
provavelmente. É sempre um indivíduo que se torna um homem mais evoluído,
mesmo em Zaratustra, e por isso Heraldo Barbuy afirma que Zaratustra morreu
e que gosta dos homens, espera agora em diante o advento da super-humanidade
e não do super-homem. Uma boa solução a posteriori.
Outro dia na Folha disseram que o sonho de Nietzsche era uma
aristocracia planetária de bestas loiras germânicas. Podemos supor que os desenhistas norte-americanos que criaram o super-herói (sabidamente o pai de todos os demais) se
apropriaram desse mito, tornando-o mais liberal e mais cósmico, digamos
assim. Vide o desenho animado "Super-Amigos" que animou minhas tardes de
infância (e adolescência). Eles eram nada mais nada menos do que essa aristocracia, esses
humanos com super-poderes trabalhando de polícia do universo na Hall of
Justice dos States. Exterminavam as ameaças à ordem e terminavam sempre
rindo. Eles eram super-heróis de uma humanidade sofredora, que não se
tornava protagonista de seu destino como um todo e ficava submetida a essa
elite. Mesmo entre os super-amigos havia uma hierarquia (a hierarquia é uma das obsessões de Nietzsche), com o Super-homem e a Mulher Maravilha sendo os mais fortes e os super-gêmeos sempre, literalmente, pagando mico...
Talvez para evitarem esse tipo de associação que estou fazendo, os
nietzschianos traduzem "übermensch" por além do homem e deixam o mito do
super-homem prá lá.
Ora, no próprio hino nacional alemão está: "deutschland über alles", a
Alemanha acima de tudo. Notemos que nem na Marselhesa, nem no Hino Nacional
ou da Bandeira há algo assim. O hino francês chama os cidadãos a defenderem
o solo pátrio, o brasileiro fala que devemos nos orgulhar do que já temos,
que é do bom e do melhor. Há, no próprio hino germânico, a obsessão com
hierarquia e superação que perpassa a obra nietzschiana. Mas não acho, no
entanto, que a obra de Nietzsche seja compatível com nazismo ou o
neonazismo, a não ser se forem realizadas muitas distorções.
Devemos0 notar que existiram seguidores do filosófo alemão
em países pobres e fracos, ex-colônias, como a Colômbia (Vargas Villa) e o México (José Vasconcellos). Esse último,
coincidentemente, dizia que a "raça cósmica" nasceria em algum lugar entre o
Amazonas e o Prata...O super-homem nascerá nos trópicos!
O fato inegável é que o capitalismo desenvolvido chegou, ainda que tardio. E seu
local é a América do Norte. O mito do Super-homem foi retrabalhado pela indústria cultural, surgiu então o super-homem de massa
de que fala Umberto Eco, o superist, superflit, superbacana de que tratou
Caetano Veloso: vivemos no dia-a-dia uma versão degradada das idéias de
Nietzsche e cada um de nós imergiu em sua própria arrogância, esperando dos
demais seres inferiores, fracotes, um pouco de afeição...Até Jô Soares
pintou um quadro chamado "O Filho do Super-homem" em que ele se retrata
enquanto o próprio, dormindo sobre jornais na poltrona, enquanto atrás vemos
um quadro do autor de A Vontade de Potência, como um retrato de
antepassado...O problema de quem fala em superação do homem é esse, esse
"eu" que enuncia essas profecias é sempre o profeta desse "homo superior" ou
é ele próprio esse fruto dessa (r)evolução darwinista.
Só Jesus Cristo não teve esse problema, mas ele se dizia um semi-deus -- e
depois Deus matou o filho de Deus em nome de Deus.
É ao mesmo tempo divertido e assustador saber que estamos às voltas com
Dionísios Pop tais como Jorge Mautner e o finado Jim Morrison. Será o rock
sobrevivência de Dionísio, romantismo desesperado, como supôs Mautner em
Deus da Chuva e da Morte?
O rock pode e poderá ser nietszschiano, mas Nietzsche jamais será roqueiro.
David Bowie fez um disco muito obcecado com os jovens dos anos 70 como uma
nova raça (Hunky Dory) e que tinha uma música (The Supermen) em que ele
narra uma "queda original" da humanidade, que era formada por super-homens
imortais, que viviam pela eternidade, guardava uma ilha sem amor e dormiam
sofrendo com esse peso, até que um deles matou o seu semelhante, provocando
a morte dos super-deuses e (supomos) gerando esse ciclo de nascimento e
morte em que estamos agora.
Para encerrar esse assunto, o que podemos dizer com certeza é que o rock
é uma música negro-mestiça e portanto bem pouco parecida com Debussy, Wagner
e outros compositores da preferência do profeta do eterno retorno, esse
verdadeiro Anticristo Superstar que morreu há cem anos. Quem será hoje o jovem
nietzschiano, aquele que escreve um trabalho acadêmico ou aquele que
exprime enunciados nietzschianos no decorrer de uma vivência?
Mas com isso não quero dizer que ambos se excluam
Da Utopia à Antropofagia
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior*
Ainda nos anos 2000, muitos não sabem que Oswald de Andrade, além de escritor, jornalista e dramaturgo, possuía um projeto filosófico. Essa dimensão do autor não foi, até hoje, levada a sério entre os que estudam Filosofia. Nos anos 20, Oswald escreveu duas influentes exposições de idéias, configurando um pensamento altamente moderno: o Manifesto Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago. Seus textos filosóficos dos anos 40 e 50 (reunidos em dois volumes: Estética e Política e A Utopia Antropofágica) foram uma tentativa de sistematizar e fundamentar as idéias outrora esboçadas em uma forma fragmentária, ou seja, na breve e agressiva exposição de motivos que pediam os Manifestos.
Vejamos um exemplo da revisão de suas idéias. Primeiramente, Oswald escreveu no Manifesto Antropófago: “Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem” (ANDRADE, 1990, p. 101). Mais tarde, na Crise da Filosofia Messiânica, explicou esse ponto de vista, defendendo a Antropofagia da acusação inquisitorial de amoralidade: “A operação metafísica que se liga ao rito antropofágico é a da transformação do tabu em totem. Do valor oposto ao valor favorável. A vida é devoração pura (…). Antes pertence como ato religioso ao rico mundo espiritual do homem primitivo” (ANDRADE, 1990, p. 101).
Pode-se dizer que sempre pulsou, em Oswald, um componente romântico, no sentido da busca de ideais. Mas, para Oswald, essas eram idéias que devoravam. O conceito de Antropofagia foi aquele que teve a melhor recepção em toda sua obra. Ele foi pensado, originalmente, como um diálogo com Montaigne, especialmente seu ensaio Os Canibais. Montaigne viu, naqueles índios brasileiros que visitavam a França, homens “recém-saídos das mãos de Deus”, revertendo a acusação que se fazia de serem bárbaros.
Em Filosofia, Oswald resolveu ir além de Montaigne, aproveitando a senda aberta para a revisão da cultura européia a partir do olhar dos “selvagens” do Novo Mundo. Na maturidade de seus ensaios filosóficos, Oswald misturou, a esse sonho de um homem antes da corrupção social, a consciência da luta de classe, deu a esse homem utópico a vontade de potência, temperada com a dialética de Hegel, separando sempre o caldo das liberdades individuais; a sobremesa foram os dilemas existenciais e “odontológicos”, afirmados por ele como mais importantes do que os “ontológicos”. “Le cannibal c´est moi”, poderia ter escrito a partir da leitura desse ensaio. Oswald passou a falar a partir do lugar desse habitante da América que vivia num mundo onde não existiam as palavras para “pecado” e “perdão”. O inventor da Antropofagia profetizou que o Brasil ficaria marcado por ter sido “um grilo de oito milhões de quilômetros quadrados” e que os conflitos entre a posse (o posseiro efetivamente instalado, o índio dono da terra) e a propriedade (o dono do título, a grande empresa detentora do capital) continuariam a se reproduzir, mesmo na atualidade, entre índios e colonos, sem-terra e latifundiários, etc.
Antropofagia era, em relação ao que veio antes, uma resposta somente cultural ao problema de identidade brasileiro, mas acabou indo além. A partir da Semana de Arte Moderna, não se trata mais de rejeitar o estrangeiro, é preciso incorporar o outro e ver o que há de si nele, além do que há de outro em si mesmo. Há uma convergência entre o Oswald dos anos 50 e o Ricoeur da maturidade: ambos tratam do “Le soi-même comme un autre”. Como foi explicado no Manifesto Antropofágico: “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu” (ANDRADE, 1990, p. 49).
Assim, enquanto princípio organizador de uma apropriação seletiva, a partir da Antropofagia pode-se organizar uma Bienal: a Antropofagia seria útil para brasileiros e estrangeiros, seria um conceito já exportado, indo além das condições e tempo de sua criação, um princípio transcendente. Será que a cultura brasileira conheceu algo semelhante antes?
Antes de Oswald, Machado de Assis tinha apresentado, satiricamente apenas, o conceito de Humanitas através de seu personagem Quincas Borba. A busca de um princípio universal para todas as coisas foi um dos fundamentos a partir dos quais nasceu a filosofia entre os sofistas. A Humanitas em Quincas Borba era a sátira de uma filosofia do século XIX que acabava justificando a lei do mais forte. Mesmo que muitas outras interpretações possam ser realizadas, a Antropofagia é sempre uma seleção crítica. O princípio funciona agregando valores: as idéias que servem são assimiladas, o que não interessa é descartado. Para além da dialética do senhor e do escravo, surge uma do “devorador” e do “devorado”.
Para refletirmos sobre a Humanitas, tomemos a palestra Sobre o Humanismo, de Martin Heidegger. Machado de Assis, ao escrever sobre esse termo, provavelmente sabia que, ao tempo da república romana, Humanitas foi pela primeira vez expressamente pensada e vista sob esse nome. O homo humanus só surgiu em comparação ao homo barbarus. A Paidéia era então traduzida por Humanitas. O primeiro humanismo era o encontro da romanidade com a cultura do helenismo. A Antropofagia seria, então, produto do encontro das civilizações indígena e africana com a latinidade européia.
Em Machado de Assis, Humanitas permanece a preocupação original de reconduzir o homem novamente à sua essência. E essa apareceu em Quincas Borba como sendo a devoração do mais fraco, o triunfo dos fortes. Na Antropofagia, essa essência é, como no primeiro humanismo, a necessidade do homem de encontrar a si mesmo no outro, assim como as culturas humanas se revigoram encontrando-se umas nas outras. Machado transformou, com sua ironia distanciada, a norma civilizatória (Paidéia) naquilo que deveria ser desvio, mas prosseguiu sendo a lei oculta da sociedade (lei da selva). Assim, em Quincas Borba, o Humanitas deixou de ser uma bagagem civilizatória para tornar-se desvio determinista na compreensão da complexidade da vida.
Quem sabe moldada a partir do Humanitas, a Antropofagia também propõe que a humanidade vive uma devoração universal, mas se opõe a simplesmente chancelar a lei da selva: é contestadora do poder e propõe superá-lo através da razão que devora a si mesma na dialética, assim como na síntese.
O marco temporal da Antropofagia foi a devoração do corrupto Bispo Sardinha, ou seja, a rebeldia sadia e pagã contra o colonialismo corruptor. Oswald também fez oposição a Sócrates, afirmando que foi um parasita ao mesmo tempo moralista e libertino, vivendo às custas das famílias ricas de Atenas. Ao contrário de moralizar, buscando esconder a contradição interna, Oswald propôs que as contradições fossem assumidas em vista de gerarem sínteses e superações futuras. Ele praticou ativamente esse programa: manifestou-se contra e favor de Getúlio Vargas e de Villa-Lobos. Porém, quando Oswald assim agia, não era por gosto de “virar a casaca”; com esse tipo de atitude, assumia que era um “homem em movimento”. Sobre Freud, observou de maneira arguta que aquilo que o fundador da psicanálise designou como ações dominadas pelo inconsciente eram atividades que apelavam fortemente à consciência: comer e fazer sexo (e chamou-as “consciente antropofágico”).
Pelo motivo mesmo de assumir a contradição interna e não ocultá-la, propondo sua própria contínua atualização, a Antropofagia possibilitou, por exemplo, prever o surgimento dos boêmios hippies e beatniks (jovens que queriam fruir o ócio possibilitado pela sociedade tecnológica e a liberdade de costumes trazida pela emancipação feminina, junto com o divórcio e a pílula): do choque entre o matriarcado primitivo, ainda que imaginário, com o patriarcalismo, surgiria um novo matriarcado, onde o ócio criativo seria possibilitado pela tecnologia. Os jovens boêmios de hoje, depois do surgimento dos beatniks e hippies, (e, na atualidade, dos ciberpunks e hackers), passaram a ser novos bárbaros, ou seja, desviantes das normas e convenções que usam a tecnologia contra elas.
Portanto, é preciso superar o dilema posto na abertura do Serafim, recolocado nos seguintes termos na contemporaneidade: entre os intelectuais e os brasileiros cultos, a opção ainda está entre dizer piadas e paradoxos em Nova York para encantar as elites vegetais ou tornar-se apresentador do circo mambembe da revolução (o que equivale a mitificar o operário).
Assim, encerrando essa reflexão que seguiu na trilha de Oswald, façamos uma última consideração: um verdadeiro socialista não pode mais confundir humildade com grosseria, hábitos de higiene e sofisticação com meras convenções burguesas; precisa conscientizar-se (e aos demais) de que o objetivo é que melhoremos todos como seres humano
Ainda nos anos 2000, muitos não sabem que Oswald de Andrade, além de escritor, jornalista e dramaturgo, possuía um projeto filosófico. Essa dimensão do autor não foi, até hoje, levada a sério entre os que estudam Filosofia. Nos anos 20, Oswald escreveu duas influentes exposições de idéias, configurando um pensamento altamente moderno: o Manifesto Pau-Brasil e o Manifesto Antropófago. Seus textos filosóficos dos anos 40 e 50 (reunidos em dois volumes: Estética e Política e A Utopia Antropofágica) foram uma tentativa de sistematizar e fundamentar as idéias outrora esboçadas em uma forma fragmentária, ou seja, na breve e agressiva exposição de motivos que pediam os Manifestos.
Vejamos um exemplo da revisão de suas idéias. Primeiramente, Oswald escreveu no Manifesto Antropófago: “Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem” (ANDRADE, 1990, p. 101). Mais tarde, na Crise da Filosofia Messiânica, explicou esse ponto de vista, defendendo a Antropofagia da acusação inquisitorial de amoralidade: “A operação metafísica que se liga ao rito antropofágico é a da transformação do tabu em totem. Do valor oposto ao valor favorável. A vida é devoração pura (…). Antes pertence como ato religioso ao rico mundo espiritual do homem primitivo” (ANDRADE, 1990, p. 101).
Pode-se dizer que sempre pulsou, em Oswald, um componente romântico, no sentido da busca de ideais. Mas, para Oswald, essas eram idéias que devoravam. O conceito de Antropofagia foi aquele que teve a melhor recepção em toda sua obra. Ele foi pensado, originalmente, como um diálogo com Montaigne, especialmente seu ensaio Os Canibais. Montaigne viu, naqueles índios brasileiros que visitavam a França, homens “recém-saídos das mãos de Deus”, revertendo a acusação que se fazia de serem bárbaros.
Em Filosofia, Oswald resolveu ir além de Montaigne, aproveitando a senda aberta para a revisão da cultura européia a partir do olhar dos “selvagens” do Novo Mundo. Na maturidade de seus ensaios filosóficos, Oswald misturou, a esse sonho de um homem antes da corrupção social, a consciência da luta de classe, deu a esse homem utópico a vontade de potência, temperada com a dialética de Hegel, separando sempre o caldo das liberdades individuais; a sobremesa foram os dilemas existenciais e “odontológicos”, afirmados por ele como mais importantes do que os “ontológicos”. “Le cannibal c´est moi”, poderia ter escrito a partir da leitura desse ensaio. Oswald passou a falar a partir do lugar desse habitante da América que vivia num mundo onde não existiam as palavras para “pecado” e “perdão”. O inventor da Antropofagia profetizou que o Brasil ficaria marcado por ter sido “um grilo de oito milhões de quilômetros quadrados” e que os conflitos entre a posse (o posseiro efetivamente instalado, o índio dono da terra) e a propriedade (o dono do título, a grande empresa detentora do capital) continuariam a se reproduzir, mesmo na atualidade, entre índios e colonos, sem-terra e latifundiários, etc.
Antropofagia era, em relação ao que veio antes, uma resposta somente cultural ao problema de identidade brasileiro, mas acabou indo além. A partir da Semana de Arte Moderna, não se trata mais de rejeitar o estrangeiro, é preciso incorporar o outro e ver o que há de si nele, além do que há de outro em si mesmo. Há uma convergência entre o Oswald dos anos 50 e o Ricoeur da maturidade: ambos tratam do “Le soi-même comme un autre”. Como foi explicado no Manifesto Antropofágico: “Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu” (ANDRADE, 1990, p. 49).
Assim, enquanto princípio organizador de uma apropriação seletiva, a partir da Antropofagia pode-se organizar uma Bienal: a Antropofagia seria útil para brasileiros e estrangeiros, seria um conceito já exportado, indo além das condições e tempo de sua criação, um princípio transcendente. Será que a cultura brasileira conheceu algo semelhante antes?
Antes de Oswald, Machado de Assis tinha apresentado, satiricamente apenas, o conceito de Humanitas através de seu personagem Quincas Borba. A busca de um princípio universal para todas as coisas foi um dos fundamentos a partir dos quais nasceu a filosofia entre os sofistas. A Humanitas em Quincas Borba era a sátira de uma filosofia do século XIX que acabava justificando a lei do mais forte. Mesmo que muitas outras interpretações possam ser realizadas, a Antropofagia é sempre uma seleção crítica. O princípio funciona agregando valores: as idéias que servem são assimiladas, o que não interessa é descartado. Para além da dialética do senhor e do escravo, surge uma do “devorador” e do “devorado”.
Para refletirmos sobre a Humanitas, tomemos a palestra Sobre o Humanismo, de Martin Heidegger. Machado de Assis, ao escrever sobre esse termo, provavelmente sabia que, ao tempo da república romana, Humanitas foi pela primeira vez expressamente pensada e vista sob esse nome. O homo humanus só surgiu em comparação ao homo barbarus. A Paidéia era então traduzida por Humanitas. O primeiro humanismo era o encontro da romanidade com a cultura do helenismo. A Antropofagia seria, então, produto do encontro das civilizações indígena e africana com a latinidade européia.
Em Machado de Assis, Humanitas permanece a preocupação original de reconduzir o homem novamente à sua essência. E essa apareceu em Quincas Borba como sendo a devoração do mais fraco, o triunfo dos fortes. Na Antropofagia, essa essência é, como no primeiro humanismo, a necessidade do homem de encontrar a si mesmo no outro, assim como as culturas humanas se revigoram encontrando-se umas nas outras. Machado transformou, com sua ironia distanciada, a norma civilizatória (Paidéia) naquilo que deveria ser desvio, mas prosseguiu sendo a lei oculta da sociedade (lei da selva). Assim, em Quincas Borba, o Humanitas deixou de ser uma bagagem civilizatória para tornar-se desvio determinista na compreensão da complexidade da vida.
Quem sabe moldada a partir do Humanitas, a Antropofagia também propõe que a humanidade vive uma devoração universal, mas se opõe a simplesmente chancelar a lei da selva: é contestadora do poder e propõe superá-lo através da razão que devora a si mesma na dialética, assim como na síntese.
O marco temporal da Antropofagia foi a devoração do corrupto Bispo Sardinha, ou seja, a rebeldia sadia e pagã contra o colonialismo corruptor. Oswald também fez oposição a Sócrates, afirmando que foi um parasita ao mesmo tempo moralista e libertino, vivendo às custas das famílias ricas de Atenas. Ao contrário de moralizar, buscando esconder a contradição interna, Oswald propôs que as contradições fossem assumidas em vista de gerarem sínteses e superações futuras. Ele praticou ativamente esse programa: manifestou-se contra e favor de Getúlio Vargas e de Villa-Lobos. Porém, quando Oswald assim agia, não era por gosto de “virar a casaca”; com esse tipo de atitude, assumia que era um “homem em movimento”. Sobre Freud, observou de maneira arguta que aquilo que o fundador da psicanálise designou como ações dominadas pelo inconsciente eram atividades que apelavam fortemente à consciência: comer e fazer sexo (e chamou-as “consciente antropofágico”).
Pelo motivo mesmo de assumir a contradição interna e não ocultá-la, propondo sua própria contínua atualização, a Antropofagia possibilitou, por exemplo, prever o surgimento dos boêmios hippies e beatniks (jovens que queriam fruir o ócio possibilitado pela sociedade tecnológica e a liberdade de costumes trazida pela emancipação feminina, junto com o divórcio e a pílula): do choque entre o matriarcado primitivo, ainda que imaginário, com o patriarcalismo, surgiria um novo matriarcado, onde o ócio criativo seria possibilitado pela tecnologia. Os jovens boêmios de hoje, depois do surgimento dos beatniks e hippies, (e, na atualidade, dos ciberpunks e hackers), passaram a ser novos bárbaros, ou seja, desviantes das normas e convenções que usam a tecnologia contra elas.
Portanto, é preciso superar o dilema posto na abertura do Serafim, recolocado nos seguintes termos na contemporaneidade: entre os intelectuais e os brasileiros cultos, a opção ainda está entre dizer piadas e paradoxos em Nova York para encantar as elites vegetais ou tornar-se apresentador do circo mambembe da revolução (o que equivale a mitificar o operário).
Assim, encerrando essa reflexão que seguiu na trilha de Oswald, façamos uma última consideração: um verdadeiro socialista não pode mais confundir humildade com grosseria, hábitos de higiene e sofisticação com meras convenções burguesas; precisa conscientizar-se (e aos demais) de que o objetivo é que melhoremos todos como seres humano
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