Esse é um livro de poesias de
Eduardo Andrade (Literatura em Cena, 2019) onde o que me fascina é a imagem da
onda, das ondulações. Eduardo continua na linha de valer-se do cotidiano e das
falas ditas na clínica para fazer poemas e prosa poética. A moça disse que o
dedo era podre, mas não era o dedo físico: era no sentido figurado. E aí
Eduardo teve uma epifania: “naquele momento percebi que o podre é o abandono do
cuidado interno que inclina-se a repetições cegas. Anulação própria do luxo
angustiante de poder escolher. A repetição é uma prisão e a pior cegueira é a
de que não olha para dentro de si”. Ele desenvolve, então, uma curiosa teoria
das ondulatórias psíquicas: “era das ondulatórias psíquicas, que na tentativa
de serem caladas, falavam gritando pelas pontas do dedo. O ato refaz o corpo. A
existência quando calada, grita pelos poros que encontram! Não se esconde de si
mesmo”. É como se uma questão, ao não ser falada pelo analisando, falasse em si
em seu corpo, falasse por si própria dentro dela ou dele.
Em resposta, sua poética fala: fala
das ondulatórias das águas (“estrias líquidas”), da labirintite psíquica ao
sair da sessão de análise (sair trocando as pernas?), da poesia enquanto nudes
da alma. Outra imagem da ondulação: “na lisura do seu macio cabelo escorre
brincando a esperança no humano; a esperança é uma criança”. O amor é uma onda
que só pode ser navegável pelas sutilezas dos fortes. Eduardo utiliza-se de uma citação do livro Mulheres de Bukowski, que diz que o
sexo, para a maioria das pessoas, e só dar corda, o que nos remete à imagem de
pular corda, o que também é uma imagem da onda, da ondulação.Daí que, concluindo, o poeta reflete que o amor só é
suportável para quem aguenta a sobrecarga psíquica, ou seja, o sexo pode até
ser para a maioria das pessoas, mas o amor é para quem não é fraco em termos
psíquicos, é para os fortes, como diz o título, como os que fazem terapia, por
exemplo.
Ainda que o o Amor seja para todos, Amar
não é para Qualquer Um
Nesse livro, juntamente com o Ondulatória, ambos de 2019, Eduardo
elabora uma poética que parte de observações do cotidiano, de onde tira
epifanias, no sentido de revelações do sagrado, da beleza, da leveza, das
lições da vida. O livro não tem poesias propriamente no formato de versos:
utiliza-se do formato de crônicas, prosa poética. Ele é muito perspicaz em
notar que o ódio tem sua face erótica: atrito, bater boca: “atrito. É briga, é
contato”. Suas palavras e observações são mamíferas, sugam o leite das coisas.
No poema a invasão das decisões, ele observa que as pessoas chegam para as
outras, sem ter conquistado liberdade para isso, e já imperam pelo imperativo
do dizer o que esta deve ou não fazer (...). Geralmente o resultado da
justificativa é das próprias questões e não de uma acolhida da história da
pessoa”. É muito curioso o trabalho da linguagem com uma frase como “seja a si
mesmo”, que remete ao “torna-te quem és”, de Píndaro, ou o conhece- te a ti
mesmo, de Sócrates. Eduardo observa que ninguém tem uma identidade pronta,
somos verbos. Ser a si mesmo é ser plural, pois não podemos dizer que temos uma
identidade una, que não somos e, a partir de um certo ponto, passamos a assumir
uma determinada identidade. O que se tem é um melhor ajuste, é estar melhor
resolvido ao encontrar-se enquanto pertencente a uma determinada tribo (gays, funkeiros, etc), ao descobrir em
si mesmo um talento que os outros reconhecem. Eduardo contesta a ideia de
beleza, em especial quando trata-se de um discurso voltado para a mulher. A
feminista é sempre feia para os controladores de plantão. Chamar de feia é uma
estética vazia. Ele diz a respeito: “é feio o outro escancarar assim os desejos
que tanto se luta por reprimir. Feio é sentimento que brota na epiderme
estética, mas que diz de como percebemos tal coisa. Nada é feio sem
interpretação. Feio é estado de espírito! Nada é bonito quando
se está bem consigo”. Feio, analisa ele, é um estado de espírito, ele acredita
em beleza interior, feio é um nome que damos para espelhar o que de dentro
temos. O que me lembra a frase de Jorge Amado para responder a Vinícius:
“algumas mulheres feias são irresistíveis”.
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