quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Samuel Iago da Silva: Um Jovem Correndo Contra o Tempo

 

Samuel Iago da Silva: Um Jovem Correndo Contra o Tempo

 

            Samuel Iago da Silva, meu ex-aluno do Wilson Lopes do Couto (turno noturno), servente de pedreiro, vinte e cinco anos, é filho do nosso saudoso Claudinei da Silva (Cupim) e Claudimeire (Kaká), neto da dona Maria do Carmo Domingues (Marinhinha). Rapaz cheio de vida, bem humorado e trabalhador, viu recentemente sua vida virar de ponta cabeça.

No meio do ano passado, Samuel verificou que estava sangrando ao ir ao banheiro, bem como sentia dores nas pernas. Procurou vários médicos, mas não conseguiu detectar o que tinha. Pai de três filhos, Michel, Sofia e João Miguel, ficou muito preocupado, mas não conseguiu um diagnóstico definitivo. Fez tratamento de hemorroidas e de tireoide, e mesmo assim, com grandes dificuldades financeiras. Ele, que sempre pesou mais de oitenta quilos, passou a emagrecer muito.

            Samuel, sem conseguir trabalhar, teve dificuldades em pagar os inúmeros exames, dentre os quais oito ou nove lavagens intestinais. Sua esposa Ana Laura é que está mantendo a casa.

Um cirurgião, Dr. Charles, desconfiou da gravidade do problema e identificou um câncer no reto. Dr. Charles conseguiu obter sua colonoscopia gratuita. Isso foi em dezembro. Samuel contou que graças ao Dr. Charles, procurou a ACCOM, onde foi acolhido e passou a fazer quimioterapia. Samuel, no entanto, continua a lutar, animado por seus filhos e por sua esposa Ana Cláudia.

A esperança de Samuel hoje é um remédio. O remédio que Samuel está precisando tem grande chance de diminuir seu câncer. Quanto mais ele demora, mais seu câncer cresce. Ele já pediu para a prefeitura, bem como para o Ministério Público, depois o SISU, mas não conseguiu. Agora ele está com uma advogada, pois precisa do remédio o mais rápido possível. Ana Carolina, sua advogada, filha do Ronilson, está ajudando-o e não está lhe cobrando nada. Samuel está vendendo tudo o que tem, correndo contra o tempo, disse-me ele, entre lágrimas. O remédio chama-se cetuximab 500 g e é de uso contínuo. O drama é que o remédio é caro. Samuel tem tido muito ajuda ONG da Metástase do Amor, da Juliana Jaber. Rosa, sua prima, organizou um evento beneficiente recente, bem sucedido, mas Samuel não conseguiu tudo. O custo do remédio é 22 mil reais e ele precisa comprá-lo com frequência, a sua médica já está cobrando o seu uso após sua quimioterapia. Para quem puder ajudar com qualquer valor, o pix do Samuel é: samuel.bd38@gmail.com.

Juliana: Lágrimas na Chuva

 

Juliana: Lágrimas na Chuva

 

                Ontem de manhã encontrei Juliana, minha colega de trabalho pela última vez. Falamos sobre o diário eletrônico. Ela contou que havia jogado no sistema as datas e não as notas dos alunos. Comentou como ele, às vezes, sumia com as nossas coisas. Depois de tudo anotado, de repente, olhava lá e o trabalho suado sumira. Só que agora quando escrevo essa coluna, as lágrimas descem do meu rosto...Foi a Ju que sumiu.

 A Ju, às vezes, parava o carro e me dava carona, em nosso trajeto para o trabalho. Contei a ela –e ela riu muito—que um dia, debaixo de um enorme temporal, um carro parou no lugar onde ela por vezes parava para mim (uma esquina) e eu achei que era ela em gesto salvador. Para minha catástrofe, era um motorista que esperava, debaixo da chuva torrencial, uma outra pessoa que sairia de uma das casas próximas. E que não se solidarizou comigo. Eu cheguei a abrir a porta e sentar, para absoluta perplexidade do dono do carro e meu imenso constrangimento. Ele não chegou a sorrir. Bastou um olhar e meu acolhimento fictício desvaneceu.

            De repente, Ju virou só lembranças. Tudo o que vive tem que morrer e um dia eu, que escrevo, e vocês leitores, todos seremos, só lembranças. O que se vê, não é mais. O que ela é, agora? Mas, como disse numa belíssima frase o filósofo Mestre Eckart: “se você não viu nada, então você viu Deus...”

 Então, ontem à tarde, Juliana partiu para um país ainda desconhecido. Como disse Shakespeare: “dormir...talvez sonhar”. Que sonhos de menina sonha Juliana agora? Que sonhos vieram? Deste país ainda não descoberto, ninguém jamais regressou.

Numa cena das mais lindas do cinema na minha opinião, no filme Blade Runner, o replicante Roy Batty disse a Deckard ao salvá-lo da morte enquanto chovia: “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.” E, quando ele morre, uma pomba branca sobe ao lado dele.

Ju foi no mundo essa porta que se abre no temporal, essa mão que ajuda o próximo, tal a dedicação e generosidade que demonstrou no trabalho, junto aos filhos, aos alunos. Essa partida abrupta nos deixa incrédulos, pensando na orfandade de seus filhos pequenos e na falta que ela fará.

Eu sempre dizia a ela que eu precisava ajudá-la financeiramente com as caronas, mas ela nunca aceitou. Eu estava pensando em como, um dia, retribuir. Agora eu escrevo esse agradecimento nessa coluna, mas não há mais como agradecer-lhe pessoalmente. Os agradecimentos, como aqueles momentos que o andróide comentou, ficaram perdidos para sempre, como lágrimas na chuva...

 

 

 

 

 

 

 

Bom Despacho e a Senhora do Sol

 

Bom Despacho e a Senhora do Sol

 

Há alguns anos, recebi um lindo texto de um rapaz que mora em Presidente Prudente, funcionário aposentado pelo IPSEMG e ex-operário da Cica em Presidente Prudente. Gerson Soares de Melo é o nome dele. Ele é meu amigo no facebook e nas redes sociais, é estudioso de Teologia e Filosofia. Ele nunca esteve em Bom Despacho, mas enviou para mim um belo texto, cheio de profecias, a respeito de nossa cidade e sua origem:

 

“E viu-se um grande sinal no céu, uma mulher vestida do sol e tendo a lua debaixo dos seus pés, e na sua cabeça havia um coroa de doze estrelas, e ela estava grávida. E ela clama nas suas dores e na sua agonia de dar à luz” Apocalipse 12

 

Sabemos que há vaticínio antigo que aponta que o reinado de Jesus Cristo iria se manifestar para o mundo a partir de Portugal. Encontramos tal nas cartas de frade franciscano Francisco de Paula, nas trovas do poeta judeu cristianizado Bandarra, e com mais clareza no mito messiânico do sebastianismo.

Porque o poeta judeu Bandarra fez constar em suas trovas que o Quinto Império viria das entranhas de Portugal, segundo ele confiado pelo Calvário à nação lusitana? Quem seria a Ilha do Encoberto de que falou Bandarra? Teria sido o Brasil, como muitos chegaram a afirmar? E quem seria o Encoberto? Ora, uma vez que a cultura popular de Portugal tomou a profecia de Bandarra sobre o Encoberto e dela criou o mito de Dom Sebastião, o jovem rei português morto em batalha no Marrocos com então vinte e cinco anos, no ano de 1578, não teria morrido, mas teria partido para a Ilha do Encoberto para um dia voltar, e restabelecer as glórias de Portugal, ora, no mito do sebastianismo estaria a prefiguração do Messias, que iria nascer da raiz de Portugal e restabelecer as glórias de Deus, usurpadas pelos homens? Nas palavras de Jesus, iria restabelecer o Paraíso de Deus? O jovem rei de Portugal teria se tornado arquétipo dos príncipes que segundo o profeta Isaías iria reinar para a própria justiça?

Vejamos agora o que frade franciscano Francisco de Paula vaticinou sobre tão grande acontecimento, que todas as indicações é que chegou o tempo de ser removido o véu que impede o seu conhecimento. Carta que frade franciscano Francisco de Paula, nascido em Paola, em 1416, e falecido na França, em 1507, escreveu ao seu amigo português e filósofo Simão Ximenes, entre 1445 e 1462: "Vossa santa geração será maravilhosa sobre a Terra, entre a qual haverá um de vossos descendentes que será como o Sol entre as estrelas... Reformará a Igreja de Deus. Fará o domínio do mundo temporal e espiritual e regerá a igreja de Deus... Purificará a humanidade, convertendo todos à lei de Deus; será fundador do Reino Universal de Deus na Terra ou da Nova Religião, em que todos adorarão o verdadeiro Deus... Será fundador de uma religião como nunca houve".

Nascido em Portugal e que muito cedo veio para o Brasil, Padre Vieira se tornou no homem que revitalizou e mais difundiu o mito do Rei Encoberto, crendo piamente que o Quinto Império Judaico-Cristão iria se estabelecer para o mundo em terras de Portugal; que a unção do novo Davi iria recair sobre um governante português.

O que tanto inspirava Padre Vieira na sua convicção de que o Quinto Império Judaico-Cristão iria se estabelecer em terras portuguesas? Façamos a pergunta: haveria alguma ligação da narração destes fatos acerca do Messias que nasceria da raiz de Portugal com o fato da Padroeira de Bom Despacho ser oriunda de Portugal? Em Portugal ela era conhecida como a Senhora do Sol...

Porque Senhora do Sol? E porque ela imigrou de Portugal para o Brasil? Seria porque muitos místicos têm defendido que todas as profecias referentes ao Quinto Império Judaico-Cristão o seu lugar de nascimento esteja reservado ao Brasil, daí a Senhora do Sol ter imigrado para o Brasil para aqui dar à luz ao seu filho, àquele que muitos dirão foi o aparecimento, enfim, do Encoberto?

Desde frade Francisco de Paula, foram verdadeiras as profecias que passaram a direcionar o nascimento do reinado messiânico de Jesus Cristo para o caldo cultural de Portugal? Haveria um plano divino por detrás de tudo isto, inclusive na vinda da Padroeira de Bom Despacho, e que agora teria chegado o tempo do seu desfecho?

Que os filhos de Deus presentes em Bom Despacho que se levantem, porque os filhos do dragão irão se levantar (Apocalipse 12.7). Certamente que os olhares do Brasil e de Portugal, e os olhares da terra inteira, impressionados com as expectativas, vão estar voltados para Bom Despacho. Porque de Bom Despacho está saindo para o Brasil e o mundo um novo caminho, que há de guiar todos para a verdadeira paz e a verdadeira justiça. Ora vem Senhor Jesus.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

O Cinema Não Soube Cumprir Seu Papel

 O Cinema Não Soube Cumprir Seu Papel


(Uma Entrevista com Jean-Luc Godard. Mas como fui eu quem traduziu, fiquem à vontade com minha presença antropófaga.)



Por Jean-Pierre Lavoignat e Christophe d’Yvoire



A Bout de Souffle, Pierrot le Fou, Le Mépris. Em três filmes, Jean-Luc Godard fez tremer a história do cinema. Trinta e cinco anos depois, ele foi aquele que sobrou. Ficou como figura emblemática da Nouvelle Vague, junto com François Truffaut. Certamente seus filmes não têm o mesmo impacto, mas sua maneira de filmar, em estado de perpétua busca, continua sendo uma das mais singulares do cinema de agora. Provocador, agitador, contraditório, Godard é sempre Godard. E nas grandes ocasiões, é ele que queremos consultar, senão como sábio, ao menos como um feiticeiro que sabe ver o mundo de outra forma. O cineasta nos recebeu em sua casa em Rolle, parte suíça do lago Leman, há alguns dias. Godard maneja as palavras como ele com freqüência organiza as imagens, por associação, por justaposição. Por vezes obscuro, por vezes luminoso, sua voz inimitável e seu senso agudo da dialética (ele não resiste a uma fórmula ou um jogo de palavras), ele nos explicou em quê, segundo ele, o cinema não soube cumprir seus deveres. Discurso de um sonhador que não perdeu jamais sua fé.


--Como estávamos falando sobre este número da revista Studio, consagrado aos cem anos de cinema...

JLG: Pobres cem anos de cinema!

--...Tivemos vontade de convocar dois cineastas: Steven Spielberg e você. Sentimos que vocês são pontos cardeais do cinema...

JLG: Normal. Eu sou o passado e Spielberg é o presente...

--Não é questão de idade...

JLG: Para mim é. Ao mesmo tempo, Faulkner disse: 'O passado nunca está morto, ele nem sequer passou', daí eu posso me situar hoje. No futuro, se lembrarão de mim, mas não terão visto meus filmes. O nome Spielberg não será lembrado, mas seus filmes serão lembrados, pois foram vistos.

--É uma fórmula, mas não é verdade. A Bout de Souffle, Le Mépris, Pierrot Le Fou foram vistos...

JLG: Ah, quem te viu e quem te vê.

--Se você fosse explicar a um aluno de outro mundo o que é o cinema, o que é que você diria?

JLG: Não posso responder, o cinema está no mundo. Em todo caso, o mundo habita o cinema, no sentido em que DeGaulle, que detestava parlamentares, disse a Malraux: 'A diferença entre nós e eles, é que eles habitam a França, mas em nós é a França que habita'. O mundo habita o cinema como habita a pintura ou qualquer outra forma de arte. Durante um tempo, nos anos 50, a palavra 'câmera' estava tão conhecida como a palavra 'pão'. Hoje não é mais o caso.

--Porquê, no seu ponto de vista?

JLG: Porque nós privilegiamos os direitos do cinema e não seus deveres. Não pudemos, ou soubemos, ou quisemos dar ao cinema o mesmo papel que deixamos à pintura ou à literatura. O cinema não soube cumprir seus deveres. Nós nos enganamos neste ponto. No começo, pensamos que o cinema ia se impor como novo instrumento de conhecimento, um microscópio, um telescópio, mas, muito rápido, nós os impedimos de cumprir seu papel. O cinema hoje não serve para ver, ele oferece um espetáculo.

--Com seus filmes, você tentou fazer o inverso do que era corrente?

JLG: Ingenuamente, acreditamos que a Nouvelle Vague seria um começo, uma revolução. Mas era muito tarde. Tudo estava acabado. E o momento decisivo foi quando não filmaram os campos de concentração. Naquele instante, o cinema deu uma mancada. Seis milhões foram mortos com gás, principalmente judeus, e o cinema não estava lá. Até então, de Dictateur à La Regle du Jeu, ele tinha acompanhado todos os dramas. Sem filmar os campos de concentração, o cinema se demitiu totalmente. É como a imagem da 'faca que não corta, de muito usada'. Eu não sou pessimista: digo simplesmente que há coisas que poderiam ser feitas pelo cinema – e não poderiam ser feitas nem pela pintura, nem pela música – e que não foram feitas.

--Você se lembra do primeiro filme que viu?

JLG: Não. Devo ter ido ver Walt Disney como todas as crianças, mas eu não sou como Lelouch que disse: 'Quando tinha três anos, eu fui ver Disney e, neste dia, já sabia o faria no cinema' (risos).

--Qual foi o momento em que nasceu seu desejo de fazer cinema?

JLG: Foi na cinemateca. Eu descobri um mundo sobre o qual ninguém falava, nem na escola, nem meus pais. Porque me esconderam sua existência? Nós ouvimos falar em Goethe mas não de Dreyer. Se nem ouvimos falar que existe esse mundo, como vamos procurar? Nós nos contentamos em lembrar. Nós vimos os filmes mudos na época dos falados, e ouvimos falar de filmes que nunca vimos. A Nouvelle Vague era isso: éramos como os cristãos que se convertiam sem nunca ter visto nem Jesus, nem São Paulo. Eu tinha ouvido falar de Femme au Corbeau mas nunca tinha visto até que Brion o passou na televisão! Para nós, o bom cinema, o verdadeiro, é aquele que não víamos porque não era sequer difundido. O outro, podíamos ver todos os sábados, mas o verdadeiro, Griffith, Einsestein...Tínhamos dificuldade em vê-lo, era proibido, era mal divulgado, mal distribuído...Então, para nós, era este o verdadeiro cinema. Fizemos um ato eleitoral, se você preferir assim.

--O que lhe atraiu nestes filmes, se você quase não os via?

JLG: Bem, justamente esse mistério. Era um território desconhecido que estava próximo do domínio das cartomantes. Nós não tivemos acesso a uma maneira de ver o mundo a não ser depois de quarenta anos. Ninguém nos havia falado. Nenhuma pessoa, ao menos da minha família, nunca falou em política. Através do cinema, descobri Lênin.

--Então o cinema não abdicou de seu papel de mostrar o mundo como você diz toda hora!

JLG: Bem, eu penso que não sabemos se ele ainda continua. O que eu quero dizer é que existiram e existem filmes que tem uma visão de mundo, mas eles são minoritários. Estas são as opções que impedem o movimento geral da indústria cinematográfica, e tem o fato dela ser hoje muito ligada ao poder, da mesma maneira que a televisão. Hoje, o que chamamos de imagens é algo muito ligado ao poder. Numa certa época, não era. Gutenberg não queria dominar o mundo. Já Spielberg, sim.

--Como é que você sabe?

JLG: Pelo fato de não se preocupar com uma verdade ou saber. Spielberg, como muitos outros, quer convencer antes de discutir. Neles, há algo muito totalitário. Enfim, digamos que para mim, o cinema é o instrumento de um pensamento original que se situa no meio-caminho entre a filosofia, a ciência e a literatura, e que implica em usar os olhos, e não em impor discurso pré-fabricado. Com meus filmes, eu tentei me ater a esse papel, ainda que com freqüência de uma maneira confusa, mas evidentemente, sei que meu cinema não pode simplesmente inverter aquilo que está corrente. As coisas estão aí, dadas.

--Existem cineastas que te espantam ainda?

JLG: Eu adorei Kiarostami. Dele, eu vi A Vida Continua. Há sempre bons filmes, mas poucos. Mas há o fato de que ainda gosto mais de Griffith do que de Kiarostami.

--Você ainda vê filmes de Eric Rohmer, de Rivette?

JLG: Quando posso, sim, mas sem morar em Paris, aqui em Rolle, Suíça, não é fácil...Eu gostei de Jeanne D’Arc. Já o filme anterior, nem tanto.

--Você viu Les Visiteurs?

JLG: A gente tenta se manter atualizado em relação ao corrente. É digno Les Visiteurs, é simpático. Gostei dos atores...

--Como você explica que é referência para cineastas tão diferentes como Spielberg e Tarantino?

JLG: Esta era a Nouvelle Vague. Nós começamos num momento em que, no cinema francês, tudo estava esclerosado, todo mundo na defensiva, corporativo no sentido literal. E nós dissemos: 'Chega de interdições.' Foi possível escrever o que a gente quis escrever. E a gente fez os filmes contra as regras em voga. Filmamos na rua, porque na época se filmava em interiores. Se a regra fosse outra, poderíamos ter feito o inverso. Hoje não há mais uma regra, senão aquela de 'eu sou um autor', que não tem sentido. Três quartos das pessoas no meio pensam ser autores...

--Você não?

JLG: Ah, eu não. Enfim, sou autor de uma obra, mas é a obra que conta. Quando comecei a fazer os filmes, preocupava-me com o produtor, os cenários. Agora não. Eu conheci isso com Beauregard e depois não me preocupei mais. Essa atitude faz falta, e falta muito aos jovens que fazem filmes agora e que se acham autores com direitos divinos. A discussão não existe mais, mesmo um antagonismo que podia existir entre Fellini e Ponti, que produziu La Strada. Nos Estados Unidos, a discussão não existe mais, mas a força dos americanos é que eles trabalham muito. É suficiente para fazer uma diferença. Lá não se rouba muito, rouba-se bem. Aqui, rouba-se muito, mas a coisa rende pouco.

--Você poderia trabalhar com uma estrutura rígida como nos Estados Unidos?

JLG: Sim, se eu tivesse algum interesse na obra e pudesse discutir...O que existe talvez na edição. Lindon quando recebeu o primeiro manuscrito de Robbe Grillet, o mandou retrabalhar...

--Sim, mas ele não o faz mais.

JLG: voilà, e assim não é tão bom.

--Pode ser que falem pelas costas o mesmo de você, só não dizendo porque você tem status...

JLG: Oh, bem eu, não se diz nada para mim. Talvez me digam: 'adorei seu filme' ou 'seu filme me entediou'. Mas, ao dizer isso, a pessoa celebra a si mesma, ela não está falando do filme.

--A televisão desvirtuou o cinema?

JLG: Sim, porque a televisão é à base de larga exibição. O cinema se encontra ligado a uma economia onde a exibição não paga a produção. Hoje, não difundimos o que produzimos, produzimos para poder passar. Eu, eu digo que o cinema era potente, mas ele era incontrolável. É porque a gente preferiu reduzi-lo à sua dimensão espetacular. Peça às pessoas para se lembrarem de uma só imagem de Spielberg.

--Todo mundo conhece a cena do ET diante da lua!

JLG: ET é o menos pior que ele produziu, mas ele chupou bastante do universo da ficção-científica. Como a maior parte dos americanos, Spielberg tem um certo savoir-faire, é inegável. Mas isso não impede que entre o melhor Hitchcock e o melhor Spielberg exista um abismo.

--Qual a diferença entre o melhor Hitchcock e o melhor Spielberg?

JLG: Não se pode ir dizendo sem mais nem menos. É preciso tempo. É preciso olhá-los. E mesmo, o mais difícil: como dizer que esta lâmpada é feliz ou infeliz? Há quem tenha gosto e quem não tenha. As pessoas pensam que o mais importante são as pessoas. Eu digo que as obras vêm primeiro. Nunca pedi autógrafo a Rosselini, e privei com ele. Nunca falamos mal de Autant-Lara. Criticamos seus filmes, ele se sentiu atingido. Nós não julgamos Autant-Lara, juntamos folhas a um dossiê. Não é o autor que é importante, esta é minha política. Autant-Lara julgou ele mesmo.

[...]

--Você diz sempre que o cinema é uma arte popular por excelência.

JLG: Sim, no sentido em que o cinema conheceu rapidamente o sucesso. No começo do cinema era mais claro que hoje, as pessoas nem pensavam antes de dizer depois de assistir um filme: 'é ruim', e não ousavam dizer assim de uma pintura ou de um poema. No caso, eles diziam: 'eu não gosto' ou 'eu não entendo'. Diante de um filme, nos sentimos em pé de igualdade. Numa pintura, notamos a técnica para se pintar o pôr-do-sol. No cinema, vemos com naturalidade e dizemos simplesmente: 'magnífico'. Não pensamos na técnica. Há algo direto e então, popular. O cinema está aberto aos olhos de todos. Um menino de oito anos pode descobrir o mundo.

--Hoje um menino de oito anos poderia se sentir assim no cinema?

JLG: Se, como menino, estiver com esse sentimento. O que mostramos é que mudou. Se mostramos uma floresta ou uma rodovia, não é a mesma coisa.

[...]

--Como você definiria seu prazer de fazer cinema?

JLG: O prazer é o mundo que nos oferta. Nós encontramos o lugar certo. Essa janela se encontra diante de nós, já existe. Para filmar, é suficiente encontrar onde se localizar. O prazer é condição ética que o mundo já criado nos oferta. Eu creio que o que está criado nos fez viver, e nós lhes devolvemos para que os outros encontrem esse eco criador, ou então se nada eles possuem, como verdadeira criação. É como o manuscrito na garrafa que escrevo para qualquer um. É uma necessidade [...].

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terça-feira, 6 de setembro de 2022

A Morte de um Traidor

 

A Morte de Um Traidor

 

O momento foi extraordinariamente tenso. Fidel o reprovou severamente por sua traição, e Eutimio só queria levar um tiro, reconhecendo sua culpa. Nenhum de nós esquecerá quando Ciro Frías, um amigo íntimo de Eutimio, começou a falar. Ele lembrou a Eutimio tudo o que havia feito por ele, os pequenos favores que ele e seu irmão fizeram pela família de Eutimio e como Eutimio os traiu, primeiro causando a morte do irmão de Ciro - que Eutimio entregou ao exército e quem havia sido morto por eles alguns dias antes - e depois tentando destruir todo o grupo. Foi um discurso longo e emocional, que Eutimio ouviu silenciosamente, com a cabeça inclinada. Foi perguntado se ele queria alguma coisa e ele respondeu que sim, ele queria que a revolução, ou melhor, nós, ele disse, cuidasse de seus filhos. Uma forte tempestade estourou e o céu escureceu. No meio do dilúvio, relâmpagos riscando o céu e o estrondo de um trovão, um relâmpago atingiu seguido de perto por um estrondo de trovão, e a vida de Eutimio Guerra terminou. Mesmo aqueles companheiros de pé perto dele não podiam ouvir o tiro. A revolução manteve esta promessa. O nome Eutimio Guerra ressurge hoje neste livro, mas já foi esquecido, talvez até por seus filhos. Eles têm outro nome e frequentam uma de nossas muitas escolas; eles recebem o mesmo tratamento que todas as crianças do país e estão trabalhando para uma vida melhor. Um dia, no entanto, eles terão que saber que seu pai foi levado à justiça revolucionária por causa de sua traição (GUEVARA, 2019).