sábado, 19 de novembro de 2022

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

FACULDADE INTERNACIONAL DE CURITIBA – Facinter

 

 

MARA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CURITIBA

2010

 

 

MARA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do título de Especialista no Curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira da Faculdade Internacional de Curitiba – Facinter.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CURITIBA

2010

 

 

FOLHA DE APROVAÇÃO

 

 

 

MARA

 

 

 

A RECEPÇÃO DE DOSTOIÉVSKI NO ORKUT

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do título de Especialista no Curso de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Estrangeira da Faculdade Internacional de Curitiba – Facinter.

 

 

 

Aprovada em ______ / ______ / ______

 

 

 

Componentes da banca examinadora:

 

 

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CURITIBA

2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dedico este trabalho aos meus pais, Raimundo Muniz de Lima, sempre presente, e Amélia Alves de Lima, minha filha Sara Cristina, meu marido Herivelto , pessoas muito especiais que Deus colocou no meu caminho.

 

AGRADECIMENTO

 

 

Agradeço a Deus pela minha vida.

 

Aos meus familiares pelas palavras de otimismo.

 

A amiga e sábia pedagoga, Leda Pardo Casas Dias.

 

As instrutoras Shirley e Gleiciane, pelas instruções preciosas, paciência e competência.

 

Aos meus colegas do curso, pela amizade e incentivo.

 

A todos que contribuíram para que mais esta etapa fosse vencida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Só a beleza salvará o mundo” Dostoiévski

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

 

 

Esse trabalho estuda a recepção de um escritor clássico, Fiódor Dostoiévski, num ambiente muito atual, a rede social Orkut. Pode-se verificar o bom nível de entendimento da obra por parte dos participantes, assim como o aprofundamento das perguntas e respostas, centradas em geral em dois romances: Crime e Castigo e Irmãos Karamázov. A comunidade do Orkut é o espaço por excelência da interação dos leitores a respeito da obra, o que gera novos significados e novos sentidos, fazendo com que a obra evolua na história, atualizando-a. Ressalte-se o bom nível dos tópicos a respeito de Fiódor Dostoiévski: são escritos em português padrão e sempre aprofundam temas a respeito do escritor. A obra é atualizada quando ela é aplicada para situações tais como as pessoas que vivem no centro de São Paulo, ou quando ela é abordada para falar da revolução russa e da luta entre capitalismo e comunismo. O autor é visto como um “totem”, algo de muito valor a ser defendido, assim como a obra é tratada como ponto de convergência e identificação pelos participantes das comunidades. A tendência, inclusive, é dos participantes não se dispersarem em quinze comunidades. A maioria participa ativamente de uma ou duas, escolhidas provavelmente pelo maior número de participações e pelo nível dos comentários, assim como possivelmente as discussões apaixonadas atraem a participação mais ativa.

 

 

 

Palavras-chave: literatura russa, redes sociais, recepção, Orkut, Dostoiévski

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

 

 

 

 

 

This work examines the receipt of a classic writer, Fyodor Dostoyevsky, in an environment very current, the Orkut social network. You can check the proper level of understanding of the work on the part of participants, as well as the deepening of questions and answers, focusing on General in two novels: crime and punishment and brothers Karamázov. The Orkut community area par excellence of interaction from readers about the work, which generates new meanings and new directions, causing the work evolves in history, updating it. Emphasized the good level of topics about Fyodor Dostoyevsky: are written in padronize Portuguese  and  always expand themes about writer. The work is updated when it is applied to situations such as people who live in the center of São Paulo, or when it is addressed to speak of the Russian Revolution and the struggle between capitalism and communism. The author is seen as a "totem", something very value to be defended, as well as the work is treated as a point of convergence and identification by the participants of the communities. The trend, including participants not thinly in 15 communities.  Most actively participates in one or two chosen probably by the largest number of participations and by level of comments, as well as possibly the passionate discussions attract more active participation.

 

 

 

Keywords: Russian Literature, social network, Orkut, Dostoiewsky

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LISTA DE ABREVIATURAS

 

 

-       CCAA: Centro Cultural Anglo-americano

 

-       LE: Língua Estrangeira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

 

INTRODUÇÃO...................................................................................................

11

 

 

1 MÉTODOS PARA O APRENDIZADO DO INGLÊS.......................................

14

 

 

2 O USO DA MÚSICA NO APRENDIZADO DO INGLÊS: ABORDAGEM COMUNICATIVA...............................................................................................

 

27

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................

38

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................

40

 


INTRODUÇÃO

 

 

Essa monografia estuda a recepção do escritor russo Fiódor Dostoiévski no programa de relacionamentos Orkut. Dostoiévski é um autor bastante canônico: já escreveram sobre ele autores tais como o psicanalista Sigmund Freud, o lingüista e estudioso da linguagem Mikhail Bakhtin e, mais recentemente, o colunista da Folha de São Paulo Luiz Felipe Pondé, formado em Medicina e Filosofia. A simples menção desses nomes já serve para exemplificar que existem comentários de altíssimo nível na bibliografia desse autor, com os quais realmente é difícil rivalizar, uma vez que se tornaram clássicos ou possuem largo espaço e de ampla repercussão midiática. Portanto, escolhemos trabalhar a recepção de um clássico num meio inteiramente novo: o programa Orkut, um dos mais acessados pelos adolescentes brasileiros.

Toda obra pressupõe um leitor, que ainda hoje constitui a faceta menos estudada no tripé autor/público/leitor. O leitor, que, em conjunto, constitui a chamada comunidade interpretativa de leitores, constitui o público de uma obra e a vertente privilegiada de produção do sentido da obra literária. A informação que circula socialmente através da leitura costuma ser fundamental para definir o status de uma obra, definir se ela vende, se ela é estudada nas escolas, se faz parte do cânone, se é lida por comunidades específicas (mulheres, gays e lésbicas, imigrantes, minorias políticas ou étnicas, etc).

Para pesquisar como é recebida a obra de Fiódor Dostoiévski, serão estudadas aqui as comunidades dedicadas a ele no site de relacionamentos Orkut, ligado à multinacional norte-americana Google. A vivência do Orkut é uma vivência da pós-modernidade. As mensagens, chamadas “scraps”, comportam número limitado de caracteres. É preciso, então, ser sintético. O meio não permite muita argumentação. Em decorrência desse formato, com freqüência a postura dos participantes costuma ser bombástica: em poucas palavras, ama-se ou odeia-se intensamente, sem nuances. Trata-se, portanto, de uma tribo reunida em torno do “totem” Dostoiévski. A relação com o autor que motiva a comunidade é de adoração. Quem entra criticando ou contestando esse autor é intitulado de “troll” e corre sempre o risco de ser excluído da comunidade.

O Orkut funciona como uma rede de relacionamentos: o usuário cadastrado tem uma página pessoal, conhecida como perfil (profile). Curiosamente, há muitos perfis falsos (“fakes”), inclusive com o nome de Fíodor Dostoiévski. A partir do perfil, o usuário pode entrar em comunidades, disponibilizando dados sobre si mesmo para os outros usuários.

Mas qual a pertinência de se estudar Dostoiévski num espaço normalmente destinado ao lazer? Como o campo dos estudos literários já estudou bastante a obra em si e a biografia do autor enquanto campo de produção do sentido, avançando bastante, mas não o suficiente, existe um amplo campo para se investigar a respeito do significado de uma obra diante das novas tecnologias: sua perenidade, circulação, compreensão fora da cultura original, dramaticidade, etc. Portanto, nesse ambiente fica claro que o leitor precisa organizar o sentido. Na internet, o leitor em geral não só compreende e lê uma obra como produz textos e vídeos sobre ela: é um meio onde, visivelmente, o leitor é ativo produtor de sentido, assim como existe um intenso combate entre opiniões, argumentos, pontos de vista. É um espaço marcado pelo atrito e pela vontade de impor sua verdade, o que o torna bem diverso do ambiente acadêmico.

Na internet, na hipótese que dá nome a esse trabalho, verifica-se que os leitores devoram sem culpa ou cerimônia um leitor clássico, sentindo-o como seu, como parte de sua inteligência, refinamento ou cultura. Eles expõem essa leitura e as manias e hipóteses em torno dela como exposição de suas pessoas, como parte de seus egos. Não se pode esperar desses leitores uma postura como a de Freud, que comentou longamente Dostoiévski para, finalmente, concluir que existia um Complexo de Édipo em sua narrativa, representado pela fraqueza que os heróis de Dostoiévski manifestavam diante dos pais. A partir daí, Freud concluiu que não gostava verdadeiramente dele. No entanto, Freud fez parte da impressionante fortuna crítica de Dostoiévski, bibliografia que justifica a escolha de seu nome para ter a recepção estudada.

Como esse clássico é recebido? O que os adolescentes comentam a respeito do autor e de seus livros? Qual é sua repercussão e qual a natureza dos comentários, assim como quais as temáticas que mais ocorrem neles? Qual é o perfil dos comentadores de Dostoiévski no Orkut? O tema da recepção de um autor como Dostoiévski não pretende aprofundar teorias abrangentes sobre o autor e sim pesquisar como ele é recebido num meio nada tradicional de relacionamento, voltado, inclusive, para o entretenimento.

Estudar a linguagem utilizada pelos comentadores desse escritor e seu grau de conhecimento dos assuntos propostos. Estudar como se dá a recepção de um autor clássico em um programa de relacionamento onde a maioria dos participantes são jovens. Verificar como a obra é entendida e qual o grau de compreensão explicitado pelos componentes das comunidades.

Cada vez mais, para todos os tipos de profissionais, é preciso se inteirar das novas tecnologias. Para os profissionais da área de Letras, área bastante tradicional, ganhar a atenção dos alunos nas aulas é essencial, daí a necessidade premente de que estejam atualizados com o que está se passando nesses meios.

A pesquisa permite traçar estratégias de uso do Orkut como um suporte para aulas de literatura, assim como abre o site de relacionamentos enquanto um espaço não a ser pesquisado enquanto espaço privilegiado da esfera pública. Os professores poderão orientar-se e refletir a partir desse tipo de pesquisa, assim como os alunos poderão aumentar e estender seu campo de interesse pela literatura, através da descoberta de autores novos, assim como também podendo melhorar o nível de debate em tais fóruns, através da conscientização da linguagem usada pelo meio e de suas características.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 DOSTOIÉVSKI VAI À PRAIA: NOTAS SOBRE A RECEPÇÃO DO AUTOR CLÁSSICO NO ORKUT

 

 

Nesse trabalho, a investigação foi realizada a partir da seleção e do estudo das comunidades que tratam do escritor Fiódor Dostoiévski no Orkut. Esse software social foi analisado do ponto de vista dos conteúdos postados (GUINSKI, 2008).

As novas tecnologias de informação e comunicação têm criado novas relações com a informação e o conhecimento. Existe, atualmente, quase que um novo paradigma informacional, sustentado por ferramentas como blogs, wiki, podcasts e os chamados softwares sociais, tal como o Orkut (GUINSKI, 2008).

Existe, portanto, um novo paradigma na área das comunicações, demandando também novas teorias e novas pesquisas, para além dos estereótipos disseminados pela mídia. As Ciências Humanas e Letras precisam investigá-lo. Os softwares sociais, as chamadas redes sociais, possuem características bastante específicas em sua troca de informações e, em geral, agrupam predominantemente os jovens. As faixas etárias acima de quarenta anos são bem mais raras nessas redes sociais (GUINSKI, 2008).

Aqui se vai analisar a recepção de uma obra clássica num software social específico, o Orkut. Nele, o estudo irá ser focado nos participantes e nos conteúdos postados. Criado por Orkut Buyokkoten, um engenheiro turco, o site Orkut foi criado em 22 de janeiro de 2004 e tornou-se um sucesso no Brasil. Através dele, os participantes podem criar e trocar informação de forma fácil e rápida (GUINSKI, 2008).

No Orkut, o participante deve criar uma rede social ou comunidade virtual. A comunidade virtual é como uma rede eletrônica de comunicação definida por si mesma, organizada em torno de interesses e finalidades. Em alguns casos, a própria comunicação se torna o objetivo central (GUINSKI, 2008).

Nas redes sociais, o conteúdo é majoritariamente fornecido pelos participantes. É um campo importante para a recepção, para a idéia de que o espectador é que faz a arte. No século XX, essa temática entrou em evidência. A arte passou a exigir a participação do receptor. A pesquisa, aqui, tratou de saber, conforme a estética da recepção, de como o leitor de hoje (em boa parte, jovem) em dia constrói o sentido para uma obra produzida há mais de um século. Conforme a teoria da recepção desenvolvida por Hans Robert Jauss, pode-se dizer que:

 

Nessa teoria, o leitor passa a ser o agente ativo na elaboração de sentido e, por conseguinte, na construção final da obra (...). As teorias concentravam-se no modo como o texto é recebido pelo leitor seu contemporâneo, bem como seu reflexo na evolução da obra no tempo (...). O teórico alemão determina que a relação receptor/obra é dialógica, ou seja, a cada nova leitura acontece uma atualização da obra, fator responsável pela perpetuação histórica do texto.

 

Em outras palavras: o leitor que freqüenta a comunidade do Orkut de Dostoiévski não é só receptor, mas produtor e atualizador do sentido. Para essa vertente, o sentido não está pronto na obra, podendo ser colhido por um crítico que decifra seu segredo, mas será dado pelo leitor. Assim, quem lê Dostoiévski na atualidade e posta na comunidade do Orkut ajuda a formar o conceito contemporâneo a respeito desse autor, assim como reflete a evolução da obra no tempo. A leitura dos jovens da era da internet será diferente da leitura de Camus e Sartre, por exemplo, nos anos 50. O texto continuou historicamente justamente porque existiram leitores que fizeram essa atualização. A seguir, Gunski introduziu conceitos de Gadamer e Jauss:

 

 Um dos pontos principais do trabalho de Jauss é a ideia de que a obra é um espaço em que o leitor/obra/autor se encontram. Em outras palavras: é o encontro dos três processos – produção (poiesis), recepção (aisthesis) e comunicação (catarsis) – da experiência estética. O teórico assume que desenvolveu seu trabalho a partir das concepções criadas por Hans-Georg Gadamer (Hermenêutica Literária), que sustenta que o significado da obra não se esgota nas intenções impostas pelo autor, ela adquire novos significados por meio de novas leituras –novos contextos históricos, muitas vezes não esperados pelo autor ou mesmo por seu público contemporâneo. Nesta teoria, o leitor é tratado como instância constitutiva da obra, ou seja, o receptor deixa de ser considerado destinatário passivo para tornar-se agente ativo, que participa na elaboração do sentido e, por extensão, na construção final da obra (GUINSKI, 2008, p. 102).

 

Ora, a comunidade de Dostoiévski no Orkut é justamente um lugar do encontro: ali, os leitores se encontram com outros leitores da obra, leitores iniciantes encontram leitores já experientes; o autor não está presente, uma vez que o autor biográfico morreu há dois séculos, mas sua biografia faz o papel de “autor”. No entanto, estão ali os leitores atualizando a obra. Há leitores que fazem correlações entre o que lêem em Dostoiévski e a sua própria experiência biográfica no centro de São Paulo, enquanto há outros que relacionam a obra a filmes e peças teatrais, além de outras obras literárias, do século XIX ou contemporâneas.

 Assim, na comunidade de leitores de Dostoiévski, os leitores trocam experiências de recepção da obra, daí sua riqueza para esse tipo de estudo aqui presente. Fica claro, ao acompanhar uma comunidade de leitores que trocam informações, sensações, impressões e dicas sobre uma obra literária, que ali estão sendo gerados novos significados, novas leituras, novos contextos históricos, muitos ainda impensados. Um exemplo é o leitor que relaciona a obra de Dostoiévski com a história da revolução russa e o stalinismo, assim como O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, livro de Lênin, com Os Demônios, de Dostoiévski. Esse tipo de leitura é inusitada, tanto porque Dostoiévski adotou, no final da vida, uma ideologia conservadora e a favor do czar russo, quanto Lênin e Stálin não consideravam a obra de Dostoiévski como a de um escritor em consonância com o que pensavam. Existe, no entanto, pertinência nesse tipo de aproximação, tendo em vista a importância de Lênin e Stálin para a história da esquerda do século XX. Quando a obra de Dostoiévski é aproximada com autores que o sucederam, pode-se também avaliar possíveis influências dele, ou seja, uma evolução histórica da obra no decorrer do tempo. Com certeza, aproximando Dostoiévski do outros autores, em geral posteriores, se está fazendo uma atualização histórica rica da obra, vendo como aspectos dela desdobram-se na obra de outros autores. Pode-se, então, facilmente, buscar uma relação entre a obra de Dostoiévski e outros autores citados numa comunidade de leitores, pois é bem possível que a correlação seja pertinente e existam, de fatos, elementos em comum.

A participação do receptor pode ser passiva: ele pode contemplar, perceber, imaginar, etc. Assim como pode também ter participação ativa: explorar, manipular o objeto artístico, interferir nele, modificar-se. É possível, então, uma arte cinética, ou seja, uma relação recíproca entre o usuário e o sistema inteligente. A obra de Mikhail Bakhtin inaugura o dialogismo:

 

Todo signo resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação (…) que não deve ser dissociado da sua realidade material, das formas concretas da comunicação social (BAKHTIN, 1976, p. 112).

 

No fragmento acima, Bakhtin quer dizer que, para termos um símbolo (signo), é preciso um grupo de indivíduos que esteja conferindo um sentido a esse símbolo. Um grupo que precisa estar de acordo a respeito do que significa aquele símbolo. Então, para comunicar e simbolizar, que são processos que a literatura faz, é preciso recorrer à realidade das instituições, à realidade social e material, ou seja, das formas como concretamente se comunica na vida em sociedade.

            Assim, o romance de Dostoiévski rompe com o monologismo, ou seja, como o romance onde o narrador era uma voz que se sobrepunha às demais, privilegiando uma só visão de mundo em detrimento de todas as dos demais personagens. A partir de agora, cada personagem tem uma diferente visão de mundo: Alieksiei é místico religioso, Ivã, cético e ateu, e por aí vai. Eles são respeitados em sua visão específica do mundo e não são julgados ou submetidos a um narrador preponderante e que imporia sua visão de mundo. Portanto, a partir da intertextualidade e do dialogismo, pode-se subentender que cada palavra comporta duas faces: ela vem de alguém e se dirige para outro alguém. Ela não existe sem a interação do locutor e do ouvinte. Ela serve de expressão de um em direção ao outro. A palavra possibilita uma definição em relação ao outro.

            A palavra serve de uma ponte entre um e outros. A palavra é um território comum entre locutor e interlocutor. As unidades lingüísticas são neutras, não possuem autor e não admitem algo que se possa chamar de resposta. No entanto, os enunciados são autorais, são destinatários e também trazem juízos de valor, que em geral são culturais.

            A fala movimenta as transformações da linguagem. Já a palavra está em outra arena, é o lugar dos confrontos entre valores sociais dissonantes e diversos. Os conflitos lingüísticos, para Bakhtin, espelham os conflitos entre as classes sociais. (BAKHTIN, 1979, p.114).

            Existe, portanto, um falante e um ouvinte no processo dialógico que envolve a linguagem. A partir de Dostoiévski, passa-se em falar em obras intertextuais ou seja: todas as obras são compostas não de um texto só, mas muitos outros textos que atravessam essa obra, abrindo inúmeras possibilidades de sentido. As obras são vistas como inacabáveis, ou seja, não é possível dar delas uma interpretação só, uma vez que são compostas de inúmeros textos. Não existe, então, a possibilidade de se fazer uma leitura só e definitiva desses textos. Eles são abertos a inúmeras leituras, que se atualizam conforme o leitor e a época histórica.

A esse inacabamento se dá o nome de abertura dialógica. O dialogismo abrangeria todas as artes, além do texto (visuais, musicais, simbólicas. Eles prenunciam o conceito de intertexto, novo modo de leitura faz com que a linearidade do texto seja rompida. O texto é composto de coisas já ditas, organizadas, fragmentos textuais, ou seja, não são simplesmente palavras. O vocabulário de uma língua seria a soma de todos os textos existentes (BAKHTIN, 1979, p. 110).

Roman Jakobson e o chamado Círculo Linguístico de Praga estabeleceram, nas década de 20 do século passado, a teoria das funções da linguagem. Existe a linguagem prática e emotiva, orientada para o significado, assim como a função poética, expressa como orientação para o signo enquanto tal. A linguagem tem seus fundamentos na situação comunicativa: o remetente, o destinatário e o discurso, permitindo estabelecer usos e funções das linguagens verbais e não-verbais. Dostoiévski seria um texto intertextual por excelência, realizando intertextualidade com a Bíblia, Schiller, Niekrássov, Shakespeare, dentre outros textos (BAKHTIN, 1979,  p. 99).

Existem doze comunidades que tratam de Dostoiévski no Orkut. Existe uma desigualdade entre o número de membros das comunidades. A maior tem 24. 288 membros. Nessa comunidade, a maior, uma frase serve de epígrafe: “E repetia Dostoiévski loucamente fora de si: a beleza salvará o mundo”. Uma segunda tem 2.718 membros, quase que apenas um décimo da outra; a terceira tem 1.230, a quarta tem 135 (também quase um décimo da outra), a quinta 178, a sexta, 24 membros, a sétima, 19, a oitava, oito, a nona, dez, a décima, 6. A partir daí, as demais (10 a 15) têm menos de cinco membros (ORKUT, 2010).

Aqui, o estudo vai se concentrar na maior comunidade, a que tem por volta de vinte mil membros e na qual existem postagens desde 2004. A primeira postagem é sobre o livro Crítica e Profecia, texto acadêmico de Luiz Filipe Pondé. Logo a seguir existe uma postagem sobre Os Demônios, então relançado. A linguagem dos participantes, embora jovens, é próxima do padrão e eles não usam abreviações. O nível de conhecimento da obra é bom. Comenta-se textos teóricos acadêmicos com certa freqüência: um dos primeiros a ser citado é Luiz Filipe Pondé, estudioso de Ciências da Religião na PUC-USP, mas existem comentários sobre Bakhtin e sobre a biografia do escritor, escrita pelo acadêmico Joseph Frank, dentre outros (PONDÉ, 2003, p. 170).

Cita-se, por exemplo, uma palestra de Boris Schnaiderman sobre Dostoiévski acontece no Rio de Janeiro em 2004, e é comentada por uma dos participantes (“Grazi”). Como um conhecedor da “essência do homem”, Dostoiévski teria feito profecias, não como vidente, mas como profundo entendedor da natureza humana (PONDÉ, 1976, p. 98).

A posição de Pondé já é uma atualização de Dostoiévski e indica dele um certo uso: o autor russo é usado para criticar a esquerda contemporânea, os relativistas culturais e os defensores das minorias. Essa vertente é hegemônica dentro das universidades, mas ao mesmo tempo, Pondé também é acadêmico, o que o coloca numa posição ao mesmo tempo defensiva e saudosista e agressiva que busca agregar simpatizantes para sua visão de mundo através, inclusive, de sua coluna na Folha de São Paulo. Pondé faz, da consagrada obra de Dostoiévski, um determinado uso: ele o faz para criticar uma determinada vertente de pensamento cultural e político, a esquerda multiculturalista presente nas universidades. Existe, por outro lado, um crítico tal como Fredric Jameson e que acredita que Dostoiévski critica também o capitalismo. Essa visão encontra subsídio também na obra, uma vez que o principal vilão de Irmãos Karamázov, Fiódor Karamázov, é quase que o estereótipo de um empresário hedonista e corrompido (PONDÉ, 2003, p. 171).

Para se ter idéia do nível de detalhamento dos comentários, fala-se sobre um trecho de Os Demônios que foi suprimido originalmente e incluído apenas a posteriori. É uma passagem chamada “Confissões de Stavroguine”. Nessa passagem, o personagem conta que violentou uma garota chamada Matriocha e sente-se atormentado pelo crime. Essa passagem foi considerada excessiva e foi retirada pelos editores de Dostoiévski, mas foi republicada junto ao texto como um apêndice (PONDÉ, 1976, p. 90).

A explicação a respeito do assunto é a seguinte: em fins de 1871, quando concebia freneticamente seu livro "Os Demônios" (que também já teve uma tradução brasileira como "Os Possessos") - que à medida que ia sendo escrito era publicado, como folhetim, no jornal "Mensageiro russo" - Fiodor M. Dostoievski teve um problema com seus editores que o aborreceu muito. O compreensivo Katkov, que tantas vezes o salvara financeiramente com adiantamentos na longa temporada na Europa, e o editor-assistente Liubimov rejeitaram, por terem considerado imoral, o capítulo que o então já consagrado autor de “Crime e Castigo” e “O Idiota”, entre outras obras-primas, intitulara de “A confissão de Stavroguine”. Em uma matéria do jornal O Globo, intitulada O Maior Crime do Mundo, Cecília Costa explica:

 

Na opinião de Dostoievski, para o melhor entendimento do caráter de seu protagonista pelos leitores do jornal, era fundamental a publicação desta confissão, na qual o diabólico rapaz revelava o crime bestial que cometera em São Petersburgo, anos atrás, e que vivia a torturar a sua mente. Filho mimado da rica Varvara Pietrovna, a dona toda poderosa da cidadezinha provinciana na qual viviam, o que o tornava um príncipe local, o enigmático Stavroguine, descrito como um homem de beleza estonteante, mas cruel (não há nenhum rosto como o de Stavroguine na literatura ocidental), era o líder de um grupo de radicais niilistas, que queriam usá-lo, após a derrocada do sistema, como o Czar oculto. Ou seja, após a anarquia preconizada por Bakunin, o belo rapaz seria indicado por seus comparsas políticos como o ser especial que um dia, ao assumir o poder que lhe era devido pelo Czar usurpador, traria harmonia e prosperidade para a toda a Rússia, uma verdadeira Idade do Ouro, por ser o tão ansiosamente aguardado novo Cristo enviado à Terra (COSTA, 2003, p. 1)

 

 

 

Na passagem acima tem-se vários temas tipicamente dostoievskianos: a crítica aos militantes que combatiam o autoritarismo do imperador da Rússia, chamados então de niilistas, por promoviam a luta armada contra a ditadura czarista, com os quais Dostoiévski teve contatos em uma fase de sua juventude. Outro tema, que se tornou famoso devida à passagem a respeito do Grande Inquisidor em Os Irmãos Karamázov, e que é recorrente em Dostoiévski, é a possível volta de Cristo à Terra.  O tema da violência contra as crianças também é constante. Por que em Dostoiévski existe o questionamento indireto: que Deus é esse que permite o sofrimento das crianças? Esses temas todos perpassam essa confissão acima referida, mas também em outros livros de Dostoiévski existem passagens semelhantes:

 

 Assim como está em “Crime e castigo” um outro estupro de menina. Aquele que foi cometido por Svidrigailov, o patrão da irmã de Raskolnikov que sempre quis seduzi-la, mas sem sucesso, e que também sofria por causa de um crime praticado no passado. Numa cena terrível do livro, quase tão terrível quanto o assassinato de velha agiota e de sua irmã Lizavieta por Raskolnikov, o lascivo Svidrigailov, atraindo Dunia a seu quarto com a promessa de que estaria disposto a ajudar o irmão criminoso, tenta currá-la, trancando a porta. Presa, a jovem se defende de todas as maneiras com a força moral que escondia em seu corpo frágil. Após ameaçá-la com a morte, o ex-patrão entrega a Dunia sua arma, pedindo que o mate. Preferia morrer a não possuí-la. Mas Dunia erra os tiros. A aversão da única mulher pela qual realmente se apaixonara levará Svidrigailov a suicidar-se. Momentos antes de matar-se sonha com a menina de 13 a 14 anos que se jogara num rio depois de ter sido violentada por ele e, também em sonhos, tem uma chocante visão, a de uma garotinha de apenas 5 anos cujo rosto delicado e puro se transforma, de súbito, no de uma cortesã debochada e lúbrica (COSTA, 2003, p. 1).

 

A recorrência do tema da paixão por garotas em tenra idade nos romances de Dostoiévski, num tempo (século XIX) onde essa prática ainda não era repudiada com o vigor que é hoje, faz com que jornalistas, escritores e estudiosos levantem a respeito inúmeras hipóteses: se Dostoiévski era pedófilo, se sua intenção era chocar, etc. No entanto, o artigo de Cecília Costa adota uma explicação baseada na biografia do escritor realizada por Joseph Frank (que analisou a infância de Dostoiévski, principalmente, à luz de Freud):

 

Seria Dostoievski um pervertido, violentador de garotinhas? Antes de morrer, em 1881, o escritor chegou a sofrer acusações neste sentido. Houve até uma versão de que a confissão de Stavroguine na realidade seria dele, tendo sido feita a Turgueniev (um inimigo literário). O assunto deu muito pano para mangas e trabalho a teóricos de literatura e biógrafos, mas posteriormente foi totalmente esclarecido, sendo descartada de vez a hipótese de estupros de garotinhas cometidos pelo próprio Dostoievski, que, é bem verdade, gostava de mulheres jovens, mas na faixa dos 20 anos (sua segunda mulher, Anna Grigorievna, tinha 21 anos quando ele a conheceu, aos 45 anos). No quarto volume da magistral biografia de Joseph Frank sobre o autor russo — “Dostoievski — Os anos milagrosos (1865-1871)”, editado no Brasil pela Edusp em maio — encontramos a explicação para a monomania dostoievskiana. Quando menino, no hospital no qual morava — o pai, o severo Mikhail, era médico em Moscou — Dostoievski brincava muito com a filha do cocheiro no bosque em frente. Esta menina, com apenas 9 anos, foi violentada e morreu de hemorragia, apesar dos esforços para salvá-la do dr. Mikhail (COSTA, 2003, p. 1).

 

É curioso como acima se apresenta um tema que tem sido muito explorado pelo noticiário depois da morte da menina Isabela Nardoni: a violência cometida, especialmente pelos pais, contra as crianças. Isso mostra, portanto, a capacidade de um autor do século XIX de tangenciar questões atuais, muito exploradas na mídia (COSTA, 2003).

Muitos tópicos também tratam de “por onde começar”, onde os leitores mais experientes da comunidade auxiliam os que estão se iniciando os que estão se iniciando na leitura de um autor que, além de clássico, ou seja, já consagrado pela crítica, público e estudado em universidades de todo o mundo, é também uma leitura que é descrita com adjetivos tais como “densa”, “difícil”, “exige maturidade”. O livro recomendado para os inciantes é “Nietótchka”. Discute-se também temas delicados como o antissemitismo de Dostoiévski, que alguns participantes julgam normal em seu tempo e outros estranham.  A identificação com os personagens de Dostoiévski provocando reações apaixonadas também é outra constante, como nesse depoimento de um participante da comunidade chamado Nelson:

 

Meu primeiro livro de Dostoiewsky foi Crime e castigo, isso em 92. Eu morava perto da estação roosevelt, numa daquelas pensões que nem sei se existem hoje. recém o crack estava chegando ao Brasil e ali não era a "cracolandia" ainda. Na época eu trabalhava em construção. Os personagens de Dostoiewsky perambulavam pelas ruas: assassinos, suicidas, prostitutas, gente desesperada. O choque foi imenso. Pensar que aquelas pessoas tinham uma alma sofredora e por vezes terna, como os personagens de Fiodor! Posso dizer que nunca mais a minha visão de mundo foi a mesma (NELSON, ORKUT, 2010).

 

A partir desse comentário acima é que se pode ver que um certo realismo crítico de Dostoiévski, muitas vezes ausente da televisão brasileira, seduz e encanta pela possibilidade da reflexão e da identificação com personagens próximas da realidade que se vive. O participante sente os personagens como pessoas próximas, pessoas que perambulavam desesperadas ali perto dele e isso modifica sua visão de mundo para melhor: ele se torna, pelo que escreveu acima, mais consciente, mais crítico e compreensivo de sua própria realidade. Aparentemente, teve forças para transformar sua realidade, pois saiu daquele ambiente que comenta acima, possivelmente para uma vida um pouco melhor. Esse também é mais um ponto que ajuda a esclarecer a preferência dos participantes por Crime e Castigo (ORKUT, 2010).

Nessas comunidades, não se utiliza as abreviações comumente usadas na internet. O português é bem próximo do português padrão e os comentários se estendem, citam trechos de obras, traduções, palestras, filmes e peças baseados na obra, textos acadêmicos ou teóricos e ainda biografias (ORKUT, 2010).

Nesse trabalho, iremos nos concentrar em uma só comunidade, a de vinte mil membros, de onde as citações dos tópicos abaixo foram retiradas. No entanto, há quatorze outras comunidades. Na de dois mil membros, que é a segunda mais freqüentada, os tópicos são bem mais assemelhados aos tópicos mais frequentemente encontráveis no Orkut, com mensagens rápidas e sintéticas:        

 

Eurípides e Dostoiévski. No início do ano li Crime e Castigo e agora estou lendo/estudando Orestes de Eurípides estou impressionado com a semelhança dos tormentos sentidos por Raskolnikov e Orestes. Embora o russo tenha matado uma usurária e o grego a própria mãe, o tormento pelo crime é corrosivo. Nada como ter uma consciência leve (JADIR, ORKUT, 2010).

 

Aqui, o participante relatava verdadeiramente estudar o romance, que de fato é uma necessidade, no caso desses textos clássicos. Ele o compara com as tragédias gregas de Eurípides. Isso demonstra que o repertório dos participantes não é pequeno e não se atém a Dostoiévski. Os participantes mostram conhecer outros autores clássicos, tais como os autores das tragédias gregas (como acima ficou demonstrado) e outros como Thomas Mann e Kafka (Orkut, 2010).

Em se tratando da comunidade de 1.231 membros, apenas três tópicos alcançam mais de dez participações: Vc sabe alguma frase de Dostoiévski? (21 comentários), O Idiota (18 comentários), Os Demônios (12 comentários) (ORKUT, 2010).

A comunidade de 135 membros, também em homenagem a Dostoiévski, abre-se com um trecho que narra um episódio dramático da vida do escritori: condenado por ter protestado contra o Czar, num tempo de monarquia absolutista na Rússia, foi condenado à morte, mas a pena foi comutada em prisão perpétua na última hora. A cena foi assim apresentada na abertura da comunidade:

 

A data é 22 de dezembro de 1849. Seis horas da manhã. Neve sobre a praça. Ao fundo, o palanque armado. Um a um, vestidos de estopas, os prisioneiros vão-se postando junto ao velho muro. Os tambores, num ritmo grave e lento, acompanham-lhes o andar. A multidão contida e curiosa observa. Os guardas preparam as armas; os prisioneiros se preparam para entregar o corpo ás balas. Silêncio... De repente, um toque de clarim. O ritual se interrompe: impassível, o auditor imperial anuncia que a pena de morte foi comutada, mercê do imperador, em prisão perpétua com trabalhos forçados na Sibéria. Os condenados choram de emoção e alegria. Antes perder a liberdade por algum tempo que a vida sem remissão. Dentre os que agradecem pela comutação do castigo um sente com mais força a nova possibilidade de viver: Fiódor Mikháilovitch Dostoievski, o escritor (MATEUS apud ORKUT, 2010).

 

Nessa comunidade, gerenciada por Mateus, nenhum tópico chega a ter mais de dez comentários, o que mostra que, numa comunidade mais numerosa, são igualmente mais numerosos os participantes ativos; é incomum no Orkut uma comunidade de interesses reduzida e interessada. Muitas pessoas entram nas comunidades, buscando assuntos que conhecem ou se interessam, ou mesmo fazer amigos, mas não se ocupam verdadeiramente de participar nelas e movimentá-las. Nas demais comunidades, os tópicos vão rareando. Nas que possuem menos de cem participantes, algumas possuem apenas um tópico ou nenhum (ORKUT, 2010).

 

 

2.1 Memórias do subsolo: nível de aprofundamento dos participantes

 

 

O nível de conhecimento dos participantes da comunidade mais numerosa (24.288 participantes) é bom e com freqüência os tópicos aprofundam vários temas ligados ao universo de Dostoiévski. O estilo de Dostoiévski é descrito como “inconfundível” e seus personagens são “atormentados”. Um comentário que cita um teórico acadêmico é o seguinte, de autoria de uma participante chamada “Cristiane”:

 

Não sei se já rolou essa discussão aqui, mas considero um dos melhores livros para entender o nosso autor o "Problemas da Poética de Dostoiévski", do russo Mikhail Bakhtin. Ele mostra, com sua teoria sobre literatura carnavalizada, toda uma tradição literária impregnada da cultura popular desde a Antiguidade e que explica certos elementos tão próprios de Dostoievski como a independência e força dos personagens (romance polifônico); as cenas de catarse final, que seriam como a "praça pública" do carnaval; a presença de personagens histriônicos; os contrastes; os personagens "duplos" etc. Leitura fundamental! Outro texto bom é o do Carlos Nelson Coutinho (não tenho a referência agora, mas depois coloco aqui). Bom também é o de Georg Lukács, um artigo do livro "Ensaios sobre Literatura" (Civilização Brasileira, 1968). Ele aborda a questão do novo homem que surge no século XIX e compara o personagem de Raskolnikov com o Rastignac, de Balzac. Sobretudo por ambos se espelharem em Napoleão (GRAZI apud ORKUT, 2010).

 

O romance Crime e Castigo, citado acima, é, juntamente com Irmãos Karamazov, o romance mais lido e debatido nessas comunidades. Aliás, o autor é tratado com intimidade pelos participantes. Há quem pergunte se tem parentes vivos. Alguns dos participantes chamam-no de apelidos: “Dótski” e “Dosto”, como se fosse alguém conhecido ou familiar, ou chegam a imaginar que Dostoiévski profetizou a revolução russa em Irmãos Karamázovi. A comunidade consegue uma grande interação audiovisual: é uma tribo que busca associar o seu “totem” a muito material audiovisual, muitas peças e filmes. Associa-se Dostoiévski a filmes como Taxi Driver e cita-se inúmeras adaptações de sua obra para o teatro, entre as quais algumas que têm um nome curioso, tais como “Dostoiévski vai à praia” (ORKUT, 2010). Um exemplo da interpretação que uma leitora, Tânia, faz de Taxi Driver:

 

Gostaria de saber se alguém mais observou a semelhança entre o filme de Scorcese e o romance de Dostoievski. Há, ao menos, diversos elementos do romance russo no filme: o personagem principal solitário, cultivando um crescente desprezo pelo mundo, o moralismo(do personagem), o quarto apertado, a cidade imunda....Então, acho que a semelhança entre as obras esta mesmo no ambiente retratado. Em ambas, surge o mundo moderno, onde caem por terra quase todos os pontos de referencia e contra o qual o personagem se revolta. Ele ve, talvez, essa situaçao como uma especie de sujeira. A bagunça da grande cidade reflete um pouco essa falta de um ponto de referencia unico. Tanto o personagem de dostoievski como o de scorcese me parecem pessoas rigidas demais em seus valores e julgamentos (geralmente radicais) para aceitar essa nova situaçao.São reaçoes conservadoras a modernidade. om, nao sei, essa foi minha interpretação (Tânia, apud: Orkut, 2010).

 

São comuns, também, os paralelos entre Dostoiévski e outros escritores e filósofos, assim como considerações que aproximam sua obra de fatos históricos. Um participante aproximou Nelson Rodrigues e Dostoiévski, dizendo que a passagem abaixo de Dostoiévski é “puro Nelson Rodrigues”.  Relaciona-se, a seguir, Dostoiévski e Nelson Rodrigues com um diálogo de O Eterno Marido, livro de 1870. O trecho se chama: Ou Vais ou Te Parto a Cara:

 

- Poderá compreender-me?

- Para isso vim aqui, para compreendê-lo.

- Então começo por lhe dizer que você é um canalha! - exclamou Veltchaninov com voz estrangulada.

- Se começa assim, como acabará? - tentou protestar Pavel Pavlovitch, evidentemente muito assustado, mas Veltchaninov, sem o ouvir, prosseguiu berrando:

- Sua filha está morrendo, está doente: você a abandonou ou não?

- Está morrendo mesmo?

- Está doente, doente, gravemente doente!

- Com certeza algum pequeno acesso...

- Não diga tolices! Ela está gravemente doente! Você devia ter ido, quando mais não fosse...

- Para agradecer, para agradecer à hospitalidade deles! Entendo perfeitamente! Aleksei Ivanovitch, meu querido, perfeito amigo – subitamente agarrou a mão do outro entre as suas, e com sentimentalismo de ébrio, quase em lágrimas, como se lhe implorasse perdão, bradou:

- Aleksei Ivanovitch, não berre, não berre! Se eu morrer embriagado no Neva, que importância isso pode ter nas atuais circunstâncias? Temos muito tempo para ir à casa do Sr. Pogoreltsev... (DOSTOIÉVSKI, 1976, p. 5)

 

O que se compara, suponho, é a dramaticidade da situação, assim como dois temas que também são caros a Nelson Rodrigues: 1) conflito familiar; 2) a figura do homem mau caráter, degradado, que faz mau aos outros, o canalha, como acima o homem que, bêbado, recusa-se a ir ver a filha gravemente doente, abandonando-a. O seguinte tópico ilustra o alto nível de entendimento dos participantes da comunidade mais freqüentada do Orkut propondo enquetes. As enquetes foram as seguintes:

 

Em "O idiota", qual o personagem mais excêntrico criado por Dostoiévski? Teria sido Raskonikov um fraco por não ter suportado a culpa pelo crime, por ter se deixado abater;

Qual o livro mais longo, o que se gasta mais tempo para ler?

Quais das seguintes obras do Dostoeivski você já leu?

Qual a teoria desenvolvida por Raskolnikov em crime e castigo?

Com qual dos Karamázovi voce mais se identifica?

Porque Os Demonios de Dostoievski não é comentado nem devidamente reconhecido?

Qual o melhor livro de Dostoievski?

Quais os momentos mais marcantes de "Os irmãos Karamazov"?      

Qual o seu personagem preferido em Crime e Castigo? (RODRIGO apud ORKUT, 2010).

 

Um exemplo de como são os resultados das enquetes acima: quando se trata da pergunta: em O Idiota, qual o personagem mais excêntrico criado pelo Dostoiévski? O protagonista desse romance, o príncipe Míchkin, empatou com Natássia Filippovna. Em segundo lugar, vieram Epantchin e Gavril Ardaliónovitch, apelidado de Gánia.  Os participantes não só votam na enquete como comentam sua escolha. Foi o caso da participante que comentou que acha que o personagem mais excêntrico é o general Ivolguin: “Esse personagem (general Ívolguin) é hilário. Eu gosto da parte que ele guia o príncipe para a casa de Filippovna e fica gritando o tempo todo: “O general Ivolguin e o príncipe Michkin!”(LEONARDO apud ORKUT, 2010).

Assim, Dostoiévski consegue obter uma recepção por parte dos participantes do Orkut: eles se identificam com determinadas passagens e encontram no site um espaço de encontro e participação. Como ele é um clássico, ele é muito lido, os seus livros estão disponíveis em várias edições, assim como sempre estão presentes em bibliotecas, tanto públicas quanto privadas. Dostoiévski atinge inúmeras faixas de cultura e classes sociais, portanto. Ele interessa desde os pensadores da Escola de Frankfurt quanto os estudantes de Direito seduzidos pelo tema do crime e do castigo presentes no título do famoso romance. Pode-se ter facilmente, a respeito de Dostoiévski tanto a opinião do leitor iniciante, que pede dicas ou opiniões numa primeira leitura ainda inexperiente e sem instrumentos de análise crítica, tanto como basta procurar um volume, por exemplo, de Adorno na coleção Os Pensadores que se terá uma análise que passa por Dostoiévski:

 

Não está excluída da crise da objectualidade literária a esfera da psicologia na qual justamente aqueles produtos se instalam como se fosse em casa, embora com pouca sorte. Também ao romance psicológico puxaram o tapete no que diz respeito a seus objetos: com razão observou-se que, numa época em que jornalistas extasiavam-se com os feitos psicológicos de Dostoiévski, a ciência, sobretudo a Psicanálise de Freud, há muito já tinha deixado para trás aqueles achados do romancista. Aliás, com esse louvor retórico, errou-se o alvo de Dostoiévski: na medida em que nele realmente existe psicologia, ela é uma psicologia do caráter inteligível, da essência, e não do ser empírico, dos homens, como eles circulam por aí.  E exatamente nisso Dostoiévski é avançado (ADORNO, 1980, p. 270).

 

Assim, é muito curioso tratar tanto do Orkut quanto de um teórico tal como Adorno, considerado dos mais complexos.  Curiosamente, a comunidade do Orkut acompanha os tais jornalistas citados por Adorno: nela, Dostoiévski é muito elogiado enquanto autor que investiga a mente humana, ou seja, um autor psicológico. Não se cogita a possibilidade de Freud tê-lo superado em seus estudos psicológicos, como faz o autor alemão acima. No máximo, comenta-se, elogiosamente, que Freud leu e – em geral acrescenta-se -- teria sido influenciado pelo autor russo. O que se pode explicar é que, enquanto Freud faz o estudo da mente, Dostoiévski estuda o caráter das pessoas, aquilo que se pode entender e debater e que emana desse caráter: se um é fanático religioso, se outro é ateu entusiasmado, etc.

Dentre os seus admiradores, verificou-se que Dostoiévski é uma matriz para poder ter acesso a todo um conjunto de produtos da cultura. Essa posição central e fecundante é a posição do autor russo nessa comunidade: ele franquia os participantes a todo um mundo de sofisticação e cultura.

Um tópico que relaciona Dostoiévski com outros escritores é chamado: “Quem gosta de Dosto, também gosta de”: o primeiro autor a ser citado é Thomas Mann. Cita-se também Kafka, cuja relação com Dostoiévski é estabelecida da seguinte forma:

 

Kafka .... o estilo é diferente, mas tem a semelhança de fazer o leitor sentir o que o personagem está sentindo ... Dele, eu só li "O Processo" e acho interessante comparar este livro com "Crime e Castigo", há algumas situações parecidas, por exemplo, a sensação que os protagonistas sentem quando estão nos ambientes judiciários ... é um ângulo de visão diverso ... (talvez complementares?) além do mais, Kafka foi influenciado por Dostoievski segundo li e tenho esta impressão quando comparo as duas obras (ALAN, apud: ORKUT, 2010).

 

            Portanto, existe uma relação entre Kafka e Dostoiévski e que é tecida cuidadosamente: o estilo é diferente, mas Dostoiévski e Kafka conseguem fazer o leitor sentir o que o personagem está sentindo, ou seja, sua capacidade de produzir identificação entre o receptor e o personagem criado. O tema semelhante em Crime e Castigo e O Processo também é notado: os personagens sentiriam profunda angústia e opressão diante dos ambientes judiciários.

 

Com "O Homem sem Qualidades", foi tão profundo na "alma" humana, na observação dos processos interiores, na dialética, na observação sobre o comportamento humano (e não só eslavo)... Mergulhou na maldade, no gênio, no caos, na placidez, na ordem, de uma forma tão poética, tão cheia de imagens, de sabedoria que o livro provoca revoluções em quem o lê, que podem levar uma vida toda, que podem mudar uma vida toda. Pelo menos bati palmas, chorei, ri e me estive em pleno êxtase, acompanhando as páginas de "o homem sem qualidades" (assim como outros romances desse mestre), que, apesar de gigantesco, é também considerado um "romance em formação", com uma "personagem em formação". Tenho uma comunidade sobre o autor aqui no orkut, no qual discutimos alguns aspectos da obra... (ALAN, apud: ORKUT, 2010).

 

Outros autores citados nesse tópico: Ivan Turgueniev, Nikolai Gogol, Tolstoi. Sugere-se que se leia um livro de Tolstoi seguido de um Dostoiévski, pois Tolstoi mostraria um outro lado dos temas abordados por Dostoiévski. Outro autor citado é Herman Hesse com O Lobo da Estepe.  Uma autora brasileira é citada: Patrícia Melo. Ela teria uma linguagem e uma influência dostoievskiana. Outros autores citados: Tchecov (os seus contos), Dickens, Edgar Allan Poe, em contos como O Coração Delator, que teria semelhanças com Crime e Castigo. Milan Kundera, autor tcheco contemporâneo, também foi citado. Assim, Dostoiévski é colocado numa linhagem de autores que teriam semelhanças com ele, desde autores russos como Gogol, Tolstoi e Turgeniev, passando por outros que escreveram livros com temas semelhantes, tal como Kafka, até autores contemporâneos como Patrício Melo e Milan Kundera.

A seguir, elege-se quem poderia dar vida a Dimitri Karamázov num filme. O vencedor foi o ator Johnny Depp, mas também ganharam votos os atores Leonardo Di Caprio e Hugh Jackman. Como se pode ver, temas e pontos importantes da obra são tocados nas enquetes e nos comentários, tendo até mesmo seu túmulo ter sido apresentado em fotografias na comunidade.  Nessa altura, citou-se em francês (numa rara citação em língua estrangeira), comentários a respeito do enterro do escritor, que atraiu uma multidão e gerou uma tal confusão onde o caixão quase se perdeu. Os participantes comentaram que esse episódio parece ter sido inventado pelo próprio Dostoiévski. Existe um tópico para discutir a língua russa e comentar que a pronúncia correta do nome é “Dastaiévski” e que o “é” é fechado, mais próximo do “ê” em português (ORKUT, 2010).

Comenta-se a relação entre Freud, Nietzsche e Dostoiévski. O escritor teria antecipado, para alguns participantes, o conceito de inconsciente, assim como o momento do enlouquecimento de Nietzsche em Turim teria sido inspirado por uma passagem de Crime e Castigo (FREUD, 1974, p. 32).

Outro assunto debatido é o personagem “Rodka” (apelido de Raskolnikov, o que demonstra a intimidade dos participantes em relação aos personagens) em Crime e Castigo. Ele seria um fraco ou um super-homem? Na enquete, venceram os que o chamaram de fraco. A teoria que ele desenvolve, entre os homens ordinários e extraordinários, também é amplamente discutida pelos participantes. Para eles, Rodka, que é um estudante ateu, é levado a crer pelo andamento dos acontecimentos descritos na narrativa de Dostoiévski. Isso conduz a discussão para o tipo de cristianismo apregoado por Dostoiévski e os desdobramentos dessa opção na obra. Numa das enquetes, fez-se presente praticamente toda a bibliografia do escritor (observou-se que faltou, por exemplo, Diário de um Escritor) e ela foi posta em votação nos seguintes termos:

 

Quais das seguintes obras do Dostoeivski você já leu? Tenho observado que as discussões na comunidade despertam mais interesse quando são polêmicas fora da obra do escritor do que quando são sobre a obra. Fiquei curioso em saber dos membros mais frequentes da comunidade sobre o que já leram.

Gente Pobre (1846)

O Duplo(1846)

O Senhor Prokhártchin (1846)

Romance em Nove Cartas (1846)

Coração Fraco (1846)

A Senhoria (1847)

A Mulher Alheia e o Marido Debaixo da Cama (1848)

O Ladrão Honesto (1848)

Noites Brancas (1848)

Uma Festa com Árvore de Natal e Um Casamento (1848

Netochka Nezvanova (1849)

O Pequeno Herói (1851)

A Aldeia de Stepanchikovo e Seus Habitantes(1859)

Humilhados e Ofendidos(1861)

Recordações da Casa dos Mortos(1861)

Uma História Lamentável(1862)

Notas do Subsolo(1864)

O Crocodilo (1865)

Crime e Castigo (1866)

Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão (1867)

O Jogador(1867)

O Idiota (1869)

O Eterno Marido(1870)

Os Demônios(1872)

O Adolescente (1875)

A Dócil (1876)

O Mujique Marei (1876)

O Sonho de Um Homem Ridículo (1877)

A Árvore de Natal na Casa de Cristo

Os Irmãos Karamazov(1880) (SABOIA apud ORKUT, 2010).

 

Propondo a interatividade, os mediadores da comunidade elencam toda a obra de Dostoiévski. Como se pode ver acima quando se reproduz o nome do criador da comunidade, alguns participantes usam o alfabeto utilizado na Rússia, o alfabeto cirílico. A comunidade, portanto, se não é composta, é pelo menos organizada por conhecedores da obra do autor. Como resultado da enquete acima, a obra mais lida foi Crime e Castigo (1866), com 409 votos, seguida de Irmãos Karamazov, com 270 votos, Noites Brancas (229 votos), O Jogador (224 votos) e as demais, com votação expressivamente menor.

A maioria dos tópicos da comunidade que se está comentando, a maior, tem menos de dez comentários dos participantes. No entanto, alguns assuntos foram mais extensamente discutidos: 1) existe um outro escritor melhor? (256 comentários). 2) Quem gosta de Dosto, gosta também de... (114 comentários); 3) Os Irmãos Karamazov (113 comentários); 4) Dostoiévski e o Stalinismo (117 comentários).

O perfil dos participantes é de jovens leitores de classe média e classe média alta. Entre eles há quem seja assumidamente ateu e há quem seja cristão conservador. Eles também ressaltam essa característica dos romances de Dostoiévski: ele retrata de forma realista um intelectual cético e ateu, Ivan Karamázov, embora logo de início o narrador proclame que seu herói é Aliéksei, o irmão que decide ser monge e que tem uma grande importância dentro do romance, pois introduz as discussões teológicas e filosóficas, principalmente as do monge que é seu orientador no mosteiro e que eles chamam “Stáriets” Zózima. Um dos leitores define a convivência entre ateus e cristãos convictos nos romances de Dostoiévski como “balaio de cobra e gato”, definição interessante também para essas comunidades, que alimentam um debate intenso, realizado em textos longos e apaixonados.

O comunismo, por exemplo, é muito combatido quando se fala em Dostoiévski e o Stalinismo. No entanto, aparece um participante, cuja foto traz a propaganda “Agora é Dilma” para fazer a crítica do livre mercado e do capitalismo. O primeiro comentário tenta associar Dostoiévski a um repúdio à revolução russa, imaginando que Dostoiévski talvez se tornasse um escritor engajado contra o comunismo, como um Soljenitsin:

 

Dostoievski e o stalinismo! Dostoievski escreveu romances tão dramáticos e profundos! Imagino se tivesse vivo pra ver a revolução totalitária que o seu país sofreu com o golpe dos bolcheviques!! Toda aquela utopia igualitária e aquele ateísmo militante!! E o que dizer dos Gulags e de Stalin? Acho que ele daria um foco mais político e menos cristão aos seus romances se tivesse vivo nessa época! Essa é minha teoria! (RICARDO, 2010).

 

O problema do comentarista é que, no entusiasmo de falar de Dostoiévski, que para muitos é mais que um autor, é um profeta, passa-se muito rapidamente da revolução russa para o repúdio do stalinismo, praticamente colocando ambos numa mesma categoria, o que é equivocado: a revolução russa não pode ser o mesmo que o stalinismo. E como seriam os romances de Dostoiévski com “foco político”? É uma suposição anacrônica e pouco fundamentada. Os comentários a seguir especularam que Dostoiévski seria exilado e sua obra destruída, assim como minimizam outras ditaduras, tal como a de 64, em prol do comunismo. Essa posição mostra-se hegemônica, até que ela recebeu a seguinte contraposição, por parte de um participante, que aparece em uma foto com o texto “Agora é Dilma”, ou seja, provavelmente um petista ou simpatizante do PT:

 

Dostoievski certamente se orgulharia de ver esses ''golpistas'' russos fazendo uma zona e levando a Rússia do estágio de celeiro da Europa a Segunda Potência Mundial, se orgulharia de ver que os trabalhadores russos possuíam a melhor condição de vida da Europa, senão do mundo. Claro que na parte stalinista ele não gostaria, mas comparar esse a Hitler não passa de uma questão de ignorância, a começar pela forma pela qual ambos chegaram ao poder, Stalin chegou por uma revolução, o povo estava unido e sabia o que queria diferindo de Hitler que se apossou do pode por meio de golpe. Outros fatos devem ser ressaltados também, enquanto Stalin governava em prol da sociedade soviética, Hitler o fazia na Alemanha em nome da burguesia que via com maus olhos a ascensão do comunismo em seu país, logo mandou matar uma legião de comunistas e não só como vocês sabem( e que eu espero). Bom, não defendo o governo de Stalin, mas falar que a revolução russa foi um golpe se trata de uma questão de falta de estudo, basta abrir um livro de história...o mesmo aos que defendem a ditadura no Brasil...uma pena...(ORKUT, DIMITRI, 2010).

 

O comentário acima polariza o debate. Alguns afirmam que Dostoiévski não mudaria, pois já tinha vivido num tempo totalitário e sido enviado para algo como um “Gulag” na Sibéria. Ricardo, que abriu o tópico associando Dostoiévski e preconizando o anticomunismo, afirma a seguir que “comunismo é crime” e fala em Coréia do Norte, Cuba, China. Não houve como acessar maiores informações em seu perfil, por questões de privacidade, mas Ricardo participa de uma comunidade que diz: “sou de direita, e daí?” A partir daí, o debate torna-se sobre a defesa ou não do “livre mercado”, que o participante Ricardo prefere que o termo “capitalismo”. A exemplo da maioria dos tópicos na comunidade mais freqüentada sobre Dostoiévski, os participantes aparentam nível social elevado e escrevem tópicos densos, argumentados e sempre sem usar abreviações, sempre em português padrão. Dostoiévski, na verdade, é um fetiche nessa comunidade: toma-se esse nome como símbolo, totem e agregador. O nome “Dostoiévski” simboliza a cultura, a sofisticação, a herança cultural a ser preservada e em torno da qual a juventude se pode reunir.

 

 

2.2 Analisando os Irmãos Karamázovi

 

 

Um dos tópicos intitula-se “ateu” e discute o possível ateísmo de Dostoiévski. Outros participantes (a maioria) postulam que Dostoiévski é um cristão, mas ele propõe uma adesão diferente ao cristianismo, uma adesão crítica. Os romances de Dostoiévski são bastante críticos em relação aos ateus, associados ao niilismo, ao materialismo, ao fato de não se acreditar em nada: Raskolnikov, protagonista de Crime e Castigo, é um niilista e descrente; Ivan Karamazov, personagem de Irmãos Karamazov, também, e no decorrer do romance ele encontra uma conseqüência negativa de sua descrença e niilismo, que é um encontro com o diabo. Uma das enquetes, reproduzida abaixo, dispôs alguns dos momentos mais marcantes de Irmãos Karamazov, selecionando, dentre outras, também essa passagem do ateu com o negativo:

 

Quais os momentos mais marcantes de "Os irmãos Karamazov"? Há em grandes romances momentos que consideramos "marcantes", seja pela surpresa ou pela reflexão que nos causaram (...).Sendo assim, coloquei a opção "Outro(s)" para quem quiser descrever mais acontecimentos marcantes do livro. Obs.: os acontecimentos não estão em ordem cronológica.

60 votos (9%) O diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna;

20 votos (3%) A vida do ancião Zósima, contada por Aliócha;

10 votos (1%) A lembrança que Aliócha tinha da mãe;

8 votos (1%) O sonho de Dmítri com "o bebê", em Mókroie;

87 votos (13%) O diálogo entre Ivã e o "seu" diabo;

19 votos (2%) A indignação de Iliúcha ao zombarem de seu pai;

19 votos (2%) Gruchénhka recusando beijar a mão de Catierina;

19 votos (2%) A história da mãe de Smierdiákov;

34 votos (5%) O desastroso encontro dos Karamazov no mosteiro;

12 votos (1%) A degeneração prematura do corpo do ancião Zósima;

22 votos (3%) O espancamento de Fiódor Pávlovitch por Dmítri;

12 votos (1%) A recusa do dinheiro de Catierina por Snieguiriov;

9 votos (1%) A história dos trilhos do trem, referente a Kólia;

18 votos (2%) A emoção de Iliúcha ao ver a cadela Jutchka;

17 votos (2%) A declaração de amor de Grúchencka a Dmítri;

32 votos (4%) O desespero de Dmítri momentos antes do crime;

16 votos (2%) O ódio de Lise pelo mundo, revelado a Aliócha;

38 votos (5%) O relato do assassinato pelo próprio Smierdiákov;

27 votos (4%) O tormento que Smierdiákov causa a Ivã;

33 votos (5%) O suicídio de Smierdiákov;

16 votos (2%) A "traição" de Catierina, no julgamento de Dmítri;

25 votos (3%) O depoimento desastroso de Ivã no tribunal;

15 votos (2%) O "duelo" travado entre Fietiukóvitch e Ipolit;

7 votos (1%) O medo que Dmítri sentia da censura de Aliócha;

5 votos (0%) Catierina pedindo perdão a Agrafiena, no hospital;

20 votos (3%) O desespero de Snieguiriov no enterro de Iliúcha;

35 votos (5%) O "discurso junto à pedra", no final do romance.

11 votos (1%) Outro(s). Total 646 votos (RODRIGO, ORKUT, 2010).

 

Como se pode ver acima, venceu a passagem que narra o encontro entre o intelectual cético e ateu Ivã e sua versão do diabo. O ateísmo, tido como negação de Deus, é nessa passagem associado a um espírito que nega, o demônio da religião cristã.  Dostoiévski aceita o ateu como participante da narrativa, é uma posição que possui cidadania entre os participantes, mas é revestida de negatividade, tal como esse diálogo bem ilustra. Nele, o demônio apresenta-se com um senhor elegante, na faixa de cinqüenta anos, ocidentalizado. O Dostoiévski biográfico

Com freqüência, os participantes remetem a passagens de Irmãos Karamázov, associam participantes com os personagens, identificam-se com os tipos apresentados como irmãos. Venceu o encontro do personagem ateu Ivã com “seu” diabo. O diabo é apresentado como um senhor cavalheiresco, falando em francês:

 

--Meu amigo, quero, no entanto, permanecer um cavalheiro e ser tratado como tal –disse o visitante com certo amor-próprio, aliás conciliante, bonachão. Sou pobre, mas...não direi muito honesto, mas..admite-se geralmente como um axioma que sou um anjo decaído. Palavra, não posso imaginar como pude, outrora, ser um anjo. Se o fui algum dia, foi há tempo que não é um pecado esquecê-lo. Agora, atenho-me apenas à minha reputação de homem decente e vivo como posso, esforçando-me por ser agradável. Gosto sinceramente dos homens; caluniaram-me muito. Quando me transporto aqui para a terra, entre vocês, minha vida toma uma aparência de realidade., e é o que mais me agrada. Porque o fantástico me atormenta como a ti mesmo, de modo que gosto do realismo terrestre (...) (DOSTOIÉVSKI, 1973, p. 444).

 

Uma passagem também muito comentada é a que tem o “Grande Inquisidor”. A passagem, muita extensa, trata da volta de Jesus à Terra ao tempo da Inquisição espanhola. O texto especula o que teria acontecido se Jesus tivesse voltado em plena inquisição: ele seria queimado em nome do poder temporal, como herético.  O Inquisidor-mor, ao interpelar Jesus, diz a ele:

 

És tu, és tu? –Não recebendo resposta, acrescenta rapidamente: --Não digas nada, cala-te. Aliás, que poderias dizer? Sei demais. Não tens o direito de acrescentar uma palavra mais do que já disseste outrora. Por que vieste estorva-nos? Por que tu nos estorvas, bem o sabes. Mas sabes o que acontecerá amanhã? Ignoro quem tu és e não quero sabê-lo: tu ou apenas tua aparência: mas amanhã eu te condenarei e serás queimado como o pior dos heréticos, e esse mesmo povo que hoje te beijava os pés precipitar-se-á amanhã, a um sinal meu, para alimentar tua fogueira. Sabes disso? Talvez –acrescenta o velho, pensativo, com os olhos sempre fixos em seu prisioneiro (DOSTOIÉVSKI, 1973, p. 187).

 

Outras passagens marcantes e bastante comentadas do romance Irmãos Karamázovi são: a história da mãe de Smerdiákov, uma bêbada louca, a degeneração prematura do corpo do ancião Zózima, o diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna.  A respeito de O Grande Inquisidor, o comentarista Aleksandro cita:

 

Compreenderâo por fim que a liberdade e o pão da terra à vontade para cada um são inconciliaveis, porque jamais saberão reparti-los entre si- O GRANDE INQUISIDOR- comentarios são redundantes (ALEKSANDRO apud ORKUT, 2010).

 

Outra passagem comentada é a que trata dos diálogos no monastério, no início do romance, onde Ivã, intelectual cético e ateu. Não existe, no entanto, um intelectual socialista ativo e com bons argumentos.

 Até no Orkut, programa de relacionamentos tão popular, fala-se em polifonia a propósito de Dostoiévski. Nas enquetes, pode-se observar que a maioria dos participantes da comunidade identifica-se com Ivan Karamázov, personagem que é um intelectual ateu. Por isso, quem sabe, a passagem mais marcante, para esses participantes, é o diálogo de Ivã como seu diabo (o que parece ser uma passagem criada para criticar o ateísmo, que levaria o homem a não acreditar em nada, ao niilismo).

Dostoiévski faz uso de diferentes vozes para os diferentes eventos da história. Cada personagem tem um ponto de vista diferente sobre cada acontecimento. Cada um apresenta ao leitor um ângulo da situação vivida. O herói do romance não é subordinado ao autor. O autor não finaliza as reflexões e os personagens ficam parcialmente em aberto, inconclusos. O narrador se faz presente, é uma fonte de juízo para o leitor, mas não apresenta conclusões mais precisas sobre os acontecimentos.

O sujeito, no romance de Dostoiévski, não é todo acabado e invariável, ele é cheio de contradições. Assim, ler Dostoiévski possibilita novas formas de interpretação.  Na comunidade de Dostoiévski que se está estudando, as enquetes sintetizam partes marcantes da obra do escritor e auxiliam nas leituras individuais. Esses momentos, citados acima, costumam ser aqueles onde existe análise psicológica dos personagens. São passagens tais como o diálogo entre Aliócha e Ivã, na taberna.  Existem também críticas negativas a Dostoiévski. A uma delas, que reclama do romance Irmãos Karamázovi, responde a participante Rafaela:

 

Rafaela: Este livro é justamente meu favorito em toda a obra do Dostoiévski (e talvez entre todos os que já li). Toda vez que eu leio fico dias e dias revendo mentalmente as passagens, pensando na história, nos personagens e nas idéias. Acho que “Os Irmãos Karamazov” sintetiza a bibliografia dele. Toda a temática abordada em outros de seus livros (A Natureza e - abrangência -da culpa, o crime e suas conseqüências, o Cristianismo contraposto ao Ateísmo, femmes fatales e triângulos amorosos, suicídio, epilepsia, personagens que encarnam a figura de Cristo, só para citar algumas coisas). Não sei se por gostar tanto do livro, não me senti incomodada com as digressões e com a prolixidade do livro; sinto que a história está bem entrelaçada, algumas passagens que parecem não ter relações com a história central, funcionam como ecos dela (veja os paralelos entre a história da juventude do stariets Zozima e a de Dimitri, ou o demônio de Ivan comparado com os demônios do padre Feraponte, ou como as palavras de Zozima – nos capítulos que seguem a conversa de Ivan e Aliócha – parecem responder o discurso do Grande Inquisidor). (RAFAELA apud ORKUT, 2010).

 

Acima, a participante Rafaela tenta sintetizar em poucas palavras a obra de um grande escritor, apresentando, para tanto, alguns de seus grandes temas. Ela alerta para que o leitor releia e repense as digressões, pois a história as teria como orgânicas (o que é a crítica que o leitor resistente faz, de que as descrições são excessivas e supérfluas).  Rafaela alerta que uma digressão responde a outra, formando um todo bem tecido e que funciona em conjunto. Rafaela prossegue em seu esforço didático:

 

E Literatura Russa geralmente é assim, tão importante quanto o enredo é a Filosofia. Quanto ao Aliócha, na introdução do livro o próprio Dostoiévski diz que algumas pessoas poderiam achar ele desinteressante, e na primeira parte do livro que ele é uma pessoa estranha (diferente das outras). O problema dele talvez seja que a primeira vista, ao contrário de Mitia, ele não necessita de redenção (é o personagem que encarna Cristo, como o Príncipe Michkin em “O Idiota”), e como nós somos mais facilmente fascinados por personagens complexos, desesperados e de caráter defeituoso, ele (jovem, ingênuo e puro) é ofuscado pelos outros personagens. Na maior parte do texto ele é um observador, um ouvinte e é apenas nas suas conversas com Lise que o conhecemos melhor psicologicamente (...). Mas não se esqueça que ele é um Karamazov e talvez por esse motivo tenha ingressado no monastério, para não se tornar um Karamazov ativo, com a personalidade corrompida. Além de que o Aliocha que conhecemos está “incompleto”, este romance é um primeiro episódio que teria influenciado a vida de Aliocha (protagonizado mais por toda a família Karamazov, do que por apenas um dos irmãos) e que seria parte de uma história com o título de “A vida de um Grande Pecador”, ou seja, ele deixaria de ser tão puro, teria sua queda e necessitaria de redenção (RAFAELA, ORKUT, 2010).

 

O grande tema dostoiévskiano acima, e que se pode entender em meio a tópicos bastante extensos para os padrões do Orkut, pode-se supor, seria a redenção. Um participante chamado Acácio afirmou: “Não há quem saia deste livro sem dizer: eu também sou um Karamázov" (ACÁCIO, ORKUT, 2010). Para outro participante, “Alex Luthor”, que afirma ter lido Memórias do Subsolo e estar se decepcionando com Irmãos Karamazov (curiosamente, Alex não espera terminar a leitura para comentar o livro na comunidade do Orkut). Ele é um leitor que busca redimir-se de sua própria incompreensão da saga dos Karamázov. Alex se diz ateu e reclama das digressões místico-religiosas do livro:

 

Ainda que Dostoievski queira dar-nos uma idéia a respeito de quem foi o preceptor espiritual de Aliócha, a sensaboria dessa digressão me pareceu completamente desnecessária (especialmente se considerarmos que a narrativa está num ponto de tensão crescente com vários sub-enredos que esperam por um desfecho). Cortar a expectativa dos leitores com doutrina religiosa é, para mim, equivalente a receber uma balde de água fria no meio do jantar... (ALEX, ORKUT, 2010).

 

Ao que os outros participantes avisam a Alex que Dostoiévski era cristão e que Os Irmãos Karamazov foi escrito no final da vida, ficando como legado para a posteridade.  O texto também pretenderia, numa idéia muito visitada nesses tópicos, “dar um tapa na cara” das pretensas lideranças religiosas cristãs. Mais adiante, O Grande Inquisidor é comentado como “punhal definitivo no catolicismo”.

Dos tópicos se pode retirar dicas de uma bibliografia universal sobre Dostoiévski, mas é especialmente curioso encontrar tópicos sobre livros brasileiros. Um livro comentado chama-se Dostoiévski, Um Cristão Torturado, de Virgínio Santa Rosa. Nesse livro existiriam “ruminações” acerca da religiosidade. Dostoiévski quer muito dialogar com seu leitor, sem preocupar-se com o que ele pensa e sente, sem constatar se riem ou debocham dele, se o acham patético ou não. Por aqui - é que, ateu ou não, temos pouca chance de escapar aos 10 mandamentos. Foi lembrada também a intenção de Dostoiévski de escrever um outro romance depois de Irmãos Karamazov, começando assim uma série, mas ele morreu antes.  Alex Luthor, no entanto, mantém sua impressão inicial:

 

Infelizmente mantenho minha impressão inicial. Os Irmãos Karamazov é um livro que me mostrou um Dostoievski ao qual tive de fazer muitas concessões. Achei-o muito digressivo; com um enredo que não apresenta consistência; com subenredos que levam a becos sem saída ou que terminam de forma abrupta, digamos “fácil”; com alguns personagens inverossímeis e idealizados, como Aliocha; com outros personagens que chegam e vão sem que deles saibamos quase nada e que entram na ação desempenhando um papel às vezes crucial e depois somem de nossa vista; há várias ações inexplicadas e reviravoltas que, francamente, achei mal elaboradas. Fico com a sensação de que Dostoievski começou a escrever esse livro sem haver definido ao certo o enredo e que o foi construindo ao longo do livro, como pequenos capítulos de uma novela folhetinesca feita ao sabor do vento (ALEX, ORKUT, 2010).

 

Alex, então, não é redimido nem convencido de suas impressões negativas. A redenção, mesmo dostoievskiana, nem sempre funciona. A seguir, o autor é instado pelos participantes a não ler Kafka, que teria o mesmo tipo de digressão. O participante Georges tenta explica a Alex a importância dos trechos que ele achou digressivos e ruins nos seguintes termos:

 

Acho que ninguém chega ao final de Irmãos Karamazov sem ter percebido a importância do "outro" no enredo. Tente reler muitos dos trechos que você considerou prolixo e ver que no fundo no fundo são como diálogos que se instalam no enredo formando uma pluralidade de vozes, o que para mim é o mais lindo dessa composição. O Dostoievski de Irmãos Karamázov é o que mais se distancia do romance monológico clássico, onde tipicamente o enredo todo é trabalhado para si mesmo. O objetivo está muito além de construir uma boa história, ele prima em ser reflexivo (não acredito que seja didático), e sim que ele se aproxima ainda mais dos diálogos platônicos (GEORGES, ORKUT, 2010).

 

Portanto, esse tópico é basicamente aberto para que os participantes tentem convencer o leitor descrente da excelência do romance. Aliás, parece que é isso o que leitor deseja: encontrar os pontos positivos de uma obra clássica, ou seja, importante e da qual “deve-se gostar” por algum motivo.

O que se nota é que, quando o escritor Dostoiévski é criticado, logo os participantes se unem em torno dele, tal como uma tribo em torno de seu símbolo. Eles se identificam com a vida sofrida do romancista, assim como estabelecem com ele uma relação de adoração. Criticá-lo é enfrentar as argumentações elaboradas e, por vezes, ácidas dos colegas de comunidade. Dostoiévski, nessa comunidade, não é objeto de distanciamento: é ele que oferece a ligação, ele é a ponte entre os membros da comunidade, que indicam bibliografia, comentam passagens, filmes, etc, sempre supondo estarem irmanados pelo mesmo gosto. Por isso, quando surge alguém divergindo torna-se tão ameaçador.

Por fim, é muito proveitoso estudar um clássico da literatura russa (não estudado, portanto, nas escolas brasileiras) e vê-lo estudado tão minuciosa e apaixonadamente em uma rede de relacionamentos que, por vezes, é tão superficial e, com freqüência, é motivo de queixa por parte de professores.

 

CONCLUSÃO

 

 

Essa pesquisa desmistifica uma certa imagem dos jovens que freqüentam o Orkut: eles seriam ociosos, incultos, capazes de escrever somente algumas poucas palavras, assim como contesta a visão de uma rede social permeada por mensagens de mau gosto, fúteis e anticulturais (e, de fato, elas existem). Ele mostra que existem grupos consideráveis de jovens cultos interagindo na internet, respeitando o tão prezado português padrão e aprofundando discussões filosóficas, religiosas, ideológicas e existenciais.

A obra é atualizada pelos participantes do Orkut, que a discutem apaixonadamente, principalmente porque existem, na comunidade, tanto os que são ateus quanto os cristãos, tanto os que frisam a necessidade de crítica social quanto os que propõem e cantam o triunfo do individualismo e do livre-mercado. A obra é objeto de comentários profundos e de exame à luz de estudos de variada ordem, mostrando-se, portanto, uma obra viva. Outro fato é que Dostoiévski tornou-se, para os participantes da comunidade, um símbolo da alta cultura, do refinamento e do bom gosto, um autor consagrado e confiável, uma obra com aceitação universal em torno da qual se pode reunir pessoas interessantes. Essa é a visão que os participantes parecem ter de si mesmos: pessoas identificadas com Dostoiévski e que por isso falam em nome dele enquanto profeta, enquanto comentarista da Rússia, etc.

A recepção na comunidade do Orkut é criativa: o autor precisa ser ensinado aos neófitos, explicado, assim como dicas sobre os temas dostoievskianos devem ser trocadas intensamente, assim como situações e pessoas são analisadas à luz de situações citadas nos romances de Dostoiévski,  como se dá com com a revolução russa e o stalinismo.

A obra é atualizada quando ela é aplicada para situações tais como as pessoas que vivem no centro de São Paulo, ou quando ela é abordada para falar da revolução russa e da luta entre capitalismo e comunismo, questões essas presentes em nosso tempo, mas que permaneciam embrionárias ao tempo de Dostoiévski. O autor é visto como um “totem”, algo de muito valor a ser defendido, assim como a obra é tratada como ponto de convergência e identificação pelos participantes das comunidades. A tendência, inclusive, é dos participantes não se dispersarem em quinze comunidades. A maioria participa ativamente de uma ou duas, escolhidas provavelmente pelo maior número de participações e pelo nível dos comentários, assim como possivelmente as discussões apaixonadas atraem a participação mais ativa.

As comunidades do Orkut podem ser um bom espaço para o professor de Literatura ou de Filosofia obter inspiração para uma aula participativa, pois ele pode pesquisar temas polêmicos para o debate em sala de aula. Ademais, são um rico campo de pesquisa. Os participantes da maior comunidade sobre Dostoiévski no Orkut demonstraram conhecimento de praticamente toda a bibliografia do autor, assim como tangenciaram temas fundamentais e livros importantes da bibliografia existente sobre o autor no Brasil. Ressalte-se que a pesquisa ateve-se às comunidades sobre Dostoiévski em português do Brasil. Os participantes souberam muito bem aprofundar os temas e realizar enquetes, ou seja, pesquisas de opinião, pesquisas essas que são interessantíssimas e mostram, por exemplo, a predileção dos leitores por Crime e Castigo e Irmãos Karamázov. A enquete é uma forma de pesquisa, o que mostra que os próprios participantes da comunidade, de certa forma, pesquisam o que eles mesmos andam pensando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.

 

 

COSTA, Cecília. O maior crime do mundo. O Globo. Prosa e Verso, 7/06/2003.

 

 

DOSTOIEVSKI, Fiodor Mikhailovitch. O eterno marido. Tradução de Moacir Werneck

de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

 

 

_________________________________. Irmãos Karamázov. Tradução Oscar Mendes, Rio de Janeiro: Abril Cultura, 1973.

 

 

FREUD, Sigmund. Dostoiévski e o Parricídio. In: Sigmund Freud, edição Standard brasileira das obras de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

 

 

GUINSKI, Lílian Deise de Andrade. Estudos literários e culturais na sala de aula de língua portuguesa e estrangeira. Curitiba: Ibpex, 2008.

 

 

ORKUT. Comunidade Fiódor Dostoiévski. Disponível em: <http://www.Orkut.com. br/Main#Community.aspx?cmm=41249>. Acesso em 10/04/2010.

 

 

PONDÉ, Luiz Filipe. Crítica e filosofia da religião em Dostoievski. São Paulo: editora 34, 2003.

 

 

SANTOS, Cordeiro Mugnol; MOLINA, Nilcemara Leal; DIAS, Vanda Fattori. Orientações e dicas práticas para trabalhos acadêmicos. Curitiba: Ibpex, 2008.

 

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