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domingo, 17 de agosto de 2025
O Vietnã de Jones Manoel: Elogio da Fábrica Exploradora Global
O Vietnã de Jones Manoel: Elogio da Fábrica Exploradora Global
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
Resumo
Esse artigo debate o revisionismo vietnamita e suas características, conforme apresentado de forma apologética em textos de Jones Manoel e Breno Altman. O Vietnã gerou muita esperança internacionalmente, no período de sua guerra com o imperialismo estadunidense, mas logo em seguida, de forma frustrante, passou a agressor, ao atacar o vizinho Cambodja. Os dois comentadores, que são de esquerda, tendem a fazer o elogio da “fábrica exploradora global” que é o Vietnã hoje. Nesse artigo tentamos investigar como esses autores fazem uma leitura propagandística do capitalismo desse “tigre asiático”.
Palavras-chave: Vietnã, revisionismo, Jones Manoel, vídeos, maoismo
Introdução
Em vídeo recente, o ativista, professor e historiador Jones Manoel informou que vai ao Vietnã em novembro de 2025 e expôs sua análise a respeito desse país. A seguir, em uma série de três vídeos, baseado principalmente em reportagens liberais do jornalista Breno Altman sobre o Vietnã, teceu uma imagem predominantemente favorável a esse país autointitulado socialista. Embora não trabalhe diretamente com a hipótese de que o Vietnã é socialista, Jones Manoel deixa essa ideia implícita em suas considerações. Ele caminhou, então, para a apologia disfarçada desse revisionismo em específico e do revisionismo como um todo, bem como do caminho burguês burocrático-latifundiário. Nesse artigo vamos analisar esse debate sobre o socialismo vietnamita à luz do marxismo e, para tanto, buscaremos um enfoque alternativo, na linha do marxismo-leninismo-maoismo.
1.Jones, Que Socialismo é Esse? Tanto Sangue Para Quê?
Jones Manoel começou sua abordagem do Vietnã sem definir o que ele considera socialismo. Suas análises são baseadas, nos três vídeos, não em um autor marxista-leninista, mas em reportagens elogiosas a “fábrica exploradora global” que se tornou o Vietnã por parte do jornalista liberal Breno Altman. Em certa altura, Jones comentou que:
(...) Na realidade a reforma em abertura começa no campo a partir de uma descentralização da estrutura produtiva comunas são desmontadas e surgem milhares de pequenas propriedades familiares com responsabilidade familiar com obrigações ainda de cotas de produção e tal não sei o quê mas com liberdade para negociar o excedente como as famílias quiserem o Vietnã seguiu um caminho parecido e segue um caminho parecido dentro de uma lógica bem errada que o Vietnã adotou que era eh no período por assim dizer de economia centralmente comandada os agricultores no Vietnã eram meio que obrigados a entrarem nas cooperativas né e nas fazendas públicas só que não existia incentivos econômicos para entrar nas cooperativas e fazendas públicas né então do ponto de vista de acesso a crédito do ponto de vista de acesso a maquinário do ponto de vista de apoio técnico não existia diferença para o agricultor está numa cooperativa ou não isso foi imposto meio que juridicamente politicamente o que prejudicou bastante a produtividade no campo isso remete inclusive ao clássico debate da União Soviética que veja você pode achar o Bukharin ruim revisionista traidor não sei o quê enfim não tô entrando nesse mérito mas assim Bukharin tinha uma razão quando ele fazia o debate de que a coletivização forçada ia criar um problema porque ia antagonizar o camponês soviético com o estado soviético e que o caminho mais adequado seria buscar uma coletivização progressiva a partir das cooperativas em que o Estado soviético ia garantir incentivos econômicos para se cooperativizar evitando traumas políticos e violência o Bukharin tinha razão do ponto de vista de princípio geral (MANOEL, 2025).
Nessa passagem Jones Manoel apresentou oposição justamente a uma política que podemos definir como socialismo: cooperativas socialistas no campo. E ele deu razão a Bukharin em querer uma diferente coletivização, mas não foi isso o que o teórico russo propôs, que era, sutilmente, apoiar os grandes fazendeiros (kulaks) que, enquanto classe, deixaram bem claro que se opunham ao poder soviético durante a guerra civil, fato registrado por Lênin. No entanto, para Lênin, a pequena propriedade sempre gera e gerou capitalismo. No Vietnã não tinha como ser diferente. Bukharin já foi consagrado como um inspirador da restauração do capitalismo na União Soviética e na China e um revisionista, no sentido em que o revisionismo é a burguesia dentro do partido. Isso aniquila as inquietações em que Jones e Jabbour pensam que, apenas porque formalmente não há partidos burgueses no poder, um partido formalmente comunista está ali, mas, como aliado das multinacionais chinesas e yankees, dos bilionários (burguesia imperialista), no caso da China. Bukharin dizia que era preciso “desenvolver forças produtivas” primeiro, posição revisionista clássica. Os maoistas do Vietnã comentaram a respeito:
Os revisionistas assumem a teoria das forças produtivas, semelhantes a Deng Xiaoping em todos os lados. Isso liquidou o Partido, transformando-o num cãozinho de estimação dos imperialistas estrangeiros. O Vietnã atualmente é um Estado policial, uma ditadura burguesa. A economia é fortemente controlada pelos imperialistas ianques e chineses, o estado também possui uma relação de camaradagem com corporações e imperialistas estrangeiros, pois cooperam com eles contra o povo em geral e o proletariado em particular (GRUPO VALE DOS PALMARES, 2025).
Ao observar o Vietnã com um olhar marxista, verificamos que depois de uma guerra tão dura contra o imperialismo francês e o arquiimperialismo estadunidense, os que tomaram o poder no Vietnã era mais nacionalistas do que marxistas-leninistas. Aliaram-se a União Soviética e, depois de vitoriosos, criaram o que a URSS propunha para eles: o mesmo modelo soviético a partir de 56, um capitalismo de estado, onde a sociedade torna-se uma grande corporação. É muito diferente tomar como referência um marxista para falar do Vietnã e tomar Breno Altman, Bukharin ou algum pensador vietnamita revisionista como Dai Luoc. O marxismo que deveria ser o ponto de partida sempre esteve no que o presidente Gonzalo disse em 1988:
Se olharmos para o Vietnã, o caminho que ele segue é o de um instrumento da União Soviética, que hoje clama por socorro ao imperialismo, com uma economia em crise e ruína; tanto sangue, para quê? Havia um Ho Chi Minh lá, um homem indefinido, como evidenciado em seu famoso testamento, onde ele diz que lhe dói ver a luta dentro do Movimento Comunista Internacional, quando o problema era qual lado tomar na luta entre o marxismo e o revisionismo, e um comunista só tem uma solução: ficar do lado do marxismo; Ho Chi Minh nunca ficou. Então veio Le Duan, um revisionista podre. Daí a situação atual no Vietnã (GONZALO, 2025).
A diferença, então, é muito grande para o ponto de vista de Altman e Manoel, que converge para fazer o elogio do Vietnã depois do revisionismo e da “reforma” de Doi Moi, que na realidade transformou o Vietnã, de uma semi-colônia soviética, em uma semi-colônia dos chineses e dos estadunidenses. Igualmente, Jones Manoel, outrora apoiador do ataque do Vietnã contra o Cambodja democrático, parece ter silenciado esse tema intencionalmente, dado o evidente drama humanitário causado por esse ataque, claramente a mando do social-imperialismo soviético –e também pelo fato de nós o termos denunciado com contundência nesse ponto. O que na realidade Altman e Manoel estão elogiando é um capitalismo burocrático pintado de vermelho. Essa hipótese não é sequer aventada por Jones e Altman, o que é exaltado é seu suposto crescimento econômico (mesmo dependente ou explorador da classe operária sob forma de ditadura burguesa). Como explicou o professor César Aprile:
Por outro lado, países de capitalismo burocrático “vermelho” como Vietnã e Laos, que não são considerados ameaças diplomáticas ou possuem maior abertura ao capital ocidental, enfrentam menos agressões do arquiimperialismo estadunidense (APRILE, 2023, p. 94).
De fato, parece-nos que há um diferente tratamento dado a Cuba e Coreia do Norte e China e Vietnã: esses dois últimos estão incluídos no sistema swift (sistema financeiro internacional) e recebem investimentos dos Estados Unidos e seus aliados.
Podemos supor que o Vietnã nem sequer completou a revolução democrática (como Cuba, Laos e, possivelmente, até Coreia do Norte) e todos esses caíram nas garras de um outro imperialismo. Como se lê no texto O Aborto da Revolução:
[A ] experiência no Vietnã e em outros lugares demonstrou que o processo de desenvolvimento da revolução democrática burguesa e da revolução socialista envolve tarefas extremamente complexas e difíceis, e que existem muitas armadilhas e obstáculos. Como a luta deve passar pela primeira etapa da luta pela libertação nacional e como a classe trabalhadora e o partido comunista devem tentar unir todos os setores da nação, incluindo muitos elementos capitalistas, que lutarão por esse objetivo, há uma tremenda atração espontânea pela ideologia do nacionalismo, para ver as coisas do ponto de vista dos interesses da nação (na verdade, dos capitalistas da nação), em vez do ponto de vista da classe trabalhadora e seu objetivo final de erradicar a exploração e a opressão em todo o mundo e construir um mundo sem classes. O nacionalismo é uma forma de ideologia burguesa, a perspectiva da classe capitalista. E foi essa ideologia burguesa, primeiro na forma de nacionalismo e depois como revisionismo descarado, que infectou e, por fim, levou a liderança da revolução vietnamita a um beco sem saída — com a consequência de que nem mesmo o primeiro estágio da revolução foi concluído, e o Vietnã caiu nos braços dispostos de mais uma potência imperialista (PCSUA, 2025).
E, como podemos ver acima, foi no interesse de uma potência social-imperialista (URSS), no caso, que o Vietnã atacou o Cambodja, ao contrário do que postula uma youtuber governista como Luna Oi, que alinhada ao revisionismo soviético e ao nacionalismo vietnamita, utilizando os piores clichês idênticos aos chavões ocidentais anticomunistas contra Pol Pot e o partido comunista do Cambodja. Podemos definir que socialismo ocorre quando existe economia planificada, cooperativas socialistas no campo e a democracia popular no campo da política. E no campo da política, o que temos? Veja o que diz um pensador do Vietnã citado pelo próprio Jones:
O velho socialismo morreu, afirma Dai Luoc não existe mais nenhum país socialista no mundo, apenas nações que estão em transição para esse sistema, o Vietnã é uma delas, mas esse objetivo só é possível com o desenvolvimento riqueza e prosperidade, a garantia de que seguiremos esse processo é o poder político dos trabalhadores (ALTMAN, apud: MANOEL, 2025).
O ponto é justamente esse da última linha: não existe mais o poder político dos trabalhadores e sim o oposto, o estado revisionista servindo as corporações sob a forma de capitalismo de estado, uma grande corporação (o que Jones chama de sociedade de comando). Essa reflexão acima nos pareceu ilustrativa e deveria ser levada a sério. Se Jones Manoel a levasse realmente a sério, partiria da hipótese de que Cuba e Coreia Popular estão incluídos nos países que não são socialistas e estão apenas em processo de transição, logo vale debater, sim:
(...) E o Vietnã ainda for uma experiência socialista considerando que para mim Cuba e Coreia Popular não existe debate viu assim para mim quem não considera Cuba e Coreia Popular experiências socialistas é isso enfim dá pra gente conversar e tal mas eu acho meio absurdo (MANOEL, 2025).
Jones deveria levar em conta que, se não existe mais país socialista no mundo, conforme o pensador vietnamita, então Cuba e Vietnã não são experiências socialistas e sim capitalismos que se dizem em transição ao socialismo –mas notem: são capitalismos, existe burguesia, ainda existe exploração assalariada, então estão “preparando” e não experimentando o socialismo. Ou seja, o debate sobre Cuba e Coreia Popular serem países socialistas hoje não é fora de cogitação, conforme Dai Luoc. O próprio Jones Manoel postou em seu blog um artigo sobre a China chamando “Neoliberalismo com Características Chinesas”? que, ainda que nessa posição errônea e de apologia ao revisionismo como a de agora, ao menos deixa entrever a hipótese, ao nosso ver correta, de que Deng Siaoping e seu regime são apenas capitalismo (neoliberalismo) com características chinesas. A cegueira de Jones quanto ao drama da invasão do Cambodja democrático, no entanto, parece ter diminuído devido a uma série de vídeos nossos direcionados a ele, alguns com audiência bastante significativa.
Sendo assim, temos: negação das cooperativas no campo em prol da pequena propriedade, que é a base do capitalismo no campo em um país capitalista desenvolvido. E nega-se, acima, que exista socialismo no Vietnã e sim, possivelmente, assume que existe escravidão assalariada e o capitalismo de estado na atualidade. Na realidade, a Doi Moi representou o final de um processo de vitória da linha oportunista de direita do partido começada com a morte de Ho Chi Minh em 1969 e, com ela, a restauração total do capitalismo no Vietnã. O centrismo de Ho Chi Minh no grande debate e sua negação do marxismo quando da luta do marxismo contra o revisionismo preparou o caminho para a vitória do oportunismo e do revisionismo. O imperialismo estadunidense conciliou-se em grande parte com o país e colocou-o no sistema financeiro internacional, passando também a investir capital no Vietnã.
Mas por que tanta conivência de Jones Manoel, professor e ativista comunista com a “fábrica exploradora global” que é o Vietnã e ainda alguém que se diz comunista ficar exaltando um crescimento econômico semi-colonial? Pela simples razão que tanto Breno Altman quanto Jones preconizam o mesmo caminho para o Brasil: o caminho do desenvolvimento burocrático-latifundiário feudal. Breno Altman e Jones apenas imaginam que poderiam fazer parte dessa burocracia gestora, na prática capitalista, conciliadora com o imperialismo yankee, o social-imperialismo chinês e até o imperialismo russo, mas com disfarce eficaz de “comunista”. Querem posições confortáveis na gerência desse capitalismo burocrático pintado de vermelho. E pior: para os maoistas vietnamitas, mesmo a semifeudalidade não foi superada no país. E isso converge com a opinião de Elias Jabbour a respeito: em seu livro sobre China, ele argumentou, discretamente, que existem resíduos “pré-capitalistas” em “áreas rurais atrasadas” no Vietnã e na China.
2.Lógica de mercado e sem planejamento soviético
Jones, em outros vídeos, deixa bem claro alguns pontos acima expostos. Ele se nega a comentar sobre o Cambodja, como fez anteriormente, mas se opõe ao ataque da China ao Vietnã –mas uma coisa só aconteceu devido a outra. Jones acredita no revisionismo vietnamita, mas não considera a invasão de Cambodja algo desastroso ou reacionário, uma guerra de agressão inspirada pelo social-imperialismo soviético. Ele, que já falou sobre o assunto, agora a omite. Igualmente, Jones mesmo comentou que mesmo o setor estatal do Vietnã “segue a lógica do mercado”. Mas não há, nesse estágio da economia capitalista, livre mercado: existe a economia mundial dominada por grandes monopólios, uma boa parte associada ao arquiiimperialismo americano, um imperialismo que dominou os demais, outros nem tanto. O que se chama “Brics”, para um marxista, é associação entre dois imperialismos, o imperialismo russo e o social-imperialismo chinês (esse seria seu núcleo, os demais países são semicoloniais). O que não quer dizer que ambos não estejam, até certo ponto, ainda tendo que negociar e se dobrar ao arquiimperialismo estadunidense.
Ou seja: o setor estatal segue a lógica capitalista e logo, burguesa e com selo de classe contra o proletariado. Ao mesmo tempo Jones mostra-se seguro de que no Vietnã existe socialismo afirmando ter certeza de que “a burguesia não tem influência no partido”. Se as estatais seguem a lógica do mercado, é um indício claro de que as estatais já comportam-se abertamente como burguesas e os dirigentes estatais, como parte das classes dirigentes e dos patrões. Na União Soviética esta tendência já foi estudada:
Ainda que a organização empresarial seja uma organização monopolista, a empresa estatal do revisionismo soviético tem sido desde muito tempo uma empresa capitalista. Nas em presas do revisionismo soviético, as massas trabalhadoras tem sido rebaixadas de donas das empresas a escravos da burguesia monopolista burocrática. Os diretores das empresas são agentes do grupo dirigente do revisionismo soviético. De acordo com as normas de “Regulação das Empresas de Produção do Estado Socialista”, o diretor da empresa exerce a “faculdade de contratar e demitir pessoas e toma decisões quanto aos prêmios e castigos para os funcionários da empresa”. Tem a autoridade para fixar os salários e as bonificações da organização e dos trabalhadores, e também para vender ou alugar os meios de produção da empresa. Em suma, ainda que sem o truste, o diretor e chefe de planta são já patrões que tem todas as faculdades nas empresas estatais, enquanto as massas trabalhadoras são já escravas da burguesia monopolista burocrática. Agora, com o truste como organização monopolista, a burguesia monopolista burocrática pode fortalecer seu controle sobre o pulso da economia nacional da União Soviética. Esta grande burguesia de novo tipo, fazendo uso das empresas do Estado e dos trustes, controla e se aproveita do Estado, utiliza a arrecadação tributária e os ganhos recebidos para roubar sem medida os frutos do trabalho do trabalhador soviético, para financiar o extravagante estilo de vida dos poucos capitalistas monopolistas, reprimindo o povo soviético, levando a agressões e seguindo uma política social-imperialista (PCCH, 2025).
Sendo assim, foi esse o modelo de empresas estatais acima que a URSS exportou depois de 1956 para o Vietnã, mas numa conjuntura em que o Vietnã caiu no domínio de outro imperialismo. Podemos supor, então, que a transição da revolução democrática para a socialista é acidentada e cheia de obstáculos e recuos. Um obstáculo é o nacionalismo, que tem de ser entendido como ideologia burguesa e que acabou, no final desse processo, facilitando o revisionismo e a exploração da classe trabalhadora. E quando ouvimos a youtuber vietnamita Luna Oi, observamos o quanto é difícil enfrentar e desmentir todas essas propagandas do governo e outros tópicos falaciosos. Luna Oi é uma youtuber que produz conteúdo governista é bastante diferente, implica em censura, cerceamento, processos e prisão. A liberdade de imprensa no Vietnã é muito cerceada. Ao contrário de Jones Manoel, é bastante descarada a defesa que Luna Oi faz da invasão do Cambodja aliado do social-imperialismo russo, indicando, inclusive, o filme Primeiro Mataram Meu Pai, filme que toma o partido escancarado do imperialismo yankee no episódio. Luna Oi, youtuber governista, faz apologia de anticomunismo mais gritante. A posição de Jones foi também de apoio obsceno às agressões do social-imperialismo russo:
É nesse contexto que surge Pol Pot e o Khmer Vermelho. Não temos a mínima intenção defendê-lo. Seu governo foi genocida e autoritário. Mas não foi uma deriva necessária da ideologia comunista. A lunática idéia de Pol Pot de deportação em massa da cidade para o campo foi resultado de fugas em massa do campo para a cidade para fugir dos bombardeios dos EUA. Uma sociedade destruída, arrasada e com a imensa maioria do seu povo vítima de violências brutais produz fenômenos aberrantes como Pol Pot. O Khmer Vermelho também comprava armas do governo neoliberal de Margaret Thatcher (que não tinha quaisquer problemas em vender). O presidente do EUA Ronald Reagan, outro neoliberal, também apoiou nas sombras o Khmer Vermelho, pois ele em seu confronto com o Vietnã enfraquecia o campo socialista na Ásia (MANOEL, 2014).
Ao mesmo tempo, Jones Manoel afirmou também que no Vietnã “nunca teve o planejamento soviético” e sim “economia de comando”. Mas o que seria essa “economia de comando”, senão um capitalismo de estado, um sistema corporativista? E o pior: na conjuntura de um capitalismo burocrático pintado de vermelho, conforme muito bem explicou o professor Aprile. Em dado momento de outro vídeo, Jones Manoel admitiu que o Vietnã não segue o que Marx previu como sendo a transição para o socialismo em Crítica do Programa de Gotha. O que Marx falava para a transição era estatizar os meios de produção – e é evidente que o Vietnã está privatizando e não estatizando. E tampouco tem ditadura do proletariado –Jones evita cuidadosamente esse termo, utilizando, na melhor das hipóteses, o termo “poder popular”, utilizado usualmente em Cuba.
Mas o que efetivamente o Vietnã não segue e está nesse texto? Com certeza não segue a ditadura do proletariado; se não segue, é ditadura da burguesia. Não há outra alternativa, não há outros “socialismos”, os outros são a burguesia em evolução. O próprio Jones admite que o Vietnã não tem nem planejamento econômico ao estilo soviético e nem as cooperativas socialistas, substituídas desde 1986 pelo minifúndio. E podemos colocar em dúvida se mesmo antes essas cooperativas não eram meramente fazendas estatais capitalistas e, antes de privatizadas depois de 1986, muitas empresas não eram apenas parte de um capitalismo de estado em país de capitalismo associado a algum imperialismo, ou seja, capitalismo burocrático.
3.Conclusão
Jones, em seus textos e vídeos sobre Vietnã, não definiu o que ele chamou de socialismo e seu ponto de partida teórico. O que se tem são as reflexões de um liberal conivente (Breno Altman) com a transformação do país na “fábrica exploradora global”, caminho do capitalismo burocrático e latifundiário que Jones seguiu e desenvolveu de forma conivente. Enquanto Jones e Altman exaltam o capitalismo burocrático pintado de vermelho, sonhando em um dia gerenciar algo semelhante no Brasil, verificamos o quanto o nacionalismo é uma ideologia burguesa e que complica a transição da revolução democrática para a revolução socialista. A experiência vietnamita mostra o quanto essa transição tem idas e vindas, tendo o nacionalismo como um ingrediente complicador, uma vez que é ideologia burguesa. Podemos dizer, então, que o Vietnã nem sequer completou a revolução democrática e caiu nas garras do social-imperialismo soviético (o Cambodja e o Laos seria uma situação semelhante). Tivemos, então, a tragédia: o Vietnã, de guerra de libertadora em tudo semelhante a uma guerra popular maoista, transformou-se em um agressor contra o Cambodja apoiado por uma potência imperialista de fato e socialista de boca –ou seja, uma enorme tragédia e um retrocesso que buscamos entender aqui como foi possível.
Podemos dizer que, então, ao não definir socialismo, Jones Manoel abriu para que o critério para conceituar socialista seja chamar os seus aliados de socialistas por critérios obscuros, ou seja, critérios oportunistas. Não se importou, portanto, que o Vietnã não tenha tanto o planejamento econômico, a ditadura do proletariado e as cooperativas socialistas no campo. E nem levou em conta a reflexão do próprio pensador vietnamita citado: não existem países socialistas hoje, apenas países capitalistas que afirmam estar em transição ao socialismo, o que é uma hipótese para ser posta em dúvida. Se Cuba e Coreia Popular estão somente em transição, abre-se a necessidade de debater o fato de que ainda não são experiências socialitas. De acordo com nossas reflexões, essas transições são apenas promessas vãs realizadas por partidos revisionistas que, ao lado de grandes corporações imperialistas, impõem uma ditadura capitalista aos seus povos.
4.Bibliografia:
APRILE, César Alexandre da Silva. O Novo Paradigma do Imperialismo. São Paulo: SP, 2023.
CAP Chu Van; Tạp chí Cộng Sản. Tradução de Gabriel Deslandes. Consenso sobre a economia ‘socialista de mercado’ do Vietnã <>.
ESPÍRITO SANTO JÚNIOR. Lúcio Emílio. >>. <>.
__________________________________.<>. <>.
GONZALO. Entrevista do Século. São Paulo: Ciências Revolucionárias, 2023.
GRUPO VALE DOS PALMARES. Entrevista com o Servir ao Povo (Vietnã): Comunistas em um País Revisionista. >.
PCCH. O Capitalismo Monopolista de Estado é a Principal Base Econômica do Social-Imperialismo. <>
PCUSA. Vietnam, Miscarriage of Revolution. The magazine Revolution, vol. 4, #7 8, July/August 1979, published by the Revolutionary Communist Party, USA. <>.
LUNA OI. < >. <>.
MANOEL, Jones. Chegou o momento de falar do Vietnã. <>.
________________. Vietnã: um país forjado na guerra e na luta anticolonial. <>.
MANOEL, Jones. SONNENBERG, Victória Hissa Hirosue. Neoliberalismo com características chinesas? Notas sobre a estratégia de desenvolvimento chinês. <>
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