Testemunho de Pierre Doury: Décima Terceira missão Civil em Defesa do Povo Palestino, 18 e 19 de Abril de 2002 (Parte 1)
Traduzido por Lúcio Emílio do E. S. Júnior
(Nota: este texto é um depoimento escrito por Pierre Doury, professor de História na cidade francesa de Toulose e militante comunista. Pierre fez parte dessa missão organizada com a finalidade de enviar civis a cidades palestinas conflagradas, para que pudessem fazer relatórios e tentassem ajudar a contar ao mundo a história de cidades como Jenine, devastada pelos tanques israelenses. Esse depoimento faz parte do livro Abril em Jenine, inédito no Brasil e me foi enviado pelo próprio autor, que reside hoje na ilha de Réunion).
Dizem que a memória mais tenaz, a última a apagar-se, é a memória dos odores. Eu creio que, do ano de 2002 em Jenine, guardarei a lembrança do odor. O cheiro doce e enjoativo da morte e da guerra, um odor de coisas podres ao sol mesclado com o da carne humana
Nas imediações do lugar, as primeiras casas destruídas com as paredes carbonizadas me recordaram a terrível razão de nossa presença nesse lugar, quando já tinha me deixado embriagar pela beleza das paisagens no caminho. Corremos até a entrada do campo: a cidade segue sob o toque de recolher, quase ninguém conseguiu entrar em Jenine, e ignoramos totalmente a atitude que o exército de Israel terá se nos encontrar. Cruzamos com uma equipe de repórteres mexicanos, me perguntam e digo em espanhol que é horrível, que o exército queria quebrar o povo palestino, mas que não conseguiram. No entanto, nesta altura ainda não tinha visto nada!
Quando enfim consegui entrar, as primeiras que nos receberam foram as mulheres. Aplaudiram-nos, desejaram-nos boas vindas em árabe, responderam a todos os nossos “salam alsikum”. Querem levar-nos a suas casas, mostrar em que estado ficaram, mas sorrimos comiserados e fomos rapidamente para o centro do campo, o nosso ponto de encontro com os amigos do outro grupo. Quanto mais nos aproximamos desse ponto, mais impressionantes são os sinais da destruição. E finalmente chegamos a um lugar totalmente desolado, onde as paredes estão de pé, mas não tampam a luz, onde o chão está coberto de escombros. Penso em imagens de terremotos vistas na TV. Estou aturdido, um estado em que tudo me parece irreal, parece que seguramente uma defesa de minha mente. Uma frase volta e meia me aparece na cabeça e é uma frase do judeu sobrevivente do nazismo Primo Levi: “o que alguns homens fizeram a outros homens...”
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