sábado, 29 de março de 2008

A Importância de Machado de Assis, Um Século Depois de Sua Morte

Um espectro ronda o Brasil: Machado de Assis. Uma de suas mágicas é que ele é plural e pode ser lido e relido por todos: conservadores, marxistas, feministas, afrodescendentes, multiculturalistas. Muitos o lêem e o reivindicam. Ele deu à literatura brasileira uma raiz forte e polêmica, plantou a árvore e hoje podemos colher seus frutos. As leituras que se faz dele são surpreendentes. Fizeram dele uma leitura afro: ele tratou, ainda que muito sutil e maroto, desse tema tão pesado. A dificuldade de superar a escravidão, a tendência em se livrar de seus condicionamentos foi observada em Brás Cubas. Muitos tendem a simplesmente querer inverter essa relação, voltando o chicote no couro de quem mandou dar: Machado viu essa reação com muita humanidade e compreensão, mas não sem humor e ironia.

Talvez ele risse do piparote que levou do cineasta Glauber Rocha, que disse, em suas Cartas Ao Mundo, que Machadinho não dava Cinema Novo e a Academia que ficasse com ele. O fato foi que Machado, que tanto se esforçou para dar substrato e consistência ao ambiente intelectual onde vivia, era então objeto de um grande debate, tendo tematizado, tendo lido Marx à sua própria revelia, sobre as chamadas idéias fora do lugar. No entanto, não só a Academia e o realismo pessimista querem antropofagizar Machado de Assis e, se Machado não deu samba de Noel Rosa, saiu-se bem penumbra: fizeram vários filmes inspirados nele. O próprio Glauber nunca quis filmar Machado, mas ao ouvir do cineasta norte-americano Elia Kazan elogios a Epitaph for a Small Winner (Memórias Póstumas de Brás Cubas, na edição inglesa) convidou-o a vir para o Brasil para fazerem, juntos, esse filme. Afinal, entre as memórias póstumas e as sentimentais, Machado talvez atribuísse isso tudo a um arroubo de instinto de nacionalidade, ele veria em Glauber um filho rebelde, merecedor de compreensão. O fato é que a Academia foi tão importante para Machado quanto a Embrafilme para Glauber, mas sua relação com a instituição foi bem menos tempestuosa que a do cineasta. Glauber era de uma outra estirpe, a do Alencar que virou ópera, dos Sertões euclidianos. A dança, a música de Machado é muito sutil, é música de câmara, bossa nova de apartamento carioca.

As releituras que se pode fazer de Machado são impressionantes e fantásticas.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A Elite da Tropa sob o Signo da Perversão: Tropa de Elite


Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior[1]

Lúcio Emílio do Espírito Santo[2]

Tendo em vista as inúmeras análises correntes sobre o filme Tropa de Elite, baseado em um “romance-reportagem” de Luís Eduardo Soares e dois ex-capitães do BOPE carioca (o livro Elite da Tropa), pensamos ser necessário desmistificar e problematizar alguns pontos desse debate, enfim, colocá-lo em outros termos mais apropriados do que aqueles que estamos testemunhando, principalmente no momento em que o filme está representando o Brasil em inúmeros festivais de cinema no exterior.

Em primeiro lugar, vale responder a uma questão: o filme traz ou não o olhar do policial? Ora, ainda que seja o olhar do policial, mesmo assim não é de forma alguma um olhar policiológico. Afinal, se forem calcados em fatos reais, tanto o livro quanto o filme são uma extensa confissão e encenação de crimes. Ora, um policial que se preza não pode aceitar crimes sem denúncia e investigação. Uma polícia que não faz valer a lei é uma instituição minada em suas bases. Será que alguém está investigando os crimes ali anunciados? E se os acontecimentos graves ali relatados e registrados não passarem de representações sem referência, uma mera “sociologia da bravata”, “casca de general” agenciada em busca do brilhareco superficial da mídia?

Mas passemos a olhar o filme como um produto cuja origem foi apagada, assim como os depoimentos de policiais que ele citou de início. Analisemos Tropa de Elite enquanto obra de arte sem referência. Em primeiro, temos alguém que se apresenta, em falas em off didáticas, como um ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais que está cansado da guerra contra o tráfico. Mais adiante, apareceram inserções narrativas em inglês, incluindo uma que se refere ao BOPE como “SWAT” (special weapons and tatics, sigla da tropa de elite norte-americana que inspirou uma série de TV). Essas inserções são de um narrador onisciente, que sabe inglês e que não é, provavelmente, o Capitão Nascimento. No final do filme, existe também uma fala muito ambígua, à guisa de conclusão, deixando claro que, na realidade do Brasil de hoje em dia, não se sabe mais quem é polícia nem bandido. Ora, esse ato de fala conclusivo não pode ser atribuído ao Capitão Nascimento, pois o personagem construiu-se com base no horror letal a bandidos.

No entanto, ao assistirmos ao filme uma outra vez, vemos que essa fala final está salpicada aqui e ali, em vários pontos do filme. Ela significa que a polícia está pervertida e igualando-se aos bandidos; ela confirma, indiretamente, a fala do professor na faculdade de Direito: existem instituições sociais perversas, entre as quais a polícia. Em vários pontos de Tropa de Elite podemos encontrar perversões do discurso de esquerda: os “soldados armados de armas na mão”, aos quais Nascimento referiu-se utilizando verbos no passado, pervertem a famosa canção de Geraldo Vandré (“Para não Dizer Que Não Falei das Flores”); o discurso contra o “sistema” foi usado contra a polícia, mas apenas para concluir, num raciocínio circular, que o “sistema quer resolver os problemas do sistema, não os problemas da sociedade”; o jovem universitário que vende maconha e faz passeatas pela paz é adjetivado de “burguês” e “rico com consciência social”; em meio a imprecações, um criminoso foi associado com “clínica de aborto”, mas para defender o Papa pode-se praticar à larga a pena de morte na favela; o “policial digno”, sabendo que o que faz nada tem a ver com o curso de Direito, teme assumir responsabilidades: gritou que quem mata os jovens favelados envolvidos no tráfico é o usuário, não o membro do BOPE.

O filme de Padilha, num jogo narrativo ambivalente e traiçoeiro, negou também o Cinema Novo, o cinema do tempo de Geraldo Vandré, com o qual não estabeleceu nenhuma relação: numa espécie de substituição de importações, foi realizado com base no cinema de ação norte-americano. Tropa de Elite, em linhas gerais, pode ser definido como um bangue-bangue (com trilha sonora de rock e rap) onde matam-se favelados como num filme de John Wayne se matavam índios. E não podemos resumir o filme a uma interpretação de signos visuais e verbais: a trilha sonora conflita com o núcleo regressivo e moralista do filme e afirma, indiretamente, a presença do sexo, droga, e rock and roll, tríade firmemente enraizada na cultura pop.

No final, um filme que supostamente traria o “olhar do policial” confirmou um triste e caricato estereótipo de policial; policial esse que, numa aula sobre Vigiar e Punir (texto que faz parte dos cursos e bibliografias básicas nas Academias de Polícia), demonstrou ignorar o papel educativo e preventivo da polícia, além não ter conseguido articular, diante do referido texto de Foucault, senão um frágil argumento de “honestidade”. Esse termo, em Tropa de Elite, possui somente um significado: “honesto” é aquele que não aceita o suborno dos bandidos e faz o seu trabalho, que é o combate violento na favela. Quem é honesto pode ditar sua própria lei, como um tirano, ditador, Deus.

Capitão Nascimento, louvado por adolescentes em sites do Orkut como um novo herói brasileiro, não é um forte, uma vez que não é um espírito livre e pensante. Nascimento apenas reproduz, em cursos coisificantes, o movimento no sentido de tornar-se mero braço armado de um organismo maior, ligado ao estado. Estado que tem, por um lado, esses interventores armados para fazer valer suas proibições contra os pobres, apesar de possuir, aparelhada, uma administração que se diz “de esquerda”. No entanto, pouco pode o estado contra as forças da livre iniciativa: o exército de reserva, cuja mão de obra pouco valor possui, descobriu no tráfico uma forma de sair de sua irrelevância de séculos de senzala. Agora, a favela pode abastecer seu consumidor e possui, finalmente, um peso social, ainda que, por ora, negativo.

No final, esse “Charles Bronson brasileiro” revelou algo de importante para nós, nessa transposição do justiceiro dos guetos norte-americanos para as favelas brasileiras: a alienação em relação ao País em que vivem certos “guerreiros que acreditam no Brasil”. Em Tropa de Elite, a única verdadeira metáfora do Brasil – infelizmente referencial -- são os barracos em ruínas de uma favela conflagrada.



[1] Doutorando em Estudos Literários (UNICAMP).

[2] Coronel reformado (PMMG). Especialista em Ciências Sociais (PUC/MG).

Diário de um PM

Blogs da Folha: Diário de um PM

Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior[1]

O que é um blog? Um weblog, blog ou blogue é uma página da Web cujas atualizações (chamadas posts) são organizadas como um diário. Estes posts podem ou não pertencer ao mesmo gênero de escrita, referir-se ao mesmo assunto ou ter sido escritos pela mesma pessoa. Para as empresas, o blog pode ser uma ótima ferramenta de relacionamento, e a tendência é que seja cada vez mais utilizada. Para uso pessoal, o blog é a oportunidade de se expressar, divulgar projetos, manter contato com amigos e família e muito mais.

Para exemplificar, dou o exemplo de uma postagem de um blog interessante, mantido por Alexandre de Sousa, 2º Tenente da Polícia Militar do Rio de Janeiro, lotado no 35º Batalhão (Itaboraí, Rio de Janeiro). Numa postagem recente (http://www.diariodeumpm.net/), Alexandre escreveu: “Não me espantaria se a cúpula da segurança pública começasse, se é que não começou, a articular alguma ação contra “insubordinados” policiais militares do Rio de Janeiro que reivindicam melhores salários através dos blogs. Semana passada o Roger, Policial Civil de São Paulo, contou sobre o caso do Roberto Guerra, delegado de São Paulo e editor do blog Flit Paralisante, que foi alvo da corregedoria quando resolveu denunciar na internet a máfia policial das maquininhas caça-níqueis. Foi removido compulsoriamente para o outro lado do estado. Em poucos meses, a PM confirmaria suas denúncias, com o episódio do advogado preso com uma lista de policiais beneficiados pelos bingos.

Eu também nunca contei por aqui, mas já fui punido com repreensão, por infringir o anexo I, item 101, do temido Regulamento Disciplinar da PMERJ. Lá diz que é transgressão disciplinar “discutir, ou provocar discussões, por qualquer veiculo de comunicação, sobre assuntos políticos, militares ou Policiais Militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, quando devidamente autorizados”. Tudo por causa desse post. Segure-se para não rir.

Ultimamente repercutiu o caso do Coronel de Polícia Paúl, ex-corregedor da PM fluminense. Um dos motivos pelos quais teria sido exonerado do cargo, foi expor em seu blog a situação de penúria que vivem os policiais militares do Rio de Janeiro, com seus salários de fome. Agora estaria na iminência de ser preso (será que seriam desprovidos de inteligência a esse ponto?).

Blogs são ferramentas pessoais, acessíveis, de baixo custo, sem intermediários, apoiadas em uma mídia instantânea e de alcance global. Entende agora porque temos tanto poder? E se hoje a informação é o poder, nunca ele esteve tão próximo de cada um de nós, livre e democraticamente. Não vamos, agora, abrir mão disso. Continuemos nesse tom. E se injustiças forem


[1] Graduado em Filosofia, Mestre em Estudos Literários. Doutorando em Teoria e História Literária (UNICAMP).

domingo, 9 de março de 2008

Nelson Rodrigues Já Virou Clichê

Não consegui fazer com que o Youtube tirasse esse entediante vídeo do Gregori Pavan aí do lado. Sempre quando tento tirá-lo, vejo que precisaria tirar meu vídeo, Big Brother Literatura Brasilis.
O moço que postou, Gregori Pavan, é provavelmente um grande fã do rodízio de berinjela que é o Big Bode. Eu simplesmente achei os vídeos dos participantes engraçados e quis agradar minha mulher fazendo uma paródia dos vídeos que os palhaços mandam, sempre caindo ou escorregando no final. Coitado desse moço, o Gregori. Eu me referi, nesse vídeo, ao cinema soviético e ao Glauber, onde as imagens não se sincronizavam com a trilha sonora. Vandré comentando as pessoas dançando a emburrecedora Axé Music foi um bom comentário político mudo.

Nelson Rodrigues escrevia bem, mas Oswald de Andrade é que renovou o teatro brasileiro moderno. Nelson Rodrigues fez Vestido de Noiva e outras peças como modernismo domesticado: ele é uma celebridade midiática, diz e escreve os escândalos que a mídia quer e queria ver. Tanto que hoje em dia a Globo faz adaptações ora de mau gosto de Nelson, como um episódio de A Vida Como Ela é onde o sujeito se enforcava, vestido de noiva, na véspera de seu casamento. E teve gente que me perguntou se a peça era isso. Achei de um ridículo atroz. E isso passa como o melhor de nossa dramaturgia, como se Pedro Bloch, Boal, Vianinha, Jorge Andrade e outros não fossem bons.

No futuro, como disseram na última Caros Amigos (já viram? Nassif detonou o Diego Alemão Mainardi, que agora sim, arrumou para a cabeça, juntamente com o posudo bobão Reinaldo Azevedo) estaremos vendo Shit Vip, com celebridades cagando nos banheiros mais luxuosos do mundo. E competirá com Maligno!, programa que mostrará os tumores de famosos. A recepção "loura burra" de Nelson justiceiro no Bigue Bóde. Lá, o máximo que se chega é a admitir intra muros experiências sexuais alternativas (ai, que trangressão, Bataille e Sade estão arrancando os cabelos no túmulo!) e repetir clichês (Ruy) castristas. A biografia féchion feita para bombar na mídia.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Um Poema de Pedro de Bois

ÉPOCAS

Desdobrada vida: introduzida
época de conquista: medos
e persas em desabalada fuga
- o egípcio olha
com desdém e desgosto -
dos hinos e cânticos
escondidos em escuras roupas
e promessas não alcançadas:
ao credo fé e enlace
entre a história e os vencedores
das batalhas em corpos mutilados
e destroços céticos: em nada
acreditaram os deuses desde o exílio
houvesse a volta e o planeta
- mágica e mistério - tomasse
outro rumo alterasse o prumo e o eixo
endireitasse: o fogo e as trevas
em desdobramentos
de inépcias conhecidas.