GERALD THOMAS
É perturbador ler Estranha Tribo de John Hemingway. Mas eu digo isso com a melhor das intenções. Muito da literatura em nossa história não é objeto confortável de contemplação. Strange Tribe é uma estranha trip, ou talvez, uma odisséia; uma mistura disfuncional de fracassos familiares de um homem contra sua imagem ao avesso. John, ao contrário de seu pai e avô, é um contador de histórias “normal”, sobrevivente e capaz de contar essa fascinante história de família num jeito simples e quase irônico, depois de ter vivido e visto dias e noites a si mesmo e ao pai através do espelho quebrado de um circo de horror.
É um forma irônica de explicar o que parece inexplicável. Esse livro pode até não ter o impacto conceitual no leitor que possui a vida e obra de Oscar Wilde, mas é provavelmente a primeira coisa que vem à mente, assim como os trocadilhos. Ernest Hemingway era o ideal de masculinidade para seu filho, e depois de muitas falhas em ser bem sucedido como o pai (obcecado como era com o paizão, um escritor famoso), fracassou no sentido lato da palavra. Kafka vem à mente. Sua famosa Carta ao Pai, quero dizer.
Mas Strange Tribe não é certamente escrita para ser interpretada como uma tragédia ou um melodrama. Existem tantas passagens engraçadas. Eu disse engraçado? Sim, engraçado, emocionante, quente, são espantosas imagens da condição humana e, é claro, instantes das vidas (são tantas) que encontraram pela frente esse touro que era Ernest Hemingway. É difícil não notar o estresse com que John faz a descrição de seu pai Greg, sua luta contra a depressão e o próprio fato de que nascera na Grande Depressão. Culpado do suicídio de Ernest em 1961, Greg acabou trocando de sexo: outro movimento que parece fictício, uma curta história curta para uma vida tão curta. Greg Hemingway morreu como mulher.
A importância de ser doidão
Tanto desentendimento aqui em sua família, tanta natureza aqui que eu às vezes me vejo imerso no mundo de outro irlandês: mundo de Samuel Beckett e seu texto “Primeiro Amor”, que é um texto sobre o momento quando uma mão de criança toca a mão do pai, mas sem qualquer outro significado que possa ser tirado. Pai e filho apertando as mãos, claro e simples. Mas não é justifável somente pelo amor. Antes de ler o livro, eu pensava em Hemingway como um lutador de boxe, um toureiro. Um homem que tinha um relação de amor e ódio com América e amava Cuba, tendo trabalhado de repórter na Guerra Civil Espanhola. Depois de Strange Tribe, eu penso que em Greg em um trocadilho com Guernica, de Picasso: Greg-nica, com sua claustrofobia e uma solitária lâmpada pendurada através das sombras, assim como é duro perder a guerra contra seu pai. Talvez eu tenha lido o livro de cabeça para baixo. Talvez o livro seja um acerto de contas com uma luta familiar, talvez eu o tenha tomado como uma obra-prima de construção/desconstrução, assim como do desconforto que as melhores obras literárias em nossa história precisam ter.
Gerald Thomas é diretor teatral
2 comentários:
Oi Lucio, acompanho seu blog. Não conhecia esse texto do Gerald. Muito bom. Lembro sempre de Paris é uma festa, que é um livro interessante e engraçado para conhecer o brilhante E. Hemingway e outros da cena literária da década de 20.
Oi, Alan. Esse texto do Gerald está originalmente em inglês e ele não traduziu e rompeu com a amizade com o John. O nome original era The Importance of Not Being Ernest, trocadilho intraduzível. A tradução ficou corrida, vou ver se tento melhorar. Eu sempre leio o seu blog, mas como não há comentários, acabo sempre esquecendo de enviá-los a vc.
Vc pode ver que aqui sou muito direito, eu me jogo, mesmo; vc é mais mineiro que eu. Por exemplo, tive a mesma impressão que vc dos "trostquistas cristãos" que não querem se contaminar. O cenário político é barra pesadíssima e essa do César Benjamin carregou o ar, mas realmente a barra que ele viveu foi pesada e o artigo todo é comovente; leio o que o Marcelo Coelho anda escrevendo sobre ele no blog dele, Cultura e Crítica. É primoroso.
Abs do Lúcio Jr.
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