Um observatório da imprensa para a cidade de Bom Despacho e os arquivos do blog Penetrália
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
A Importância do Caminho Torto de Hemingway
É perturbador ler Estranha Tribo de John Hemingway. Mas eu digo isso com a melhor das intenções. Muito da literatura em nossa história não é objeto confortável de contemplação. Strange Tribe é uma estranha trip, ou talvez, uma odisséia; uma mistura disfuncional de fracassos familiares de um homem contra sua imagem ao avesso. John, ao contrário de seu pai e avô, é um contador de histórias “normal”, sobrevivente e capaz de contar essa fascinante história de família num jeito simples e quase irônico, depois de ter vivido e visto dias e noites a si mesmo e ao pai através do espelho quebrado de um circo de horror.
É um forma irônica de explicar o que parece inexplicável. Esse livro pode até não ter o impacto conceitual no leitor que possui a vida e obra de Oscar Wilde, mas é provavelmente a primeira coisa que vem à mente, assim como os trocadilhos. Ernest Hemingway era o ideal de masculinidade para seu filho, e depois de muitas falhas em ser bem sucedido como o pai (obcecado como era com o paizão, um escritor famoso), fracassou no sentido lato da palavra. Kafka vem à mente. Sua famosa Carta ao Pai, quero dizer.
Mas Strange Tribe não é certamente escrita para ser interpretada como uma tragédia ou um melodrama. Existem tantas passagens engraçadas. Eu disse engraçado? Sim, engraçado, emocionante, quente, são espantosas imagens da condição humana e, é claro, instantes das vidas (são tantas) que encontraram pela frente esse touro que era Ernest Hemingway. É difícil não notar o estresse com que John faz a descrição de seu pai Greg, sua luta contra a depressão e o próprio fato de que nascera na Grande Depressão. Culpado do suicídio de Ernest em 1961, Greg acabou trocando de sexo: outro movimento que parece fictício, uma curta história curta para uma vida tão curta. Greg Hemingway morreu como mulher.
A importância de ser doidão
Tanto desentendimento aqui em sua família, tanta natureza aqui que eu às vezes me vejo imerso no mundo de outro irlandês: mundo de Samuel Beckett e seu texto “Primeiro Amor”, que é um texto sobre o momento quando uma mão de criança toca a mão do pai, mas sem qualquer outro significado que possa ser tirado. Pai e filho apertando as mãos, claro e simples. Mas não é justifável somente pelo amor. Antes de ler o livro, eu pensava em Hemingway como um lutador de boxe, um toureiro. Um homem que tinha um relação de amor e ódio com América e amava Cuba, tendo trabalhado de repórter na Guerra Civil Espanhola. Depois de Strange Tribe, eu penso que em Greg em um trocadilho com Guernica, de Picasso: Greg-nica, com sua claustrofobia e uma solitária lâmpada pendurada através das sombras, assim como é duro perder a guerra contra seu pai. Talvez eu tenha lido o livro de cabeça para baixo. Talvez o livro seja um acerto de contas com uma luta familiar, talvez eu o tenha tomado como uma obra-prima de construção/desconstrução, assim como do desconforto que as melhores obras literárias em nossa história precisam ter.
Gerald Thomas é diretor teatral
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Leitores: entrem na comunidade do livro Estranha Tribo
http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=72963821
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Resenha de Strange Tribe (Curledup.com)
Estranha Tribo: Uma Memória Familiar (sem tradução em português) (Strange Tribe, John Hemingwway, Lyon Press, 2007)
Neto de Ernest Hemingway, o autor trata dos efeitos perturbantes que a imagem de macho ideal de Hemingway tiveram sobre a imagem de seu pai e inevitavelmente sobre si mesmo. Ernest Hemingway cometeu suicídio. O pai do autor de Estranha Tribo, o filho mais novo de Ernest, Gregory, teve dificuldades com a identificação de gênero durante toda sua vida, tendo morrido no Centro Correcional Feminino de Miami em 2001. O autor foi atingido pelos traumas do avô e do pai. Por muito tempo, ele viveu sem raízes, livre como um vagabundo, numa vida exacerbada pelo irresponsável e instável pai, tentando preencher os vazios que seu pai suprimiu ou ignorou em sua própria vida. John Hemingway não conseguia finalizar e dar um tratamento adequado a esse passado deixado nas sombras pelo pai e avô, até que ele mesmo virou pai na Itália, tendo tido um filho com sua esposa Ornella em 2006. O leitor não foi avisado, no entanto, que todo aquele tumulto anterior estava ali para o bem.
A história dos Hemingway é mostrada em vinhetas ilustrativas, não numa narrativa intrincada onde se vai atrás de anormalidades de gênero dos personagens. O estilo é honesto, genuíno e envolvente. Hemingway não cai no sensacionalismo muito comum em memórias contemporâneas. O ato de escrever essas memórias tem indubitavelmente um efeito catártico para ele. Não se pode esquecer que ele a escreveu como uma contribuição singular para a lenda Hemingway e suas reverberações em diversas gerações da família.
O que não quer dizer que o pai de Gregory Hemingway não amasse o filho. Para John, quando menino, seu pai era um herói. Greg amava os filhos, sem dúvida. É difícil para qualquer um manter contato com um pai que pode estar bêbado, estar preso, divorciando-se ou andando pela cidade travestido. John e Greg ficaram anos sem ver um ao outro, assim como Greg, filho caçula de Ernest, passou anos sem ver o pai.
Crescer é duro o bastante quando você tem pais amáveis (que amam um ao outro), dinheiro suficiente para todos os confortos e nenhum vício ou doença na família. Então, imagine alguém crescendo na seguinte situação: sua mãe é esquizofrênica; seu pai é bipolar, um alcoólatra, um travesti que parcialmente mudou de sexo? A partir disso, John teve três novas madrastas depois do pai ter se divorciado de sua mãe. John Hemingway, nascido em 1960, irmão de Lorian, passou por tudo isso, tendo superado tudo para escrever suas memórias, Strange Tribe, uma saga da influência e dano que Ernest Hemingway, um dos maiores escritores americanos, teve em toda sua família e descendentes.
Nascer em família de famosos é ao mesmo tempo uma graça e uma maldição. Viver com a lenda de um dos mais famosos americanos do último século não é uma tarefa fácil, mas pode abrir portas. Muitos dos Hemingway se tornaram escritores, o que não é surpreendente. E alguns, como “Papa” e seu pai antes dele, cometeram suicídio.
Numa memória escrita por Gregory, Papa, a Personal Memoir (1976), ele escreveu sobre a morte de seu pai: “eu confesso que senti profundo alívio quando enterraram meu pai, e eu percebi que não mais iria desapontá-lo nem machucá-lo mais. A influência tanto de Greg quanto Ernest, avô que John jamais viu, ainda pesaram muito sobre a mente e o coração do jovem neto escritor.
Nessa fascinante memória, John com freqüência refere-se a seu pai e seu avô como dois lados da mesma moeda. Os dois eram bipolares, fascinados com sexo e androginia, casaram muitas vezes, tiveram filhos, eram escritores, claro que Greg escreveu muito menos. Assim, o pai de Ernest também era médico, Ernest era entendido em assuntos de medicina, e Greg virou um doutor (eventualmente perdeu sua licença para clinicar).
Para os estudiosos de Hemingway, esse livro traz novos segredos. Para o leitor comum de Hemingway, especialmente para quem estuda seu trabalho após um hiato e reapreciando o gênio do homem, esse livro é um choque, fascina e envolve.
terça-feira, 16 de setembro de 2008
Matéria do site Fazendo Estrelas: A Maldição dos Hemingway
Domingo, 14 de Setembro de 2008
a maldição dos hemingway
Trágicos desfechos perseguem a família de um dos maiores escritores da literatura mundial. Famoso pela vida aventureira, fascinado pelo perigo e vida selvagem, boxeador, caçador, bebedor, pescador, Ernest Hemingway era o modelo de virilidade. Em 1961, o autor se matou com um tiro de espingarda, na seqüência de crises de depressão. Também o seu pai, o médico Dr Clarence E. Hemingway, acometido de forte depressão se matou com um tiro em 1928. Sua irmã Ursula, após sofrer três cirurgias tomou uma overdose de barbitúricos em 1966. O tio Leicester, após ter as duas pernas amputadas por causa da diabete, também usou uma arma para se suicidar. A neta Margaux Hemingway, glamourosa atriz e modelo, segundo sua autópsia engoliu uma enorme quantidade de barbitúricos, em 1996.
Em 2001 foi a vez do filho mais novo do escritor, Gregory Hemingway, 69 anos, encontrado morto numa cela do ‘Centro de Detenção de Mulheres de Miami’. Ele estava preso havia cinco dias, detido por atentado ao pudor: vagava nu por uma rua de Miami usando jóias e carregando sapatos de salto alto. Fichado como Glória Hemingway não resistiu a problemas cardíacos e de hipertensão.
Greg teve uma vida repleta de dificuldades. Além da atormentada relação com o pai, foi acusado de ser a ovelha negra da família e de contribuir para a morte da mãe. Formado em medicina o abuso de álcool o fizeram perder a licença para clinicar. Movendo-se alternadamente entre depressões e crises maníacas havia a constante incerteza da identidade de gênero. Sentia-se melhor quando se vestia de mulher, mas isso não implicava um desejo homossexual, apaixonou-se e casou-se com várias mulheres. Como o seu pai, cultuava a virilidade através de caçadas na África e o convívio com a natureza selvagem do Estado de Montana onde, ao mesmo tempo, vestido de mulher, perambulava pelos bares.
Quis se tornar mulher, com quase sessenta anos. Passou um tempo com o implante de um seio só; e assim, já transformado parcialmente em mulher casou-se, pela quarta vez, em 1992. Em 1995, completou as cirurgias necessárias para mudar de sexo. Não por isso ele terminou seu casamento. Sua última aparição pública foi em uma festa sofisticada quando surgiu em um vestido preto e usando sapatos de salto agulha.
Essa estranha divisão de Gregory já estava em seu pai. O ilustre escritor aparece vestido de menina em fotos de sua infância, e há, em suas obras, passagens tocantes em que um homem e uma mulher que se amam são tentados por uma inversão de papéis pela qual o homem se tornaria mulher nos braços de sua amada. Todo o culto à masculinidade talvez fosse uma forma de conter a fascinação pelo feminino, e sobre a dificuldade de ser homem como regra de vida. Ou como no caso de Gregory, esta identidade masculina foi transmitida e imposta como uma bandeira, mesclada a isso existia a complexidade da identidade de gênero. Gregory obteve relativo sucesso como escritor. Deixou um espólio considerável que foi disputado numa complicada batalha judicial pelos filhos e pela viúva Ida, com quem se casou duas vezes: antes e depois da mudança de sexo.
Tudo isso é relatado no livro ‘Strange Tribe’ de John Hemingway, que conta a história do avô que morreu quando ele tinha apenas onze meses, do seu pai transexual e de como conseguiu se salvar da maldição dos Hemingway.
categoria: homossexuais célebres
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
Biografias e Artigos de Jonn Hemingway
Biografia de John Heimingway:
Nasci em 19 de agosto de 1960, em Miami, Florida. Meu pai, Gregory H. Hemingway, era o terceiro filho de Ernest Hemingway. Minha mãe chamava-se Alice Thomas. Tenho sete irmãos e irmãs e sou o segundo mais velho dentre os filhos de três esposas de meu pai. Minha infância foi passada em Miami, mas terminei a High School (1979) em Connecticut, na escola que meu pai era professor. Sou graduado pela U.C.L.A. (University of California, Los Angeles) em 1983 com B.A.em History (specialização em História da América do Sul). Em 1984 mudei-me para a Itália, onde vivo até hoje. Minha esposa Ornella Canedoli é canadense/italiana e temos um menino de cinco anos de idade, Michael. Sou professor, tradutor e escritor.
Uncle Leicester Hemingway
Tio Les
by John Hemingway
Ele era muito parecido com o seu irmão, e à noite, ou do outro lado de um quarto escuro, ou quando você bebia um pouco demais você até pensava que ele era o grande escritor
Morava numa casa estilo colonial com sua família no topo da ilha San Marino, entre Miami e Miami Beach, e enquanto eu estive lá, entre os anos de 1973 e 1977, havia sempre uma visita para jantar ou beber um drinque. Ele tinha literalmente centenas de amigos e conhecidos e seu entusiasmo por tudo que fazia era tão contagiante que, por onde quer que ele andasse, estava sempre rodado de atentos ouvintes.
Penteava os cabelos pretos agrisalhados para trás e usava um par de óculos com armação preta e pesada que aparentava algo entre um trabalhador de escritório e um poeta beat dos anos sessenta. Era dezesseis anos mais moço do que Ernest e dezesseis mais velho do que meu pai. Era o último filho vivo e tem muitas coisas de sua personalidade e caráter que me fazem lembrar de meu pai Gregory e meu avô Ernest.
Gostava de estar rodeado de pessoas e se divertir, mas podia também permanecer longamente solitário. Se houvesse alguém por perto para conversar ele conversaria, mas frequentemente lá estava ele no quintal dos fundos, ouvindo o vento nos pinheiros, pensando sileciosamente, empilhando achas de lenha que ele utilizava quase todas as noites na lareira. Nunca me falou muito sobre a sua família, mas eu sei que ele amava o seu irmão e que tendia a culpar a sua mãe pelo suicídio do pai. Obviamente que você não poderia afirmar que minha bisavó foi a culpada. Uma depressão clínica desenfreada atacou a família -- o pai e mais três filhos cometeram suicídio até então. Desta forma era mais fácil culpar alguém do que lidar com a realidade de uma má sorte genética.
Tal qual meu avô, Tio Les era um grande viajante. Estava sempre pronto para ir para algum lugar e consumiu grande parte da sua vida pulando de ilha e ilha no Caribe. Depois de servir o exército, durante a guerra, ele foi diretor de uma compania de navegação nas Ilhas do Caribe por dois anos, depois disso, nos anos sessenta e setenta, ele dirigiu e imprimia o único jornal das Ilhas Bimini. Chegou até a "criar" a sua própria ilha, ou "república" como ele chamava.
Com uma boa soma ganha com a biografia de seu irmão ele criou uma ilha artificial, sobre uma barreira de corais ligeiramente fora das águas territoriais das Bahamas. Ele chamava o "seu país", do tamanho de um campo de futebol, de "Nova Atlântida". Pensava que entre tantas coisas ele poderia usá-la para ensinar a democracia para jovens e experimentar formas de governo.
Chegou a imprimir o seu próprio selo e fazer uma petição às Nações Unidas para reconhecimento. Até tinha uma foto dele com Hubert Humphrey, o vice presidente de Johnson, pendurada no banheiro de hóspedes de sua casa. Infelizmente a ilha do Tio Les não durou muito. Dois meses após ele conclui-la um furacão a destruiu.
Tal meu pai, era difícil considerar Tio Les um seguidor da moda. Ele possuia sim um terno e gravata, visto na foto com o vice-presidente dos Estados Unidos, mas seu traje habitual era uma vistosa camisa Cuban Guyabara e uma calça cáqui desbotada. E eu acho que nunca vi Tio Les com um par de sapatos de couro. Preferia canvas dock side ou qualquer tipo fácil de enfiar os pés sem a preocupação que estivessem secos ou molhados, limpos ou sujos.
Muitas pessoas olhavam para o jeito que ele se vestia e para o velho carro de segunda-mão que dirigia achando que ele não era sério como seu irmão e que lhe faltava o trato e a elegância de Ernest. Certamente que ele não tinha a notoriedade e alcançado o sucesso de Ernest, mas isso, o nível de Ernest, eu duvido que qualquer um de nossa família alcançará. Meu avô era uma pessoa difícil de se conviver e acompanhar. Um gênio é um gênio e não pode ser copiado.
Mas Tio Les tinha uma idéia clara do que era certo e errado e como um homem deveria viver. E dignidade foi uma coisa que ele não considerava superficialmente, achava que havia muitas coisas que se poderia fazer para realçá-la ou perdê-la de vez.
Socorrer seus amigos, sua família, quando necessário, era a segunda natureza de Tio Les. Ele não esperava ser convencido, ia e fazia tudo o que estivesse ao seu alcance. Sei disso porque quando eu tinha treze anos minha mãe sofreu uma afecção mental. Ela tinha dupla personalidade, ou esquizofrenia, e esta não tinha sido a primeira vez que ela tinha tido problemas, mas foi a primeira vez que eu, como filho mais velho -- minha irmã era um ano mais moça do que eu, meu irmão seis -- tive que pensar sobre uma solução.
Meu pais haviam se divorciado quando eu tinha seis anos e meu pai foi viver
Respondi que conhecia uma senhora, a mãe de um amigo da escola. Então ele nos colocou no carro da patrulha e nos levou até a casa dela. No trajeto ele percebeu que estávamos nervosos e tentou brincar com a situação dizendo com um sorriso: - vejam todas estas pessoas tolas lá fora. Elas pensam que vocês três estão presos. Anos depois, relembrando aquela viagem eu pensei como ele foi gentil e como deve ser difícil às vezes para um policial.
Ficamos na casa de meu amigo por dois dias e sua mãe foi muito amável conosco e antes de nos levar de volta para nossa casa ela comprou comida e encheu nossa, então, geladeira vazia.
Minha mãe foi solta, mas duas semanas mais tarde foi presa novamente por dirigir embriagada. Desta vez, quando o policial fez contato com a mãe do meu amigo ela telefonou e perguntou se não tínhamos parentes
Naturalmente que Tio Les e sua esposa, Doris, disseram à polícia que tomariam conta de nós. E foram nos apanhar num de seus velhos carros, uma viagem pela estrada aterrada Venetian até o topo da ilha onde moravam.
Lembro que no início, mesmo tendo um lugar para ficar, eu não era feliz. Tive que deixar minha escola e meus amigos e estava num ambiente completamente estranho.
Eu devia estar emocionalmente chocado e escrevia cartas e mais cartas para meu pai, seu irmão, meu outro tio Jack, para qualquer um que pudesse, eu pensava, me tirar de lá.
Tudo parecia fora de controle e eu estava tentando estabelecer, do meu jeito confuso, uma forma qualqer de ordem. Foi um período difícil da minha vida e meu Tio Les sabia. Seu pai morreu quando ele tinha 13 anos de idade e por causa do desastre financeiro que a sua mãe teve que lidar ele foi enviado para a casa de sua irmã mais velha e seu marido no Hawaii. Ele nunca me contou isso. Eu descobri anos mais tarde quando alguém me enviou um livro com o título "Hemingway de A a Z" com uma rápida biografia dele, revelando que vivera lá quatro anos de sua vida.
Quando eu estava com treze anos, magricelo e desajeitado como somente um adolescente pode ser, lembro ter dito para ele que achava que eu nunca seria alto e forte como ele. Perguntei como ele era na minha idade. De repente ele perdeu o sorriso, franziu o cenho e disse: "- exatamente como você". Deveria estar olhando para mim e revendo a sim mesmo, um sobrinho tímido e introspectivo.
Quando eu finalmente desisti de escrever cartas comecei a ler os livros de meu avô. Li Farewell To Arms, Men Without Women, Nick Adams Stories e todos os demais. Fiquei fascinado, eu acho, pela idéia de estar relacionado a alguém que podia escrever tão bem. Parecia tão grande, tão irreal. Mas quando eu tive contato com For Whom The Bell Tolls, Por Quem os Sinos Dobram, lembro que numa tarde estava lendo o livro na mesa da sala de estar daquela grande casa no topo da ilha, era agosto e estava muito quente, muito úmido também, e eu vestia bermuda cáqui, sem camisa, descalço, e Tio Les aproximou-se pelas minhas costas, em silêncio, e colocou sua mão no meu ombro ossudo e disse: "- ele escreveu isto para rapazes como você, Johnny, lembre-se disto".
Acho que jamais recebi, ou nunca irei receber, um cumprimento mais significativo na minha vida. Ele não disse mais nada. Deixou assim, mais foi o bastante. Por Quem os Sinos Dobram é um livro que vai no âmago de tudo o que meu avô acreditava. Sacrifício, coragem, abnegação e tudo expressado lindamente em um poema no início do livro pelo poeta John Donne.
Nenhum homem é uma Ilha, inteiramente em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da Terra. Um Torrão levado pelo Mar diminui a Europa, como se um Promontório fosse, da mesma forma que a Herdade Feudal de teu amigo ou a tua própria também. A morte de um único homem Me diminui, porque eu sou parte do Gênero Humano. Portanto, nunca queira saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.
Regras para a gente inspirar a nossa vida, sempre pensei, sobre a dignidade de um homem, qualquer homem. Ele não poderia dar-me muitas coisas, materiais, mas no seu próprio jeito subentendido e através de suas ações mostrou-me o que é importante na vida.
Quatro anos mais tarde eu deixei a casa da ilha, a diabetes de Tio Les deteriorou ao ponto dos médicos decidirem amputar as suas pernas, então, para não qurendo se tornar um estorvo na vida de ninguém, terminou ele mesmo com a própria vida.
Copyright 2002, John Hemingway - Agosto, 2002 - Libero, Milão, Itália.
NOTAS DO TRADUTOR:
"John Hemingway me contou que desde a adolescência mantém na sua carteira o poema de John Donne, que inspira o nome do maior romance de seu avô, Por Quem os Sinos Dobram"
"John me contou também que acabara de escrever o artigo traduzido ao lado, quando eu lhe telefonei para sua casa em Milão, Itália"
"John ficara impressionado com a coincidência, eu estar traduzindo o livro de seu avô, que segundo ele é o mais forte dentre todos, no momento em que ele escrevia o artigo". Luís Peazê
Montana
Montana
by John Hemingway
(tradução por Luís Peazê)
Quando você é jovem comete loucuras, dizem. Ou talvez faça as mesmas coisas que qualquer um mais velho faria, mas não faz porque é mais sábio e perdeu a espontaneidade que é algumas vezes criativa, algumas vezes desastrosa. Nos meus vinte e cinco anos eu vivia com meu pai em Montana, numa cidade universitária chamada Missoula. Papai ainda trabalhava como médico e eu acabava de regressar aos Estados Unidos depois de meu primeiro ano em Milão, Itália.
Era verão e no início pareceu que tudo ia bem. Papai era maníaco-depressivo sujeito às estações do ano. Quer dizer, se ele não estivesse tomando medicamentos, automaticamente escorregava para a fase de crise tão cedo o tempo mudasse. Quando isso acontecia estar com ele era como fazer um piquenique na ladeira de um vulcão prestes à erupção. A vida tornava-se bem problemática.
Ernest também sofria do mesmo mal e as três de suas novelas inacabadas, publicadas pos mortem, The Garden of Eden, Islands in the Stream*, e True at First Light foram supostamente escritas no fervor de períodos de maníaca-depressão.
Era a condição permanente de saúde de meu pai, que eu lembre, e até 1983 nunca teve problema em reunir os seus pedaços após um ciclo de autodestruição. Mas a última vez foi diferente. Tinha acabado de se divorciar e perdera o emprego após quebrar o nariz do administrador do hospital onde era médico.
Como de costume, com o frio do mês de setembro, ele descia de sua montanha e acomodava-se no estado de depressão, que durava geralmente através do inverno até o início da primavera. Quando lhe telefonei, no final de junho de 1985, ele estava no meio das duas fases e ficou surpreso ao me ouvir. Eu tinha acabado de cruzar a fronteira do Canadá e estava em Buffalo, sem um tostão, pensando se ele não teria uns cem dólares para me dar de modo que eu pudesse chegar até a Costa Oeste.
"Sem problema", disse-me ele, e quis saber quem em particular eu estaria planejando visitar. Para ser honesto tenho que admitir que não havia ninguém na Califórnia nem em Seattle que eu pudesse contar, além dele mesmo, então lhe respondi que estava pensando em visitá-lo. "Você tem certeza que é isto que você quer?" ele me perguntou.
"Faz tanto tempo" eu lhe respondi. Disse e confirmei que era de fato o que eu queria, mas acho que ele não acreditou
Papai manteve a sua promessa e quando o dinheiro chegou eu comprei uma passagem da Greyhound para Montana.
Estava contente por sair de Buffalo e pensei que se o pior acontecesse a passagem era válida para qualquer destino dentro dos Estados Unidos, tinha dois dias para pensar (o tempo de viagem até Missoula) e onde quer que eu repensasse revê-lo poderia simplesmente permanecer no ônibus e continuar até o Oeste.
No segundo dia de minha viagem inter-estadual o ônibus parou para o jantar em Butte, Montana, e eu telefonei para meu pai, para lembrar-lhe que eu estaria chegando em Missoula naquela mesma noite, às nove horas. Disquei o seu número umas seis ou talvez dez vezes e ninguém atendeu. No final eu calculei que ele estivesse fora, num restaurante, e estaria lá me esperando quando eu desembarcasse.
A viagem até Missoula levou em torno de uma hora. Quando cheguei lá estava escuro e o ônibus foi para a estação na periferia da cidade. O motorista me ajudou a puxar minha mochila do meio das outras bagagens e eu olhei em volta para ver se meu pai estava lá. Fui a única pessoa a desembarcar e não havia nenhum automóvel no estacionamento.
Entrei na estação e perguntei para o único funcionário de plantão se ele tinha visto um homem de aproximadamente cinquenta anos esperando pelo meu ônibus. "Não" foi a resposta, não havia aparecido ninguém com as descrições que lhe dei.
Então eu telefonei para papai e novamente o aparelho no outro lado da linha tocava, tocava e ninguém atendia. Nesse momento o ônibus partiu e aquele funcionário fechava a estação. Nada mais passaria por lá até às oito horas da manhã seguinte e a menos que eu quisesse ficar trancado na sala de espera, até o outro dia, eu teria que sair.
Joguei minha mochila nas costas e comecei a caminhar na direção da estrada. Calculei que se ele não tinha aparecido e não respondia o telefone então ele não queria me ver.
Restavam quinze dólares do dinheiro que ele me enviou, não iriam durar muito, assim pensei em tentar a sorte pedindo carona. Havia um caminhão reluzente numa parada não muito longe da estação e eu decidi que a melhor coisa a fazer era andar naquela direção. Mas ao chegar no caminhão, seja pelo olhar pouco convidativo do motorista ou porque eu não estava convencido de desistir de meu pai, caminhei em outra direção e passei a noite enroscado no asfalto, numa lavadoura de carros abandonada, mais adiante na estrada.
Acordei meio dolorido na manhã seguinte com os primeiros raios do novo dia oblíquos sobre as montanhas que rodeiam Missoula. De pé eu podia ver uma neblina rala pairando no centro da cidade, perto de um dos dois rios que a cortavam. Estava contente por ter ficado e pensei que, se não houvesse nada mais, meu pai herdara de meu avô Ernest pelo menos o instinto de escolher lugares estupendos.
Olhando para o vale, a sensação de espaço e silêncio me convenceu que valeria a pena telefonar uma vez mais para meu pai. Então eu caminhei até a parada de caminhões, encontrei um telefone público, disquei seu número e desta vez ele respondeu. Sua voz era sonolenta, ainda estava na cama e acho que ele não sabia quem estava telefonando. Quando se deu conta de quem era pareceu surpreso que eu estivesse
Seu apartamento ficava num edifício ao lado de um dos rios. Estava um desastre. Louça suja, latas de cerveja espalhadas por todo canto e uma atmosfera de que ali morava uma pessoa desesperada por alquém que lhe cuidasse.
Fiz o melhor que pude. Limpei o apartamento e lhe devolvi alguma ordem que ele abandonou quando estava deprimido. Nos atualizamos quanto as nossas vidas e ele me falou sobre seus problemas recentes, seu divórcio e como ele estava tentando reerguer-se nas próprias pernas novamente.
Ele estava trabalhando, embora fosse na clínica da Penitenciária Estadual em Deerlodge, tinha um emprego e acreditava na importância do trabalho. Era uma função tediosa que um amigo lhe arranjou após a última crise e tudo o que fazia era olhar a garganta dos prisioneiros e receitar antibióticos em alguns casos de VD.
Pelo menos ele estava praticando de novo e isto servia como âncora, pensei, que poderia segurá-lo quando começasse a derivar.
Durante quatro semanas isto funcionou e eu pensei que era possível desta vez que ele administrasse sua condição psíquica, ou talvez a curasse e daí norteasse uma vida normal como qualquer pessoa que não fosse maníaca.
À noite, quando ele voltava da clínica, costumávamos comer fora, e quando ele tinha uma folga pegávamos o carro e íamos para a reserva Indígena, pescar no lago Flathead, ou para lugares que ele queria me mostrar e onde poderíamos, no outono, caçar veados com arco e flecha.
Numa dessas noites ele não retornou para casa e na manhã seguinte, quando eu estava na sala assistindo TV, a porta da frente se abriu e meu pai deu um passo para dentro vestido como drag queen.
Acho que ele não esperava me ver porque rapidamente deu um passo para trás e bateu a porta. Fiquei parado lá, sentado no sofá e pensei na frase de Ernest "Gigi, eu e você pertencemos a uma tribo muito estranha", ela era verdadeira.
Ele dissera isto para meu pai quando papai foi preso pela primeira vez aos quinze anos por vestir-se como mulher. Eu sabia, como todos na família, que ele gastava muito dinheiro em sapatos femininos e vestidos, mas ouvir era uma coisa, ver era totalmente diferente.
Eventualmente ele voltou, abriu a porta da frente e subiu a escada para seu quarto na ponta dos pés, sobre os sapatos de salto alto e de vestido.
Quando ele desceu, após o banho e vestindo roupas de homem, eu não perguntei nada e ele também não me deu nenhuma explicação. Calculei que se quisesse falar a respeito ele falaria. Nunca falou e eu deixei assim. Entretanto acho irônico que o filho mais moço de Ernest Hemingway, indubitalvelmente mais parecido em termos de inteligência, senso de humor e habilidade para a caça fosse também bisexual.
Ele deveria ser um bom personagem para um dos livros de meu avô. Brilhante, mesmo assim tragicamente fracassado, transportando em si mesmo as sementes da sua própria destruição.
Depois daquela manhã a raiva dentro dele começou a crescer. Demitiu-se do trabalho na penitenciária e foi tornando-se gradualmente mais e mais agressivo comigo. Qualquer coisa servia como pretexto para uma briga. Um jogo de tênis, uma opinião expressa, a decisão sobre onde ir para um café. Eu estava sendo empurrado ao limite do meu auto-controle e cheguei bem perto de perdê-lo.
Mas antes que isso acontecesse ele foi preso. Tinha tentado trocar um cheque de sua ex-esposa, vestido de mulher, numa drogaria. O juíz ao qual ele foi apresentado soltou-o porque "Montana precisava de médicos", mas lhe advertiu que ao vê-lo novamente iria jogá-lo no xadrez. Uma semana mais tarde, após discutir comigo, forçou a entrada num restaurante para breakfast, sem camisa. Sabia que naquele determinado restaurante ele não poderia entrar semi-desnudo. Quando o proprietário lhe disse que teria que se retirar ele chutou a porta de vidro e a quebrou.
Um policial o prendeu na manhã seguinte e desta vez o juíz lhe disse que ele podeira escolher: ir para uma Clínica de Tratamento Mental em Butte ou para a cadeia até que ele se sentisse preparado para a Clínica. Durante a audiência ele se recusou a reconhecer a autoridade do juíz e foi congelado na cadeia por duas semans até que decidiu internar-se numa clínica.
Neste meio tempo eu estava trabalhando na floresta com um amigo, usando o carro de meu pai para transportar lenha para clientes
Passei aquele dia rodando na caminhonete de meu amigo e à noite tomei uma decisão. Comprei uma passagem da Greyhound até Butte, caminhei da estação até o estacionamento da clínica e lá estava o seu carro estacionado. Tinha um jogo de chaves reservas comigo, então eu abri a porta liguei o carro e sai dirigindo.
Passei um mês e meio trabalhando
Em janeiro ele me escreveu dizendo que não guardava mágoa de mim e que provavelmente teria feito a mesma coisa se estivesse no meu lugar.
Copyright 2002, John Hemingway
NOTA DO TRADUTOR: Gregory Hemingway (69), pai de John Hemingway, morreu em outubro de 2001 na penitenciária feminina em Miami, pois havia se submetido a cirurgia para troca de sexo e passara a se chamar Gloria Hemingway. Foi casado quatro vezes e teve sete filhos.
Segundo Lorian Hemingway, uma das filhas de Gregory H.,``Papai era um homem de grande compaixão e vivia em constante auto-procura... Acredito que ele queria mais que tudo favorecer as pessoas e ser amado". Lorian Hemingway escreveu "Walk on Water" (livro de memórias), indicado para o Prêmio Pulitzer de 1999.
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**terça-feira, 5 de agosto de 2008
Resennha do Gerald sobre o Estranha Tribo do John
Tuesday, August 5, 2008
The importance of NOT being Ernest
"The importance of NOT being Ernest"
GERALD THOMAS
To read John Hemingway's Strange Tribe is very disturbing. But I say that with the best of intentions. Some of the most interesting literature in our History has not been a comfortable object of contemplation. Strange Tribe is a strange trip or, rather, an odyssey; a dysfunctional mixture of family failures and familiar literary triumphs of man versus its own reverse image. John, unlike his grandfather and father, is a “normal” storyteller, a survivor of sorts, capable of telling this fascinating family story in a simple and almost ironic way, after having lived through days and nights of having had to look at himself and his father through a broken mirror after a night of horrors.
"It's an ironic way of explaining the seemingly inexplicable", this book cannot but to have a conceptual impact on the reader and Oscar Wilde's life and work is probably the first thing that comes to mind (all puns included). Ernest Hemingway was the ultimate ideal of masculinity but his son, after many failed attempts of being successful as such (obsessed as he was with the great father and writer), was a failure in every sense of the word. Kafka comes to mind. His famous letter to his father, I mean.
But Strange Tribe is certainly not written to be interpreted as a tragedy or melodrama. There are so many funny passages. Did I say funny? Yes, funny, warm, heartbreaking, loathing, amazing flashes at the human condition and, of course, glimpses of derailment of many lives (many!) that encounter this huge enormous bull of a man called Ernest Hemingway.
But it difficult not to notice the stress John makes when describing his dad Greg and his bout with depression and the fact that he was born at the time of the great Depression. Blaming himself for Ernest's suicide in 1961, Greg ended up having a sex change: another daring move, something almost fictitious, out of a book, a novel of sorts, a short story, a short lived story, short lived and loved and loathed and so misunderstood: Gregory Hemingway died as a woman.
"The importance of being wild"
So much misunderstanding here in this family; so much human nature here that sometimes I found myself immersed in another Irishman's world or Universe: that of Samuel Beckett's and his “First Love”, that incomprehensible hand of the child touching that of the father's without any other meaning intended. Father and son holding hands: plain and simple. But life is not justified by love alone.
Before reading this book I thought of Ernest Hemingway as a boxer and bullfighting fan. A man who had a love and hate relationship with America and loved Cuba and reported on the Spanish Civil War. After reading Strange Tribe I think of his son Greg and Guernica, the masterpiece by Picasso, with its claustrophobia and a single light bulb still hanging shedding shadows on the massacre of what a human being became after losing an uncivil war with his father. Perhaps I read the book upside down. Perhaps the book was written as an account of a family struggle and I simply took it further and made it into a masterpiece of construction and deconstruction and discomfort as the best literature in our History should be.