sábado, 29 de setembro de 2012

Entrevista com Adamir Gerson (Lúcio --III)

Lúcio - III


Lúcio Junior Espírito Santo. Tenho feito uma análise entre essa questão da volta da Teologia ao fundamento, da sua volta a Cristo, e tenho visto que ela se acha em conflito com o seu trabalho profético e missionário. Quer dizer, até onde pude entender essa volta ao fundamento é literalmente apartar, afastar a Teologia do Marxismo. É os cristãos criarem um caminho próprio completamente desligado do Marxismo deixando-o se debatendo sozinho sobre seu futuro. Ou, numa hipótese otimista, se for permitido que a Teologia prossiga com seus laços com o Marxismo já será numa visão bem diferente, em que a Teologia é a essência e o Marxismo, acidente. O Marxismo passaria a ser cauda e perderia a condição de cabeça. E, todavia, naquilo que pude ler dos seus escritos, tenho observado que você trabalha numa direção completamente oposta, ligar o Marxismo à Teologia numa forma ainda mais radicalizada do que feito pela Teologia da Libertação.

Adamir Gerson. Certamente e devo dizer que estou fazendo este trabalho já como sendo fiel à Palavra de Deus. Veja bem, encontramos no livro do profeta Isaías, capítulo 65, o vaticinio sobre o aparecimento futuro na cena da história de uma nação completamente paradoxal: esta nação não iria invocar o nome de Deus, não iria dobrar seu joelho diante de Deus, todavia seria esta nação quem faria a vontade de Deus. Não é nação de Israel com seus reis e com seus sacerdotes, mas seria uma nação estranha que por razões desconhecidas não teria ao menos formalmente ligação com a Palavra de Deus. Mais tarde encontramos agora Jesus repetindo o mesmo juízo e vaticínio de Isaías sobre esta nação paradoxal. Ele dirige-se aos sacerdotes dos seus dias e lhes diz que o reino de Deus lhes será tirado e dado a uma nação que produza os seus frutos – ver Mateus 21.43.
Quem é esta nação que aparece nos escritos proféticos de Isaías e de Jesus? Com toda a certeza trata-se da nação socialista. Lançando mão do silogismo de Aristóteles o resultado só pode ser a nação socialista.
Acontece, porém, que Isaías, depois de vaticinar o aparecimento futuro desta nação, trará um segundo momento agora apresentando Deus tirando o véu que o separa desta nação e se dando a conhecer a ela. Vejamos: E certamente vereis, e vosso coração forçosamente exultará, e os vossos próprios ossos florescerão como a tenra relva. E a mão de Javé há de ser dada a conhecer aos seus servos, mas ele verberará realmente os seus inimigos, Isaías 66.14.
Não só Isaías, mas também Jesus. Depois de no verso 43 do capítulo 21, livro de Mateus, encontrar-se Jesus se dirigindo aos sacerdotes dos seus dias e lhes dizendo que o reino de Deus lhes seria tirado e dado a uma não que produziria seus frutos, no capítulo 25 verso 40 deste mesmo livro de Mateus encontramos Jesus dialogando com este povo e procurando esclarecê-los sobre a sua natureza e missão divinos.

Lúcio Junior Espírito Santo. O que tenho, então, deduzido é que enquanto muitos sacerdotes estão trabalhando para afastar da Teologia o Marxismo, talvez com a pretensão de dizer, em nome de Cristo: Afastai-vos de mim, vós os que tendes sido amaldiçoados, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e seus anjos, o vosso trabalho reserva um futuro diferente para os marxistas.

Adamir Gerson. Perfeitamente. Apesar de que muitos estão com a certeza que vão se dirigir aos marxistas para pronunciar sobre eles esta maldição constante no texto de Mateus, na verdade eles vão, por aquele que tem o direito legal, ouvir coisa diferente. Ou seja: vinde, vós os que tendes sido abençoados por meu Pai, herdai o reino preparado por vós desde a fundação do mundo. Pois fiquei com fome e vós me deste algo para comer; fiquei com sede, e vós me deste algo para beber. Eu era estranho, e vós me recebestes hospitaleiramente; estava nu, e vós me vestistes. Fiquei doente, e vós cuidastes de mim. Eu estava na prisão, e vós me visitastes

Lúcio Junior Espírito Santo. Alguém já disse com muita razão que se espantava de que os acontecimentos narrados na Bíblia são uma recorrência ao longo de toda a História. Estão sempre se repetindo, e às vezes em situações completamente diferentes. No caso que estamos tratando, esse futuro que aguarda o povo marxista, não se está diante de uma situação idêntica àquela vivida pelo judeu Mordecai? Afinal o príncipe Hamã, com trânsito ao rei, tramou a morte do judeu Mordecai unicamente por maldade porque Mordecai não se curvou diante dele. Mas Mordecai não estava sozinho. Na corte do rei Assuero ali tinha alguém especial com ligação umbilical a Mordecai, a rainha Ester. Resumindo, a história deu uma reviravolta e o madeiro que o príncipe Hamã erigiu para enforcar o judeu Mordecai o rei ordenou que Hamã fosse enforcado nele. Estes homens que estão se reunindo e produzindo documentos com a clara intenção de afastar a Teologia de qualquer contato com o Marxismo não podem estar possuído pelo espírito do príncipe Hamã?

Adamir Gerson. Realmente a história envolvendo Mordecai, a rainha Ester e o malfadado príncipe Hamã é uma história interessante e bonita. E mais ainda porque sabemos que foi um fato real. Certamente que estamos diante de uma história muito bonita, recompensadora e, mais do que isto, que trás reflexão para nossos dias. As reviravoltas que o caso foi tendo, com Hamã então vestindo Mordecai das vestes reais, colocando-o no cavalo do rei e andando com ele pela praça pública clamando diante dele: assim se faz ao homem em cuja honra o rei se agradou, deve mesmo servir de reflexão para todos nós. Os marxistas podem até ser este Mordecai do livro de Ester, contudo não cabe nenhuma dedução de que estes sacerdotes envolvidos com o caso de frei Clodovis Boff e empolgados com a sua coragem e mea-culpa sejam o Hamã da história. Estão reunidos e até decidindo pela expulsão do Marxismo do universo teológico, mas embasados em algum fato concreto. De que é indevida a ligação da Teologia com o Marxismo. Certamente que não há consenso entre eles sobre uma decisão final. Muitos estão reconhecendo que realmente há incompatibilidade de muitos aspectos do Marxismo com a Teologia e com o cristianismo. E estes, no entanto, estão dizendo que é preciso olhar os grãos. O que significa dizer que eles reconhecem no Marxismo algo de fundamental com pertença à Teologia e que estes grãos não podem simplesmente ser descartados, mas recolhidos ao celeiro da construção do Reino. São tijolos que ajudarão na construção do seu edifício. Como são homens que se reúnem iluminados pela luz do Espírito Santo, certamente que chegarão a um consenso que o Marxismo devidamente filtrado pode sim atuar numa frente com os cristãos para a construção de um mundo melhor e mais feliz. Mesmo porque nem mesmo entre os marxistas os seus pressupostos fundantes seja consenso. Isto é, quando olhado em totalidade.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM ADAMIR GERSON, O SUPER-HOMEM DE NIETZSCHE

Lúcio Junior Espírito Santo. Um dos erros da Teologia da Libertação apontado por frei Clodovis Boff foi que ela, ao ter colocado o pobre no lugar de Deus como fundamento teológico, por deriva acabou cometendo um erro capital qual seja de ter instrumentalizado a fé para fins políticos de libertação. Estou abordando esta questão porque no meu entendimento, primeiro, não há fé que seja vazia de uma política, segundo, o passado histórico e quiçá presente mostrou todas as teologias explícito ou implícito engajadas politicamente, e terceiro, no meu entendimento nisto está uma dose de hipocrisia muito grande, pois o que há de fato é que querem tirar a Teologia de estar a serviço da causa libertadora para estar a serviço da causa não libertadora.

Adamir Gerson. Concordo plenamente com o seu juízo. Como não existe teologia neutra, esvaziada de uma ação política, ao impedir a Teologia de ser braço religioso do Marxismo certamente que a irão colocar como braço religioso do anticomunismo. Ela deixará de estar a serviço da causa socialista para estar a serviço da causa não socialista. Pouco importa se é a serviço da causa não socialista exacerbada, capitalismo selvagem, como eles chamam, ou, entre aspas, democrática.

Lúcio Junior Espírito Santo. Porque você aspou a palavra democracia?

Adamir Gerson. Porque estes mesmos que querem tirar a Teologia de ser braço religioso da libertação colocam a democracia como contraponto aos dois extremos, o socialismo e o capitalismo. Se como Deus não estivesse em nenhum destes extremos, mas na democracia. Ou, então, se como Deus não aprovasse estar nos dois extremos, mas aprovaria sim estar na democracia. Ora, a democracia não representa em hipótese alguma uma terceira via, um meio termo, que garante o social do socialismo e as liberdades individuais do capitalismo. Na democracia as cartas já estão marcadas aprioristicamente, quem irá vencer e quem irá perder, porque tudo está exposto e é decidido pelo mesmo vício.

Lúcio Junior Espírito Santo. Assisti na TV Cultura uma missa celebrada em Aparecida na qual o Bispo celebrante teceu críticas tanto ao comunismo como ao capitalismo; dizendo ele que era preciso se encontrar uma terceira via que conciliasse a liberdade do capitalismo com o social do socialismo. Ele foi claro de que a razão da queda do comunismo foi que nele não havia liberdade para o indivíduo; que tudo era decidido pelo Estado. Daí ele propugnar por uma terceira via que conciliasse as liberdades individuas com justiça social.

Adamir Gerson. O que é liberdade individual? O que é liberdade condicionada pelo Estado? Os indivíduos no socialismo não tinham liberdade, mas agiam em função das necessidades do Estado? Ora, liberdade é algo puramente pessoal. Mesmo que no meio condicionante, a liberdade é algo pessoal. O pesquisador age pelos seus próprios impulsos. O compositor e o criador de artes agem pelos seus próprios impulsos. O contador de piada age pelos seus próprios impulsos. A criação emana da subjetividade. Mas irão dizer: agem pelos seus próprios impulsos, mas condicionados pela ideologia do Estado e pelas suas necessidades. Mas isto acontece em todos os sistemas seja ele qual for. A criatividade é teleguiada em todos os sistemas. Um indivíduo que monta um comércio ele está condicionado pela necessidade dos consumidores. Então basicamente é que a liberdade no socialismo está condicionada pela necessidade coletiva, ao passo que no capitalismo pelo dinheiro. E como as necessidades coletivas são infinitas, o Estado não as prescreve, mas atende as suas demandas, logo a liberdade individual no socialismo é um fato concreto. Não há nada que impeça a liberdade individual, do indivíduo extravasar os seus dons e sentimentos. O que acontece de fato é que no socialismo a liberdade foi expurgada do pecado original e se tornou cristã de fato, para o próximo, para ajudar o próximo. A sua satisfação e recompensa está em ver o próximo feliz, ao passo que no capitalismo a sua satisfação e recompensa está no acumulo do capital com o qual poderá usufruir de tudo que a mão alcança.

Lúcio Junior Espírito Santo. É importante salientar que no socialismo a liberdade é para todos, todos são chamados e tem a oportunidade de manifestar os seus dons e os seus sentimentos e os colocar para usufruto de todos. Mas, no capitalismo nem todos tem estas possibilidades. Aqueles que têm o poder econômico são livres para manifestar os seus dons e os seus sentimentos, mas quem não tem poder econômico acabam tendo os seus dons e os seus sentimentos sufocados e impedidos de se manifestarem.

Adamir Gerson. O que havia dito, o que difere a liberdade no socialismo e no capitalismo é que no socialismo a liberdade foi liberta do pecado original, ao passo que no capitalismo ela se acha presa a ele e na sua dependência. Então este Bispo celebrante da missa precisa rever seus conceitos e modos de juízo porque em última instância, fornecendo a ele um juízo justo, para ele liberdade é consubstancial à propriedade. Ao ter. Ao possuir. Porque se cria uma terceira via e para esta se leva a estrutura econômica do socialismo automaticamente se leva também a sua estrutura espiritual. A estrutura econômica do socialismo não permite espaço para a liberdade conforme está no capitalismo. E como a estrutura econômica do socialismo é inseparável da sua forma de liberdade, uma terceira via que não tenha a liberdade que se acha no socialismo, mas tenha a liberdade que se acha no capitalismo, logo esta terceira via também não tem a estrutura econômica do socialismo. Logo esta terceira via é literalmente o capitalismo. Nesta terceira via não há nada ligado ao socialismo.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando peremptoriamente que não existe espaço no mundo da política e da economia para uma terceira via que concilie socialismo e capitalismo? Mas, pessoas que propugnam por uma conciliação entre os dois sistemas dão como exemplo prático de sua exeqüibilidade os regimes nórdicos. Eles seriam exemplo de como é bem sucedido uma experiência assim, entre os dois sistemas antagônicos.

Adamir Gerson. Inegavelmente nos países nórdicos se conseguiu aquilo que é tido bem próximo de uma terceira via. O bem estar social destes países corresponde ao bem estar social que há no socialismo. O capitalismo nestes países age em função deste bem estar social. Mas isto não significa terceira via. O sistema econômico é capitalista e não socialista. Bem pagas, somado como o auxílio social do Estado, todavia estas massas estão numa relação em que vendem a sua força de trabalho. Sentem que indivíduos externos a si estão se locupletando na sua força de trabalho. E isto reduz a sua dignidade humana. As tornam cidadãos de segunda classe.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então você estaria afirmando ser impossível uma terceira via que concilie capitalismo e socialismo. Definitivamente ou é o sistema socialista ou é o sistema capitalista?

Adamir Gerson. Não nego que possa haver uma terceira via. Mas entre socialismo e cristianismo. Uma terceira via assim não subtrai a liberdade que há no socialismo, e não subtrai o desejo de ser para o próximo dos cristãos. Uma terceira via assim tem o poder de sepultar definitivamente o capitalismo e dar a vitória definitiva ao socialismo, porque agora ela produz uma soma, entre os condicionamentos de um Estado socialista e os condicionamentos da fé cristã. Completamente despotencializados do pecado original, toda a sua tendência é para o bem, para servir.

domingo, 16 de setembro de 2012

Lúcio Junior Espírito Santo entrevista Adamir Gerson


Quem sou eu? Sou Lúcio Junior Espírito Santo, formado em filosofia pela UFMG e atualmente leciono esta disciplina na cidade de Bom Despacho, Minas. Atualmente sou simpatizante do PCB e sempre me causou interesse a Teologia da Libertação. Tendo tido acesso ao Blog A Nova Teologia da Libertação e observado que as postagens nele, não obstante manter certa relação com a Teologia da Liberação, no que diz respeito ao Marxismo, todavia o mesmo tem me surpreendido por trazer aspectos impossíveis de serem encontrados em qualquer teólogo da Libertação, ora, por isso me senti compelido a tomar a iniciativa de me dirigir ao proprietário do Blog para que ele explicasse com mais detalhes o que é essa Nova Teologia da Libertação e o que a difere da tradicional, que ganhou fôlego a partir do Concílio Vaticano II. O meu objetivo, claro, é compartilhar com membros do PCB e de outras correntes de esquerda o conteúdo desta resposta, pois, até aqui, naquilo que pude ler e analisar, esta Nova Teologia da Libertação alarga ainda mais os caminhos pelos quais cristãos e marxistas podem se unir e trabalhar conjuntamente para a criação de uma nova sociedade. Mais do que isto que a emancipação da sociedade só pode vir na razão direta desta união. Abaixo segue as perguntas que formulei a Adamir Gerson, proprietário do Blog, e as respostas que o mesmo deu.

Lúcio Junior Espírito Santo. Adamir Gerson, eu gostaria que você me explicasse qual a diferença que há entre esta Nova Teologia da Libertação e a atual Teologia da Libertação.

Adamir Gerson. Para uma compreensão do que seja esta Nova Teologia da Libertação, ou simplesmente Teologia do Reino, são muitos os caminhos de sua explicação e compreensão. Acredito que o começo se faz necessário reportarmos ao teólogo Clodovis Boff de 2007, com as suas críticas contundentes à Teologia da Libertação, com as réplicas e a sua tréplica. Numa análise crítica e imparcial do embate que o teólogo e frei Clodovis Boff travou nos anos de 2007 e 2008 certamente que irá aflorando o que é esta Nova Teologia da Libertação.

Lúcio Junior Espírito Santo. Você está se referindo ao artigo que ele publicou neste ano na REB – Revista Eclesiástica Brasileira, com o título “Teologia da Libertação e volta ao fundamento”, no qual ele apontou desvios fundamentais na Teologia da Libertação e pretendeu retomá-la ao projeto originário onde, na sua visão, ela teria se afastado.

Adamir Gerson. Certamente. As críticas de frei Clodovis Boff à Teologia da Libertação foram feitas em vários níveis. Como era de se esperar surgiram réplicas – Luiz Carlos Susin, Érico Hammes, Leonardo Boff, Sandro Magister – e chama à atenção que as réplicas, não obstante a sua lógica esclarecedora, não sensibilizaram frei Clodovis Boff que na tréplica repetiu tudo que havia dito, e agora de forma ainda mais radical, pois então já se entendia como alguém já fora da Teologia da Libertação e que não havia mais necessidade de economizar palavras.

Lúcio Junior Espírito Santo. O que você quis dizer com lógica esclarecedora por parte destes teólogos que responderam a Clodovis Boff?

Adamir Gerson. Uma das críticas que frei Clodovis Boff endereçou à Teologia da Libertação, e que as réplicas tomaram como principal questionamento, embora tenham havidos outros questionamentos também de suma importância, foi que a Teologia da Libertação tinha colocado o pobre no lugar de Deus como fundamento da Teologia. Deus teria sido relegado a um segundo plano. No entanto a resposta que estes teólogos deram a frei Clodovis Boff foi satisfatória. Argumentaram de que não existe uma teologia pura, neutra, mas que toda teologia chega ao publico mediada. E é um fato. Toda teologia sofre a mediação do sujeito que a faz, a mediação do tempo cultural e histórico, e da temática que suscita. É impossível uma teologia tratar de Deus tal como ele é. E nisto é uma verdade o Isaías de 4.1. De modo que cabe à crítica isto sim descobrir qual o grau de aproximação que uma teologia tem com a Palavra de Deus. E a Teologia da Libertação ter colocado o pobre como fundamento teológico, o lugar onde se encontra Deus, com certeza ela se insere no rol das teologias que mais se aproximaram de Deus.  Afinal vaticinou Isaías que Deus reside no alto e no lugar santo, mas também com o quebrantado e o humilde no espírito, para reavivar o espírito dos humildes e para reavivar o coração dos que estão sendo esmigalhados (Isaías 57.15). Deus é encontrado nos pobres sim, e quando um crente e um não crente extravasam de gozo ao ver o pobre saltitando de felicidade, correndo de um canto a outro sem as algemas, este gozo é literalmente a presença de Deus. É Deus gozando porque libertou, e é Deus gozando porque foi libertado.

Lúcio Junior Espírito Santo. Se as respostas que os teólogos citados deram a frei Clodovis Boff foram esclarecedoras, porque na tréplica ele continuou insistindo nas mesmas críticas, reforçando a sua argumentação por novamente dizer e realçar que a Teologia da Libertação abandonou o fundamento e que é preciso retornar a ele? Clodovis Boff que teve participação decisiva na construção do fundamento que gerou a Teologia da Libertação teria, então, se revelado um teólogo infantil, como se deduz nas réplicas?

Adamir Gerson. A Palavra de Deus prima pelo mistério e ela está sempre envolta em mistérios. Em mistérios ela é concebida e em mistérios ela chega a nós. Não é a toa que as ferramentas da hermenêutica e da exegese estão na posse de todos os crentes.  Quando o assunto é a Palavra de Deus a comunidade dos crentes já sabe estar diante de um mistério. E é preciso descobrir porque um teólogo do quilate de frei Clodovis Boff tenha num repente extravasado infantilidade. De modo que é mais crível crer que ele esteja em mistério e esconda-se em mistério. Há nele um mistério que quer se revelar. E que mistério seria este que tanto insiste que a Teologia da Libertação se afastou do fundamento e é preciso retornar a ele? Que a Teologia da Libertação não é Jesus, mas Moisés; não está alicerçada na cruz, mas no êxodo. E como há um desnível entre o nome invocado de Jesus e a sua prática real, o repente que teve frei Clodovis Boff naquele ano de 2007 só pode ser entendido como anúncio da Divindade à Teologia da Libertação que tem chegado para ela novo tempo. Tempo novo que é realmente tempo de Jesus.

Lúcio Junior Espírito Santo. Uma vez que você acabou de dizer que a Teologia da Libertação está em Moisés e não em Jesus, então frei Clodovis Boff foi verdadeiro quando disse que a Teologia da Libertação tinha se afastado do fundamento e que é preciso voltar a ele? Porque para toda teologia o fundamento dela é Deus, e para os cristãos em particular, Jesus?

Adamir Gerson. Temos de ler nas entrelinhas o que foi que quis dizer com afastamento do fundamento. A questão posta do pobre não pode ter sido. Não houve afastamento nenhum. Se esta teologia que colocou o pobre como fundamento foi afastamento o que teria sido a teologia que ganhou corpo a partir do século IV e que colocou reis e príncipes na missão da construção do Reino, trabalhando conjuntamente com eles? Então descobrimos nas entrelinhas que a Revelação chegou a ele de que a Teologia da Libertação iria mudar de lugar e entendeu tal como a Teologia da Libertação estando fora de lugar entregou a revelação deste fato real segundo o seu entendimento. E como o mistério é de Deus e não do homem, cabe a nós, e já não mais a frei Clodovis Boff que entregou o recado e já não há mais mister dele, dar as razões reais daquilo que frei Clodovis Boff entendeu como afastamento do fundamento teológico.  E começamos dizendo que o fato da Teologia da Libertação estar em Moisés e não em Jesus, estar fundada no exemplo do êxodo e não no exemplo da cruz, isto de modo algum foi afastamento do fundamento. Jamais foi estar fora do fundamento. Pelo contrário, ela nasceu e esteve no fundamento.  Porque o fundamento tem duplo alicerce, a lei e a graça. Alicerces não parados no tempo e no espaço, mas alicerces que se movimentam dialeticamente de forma progressiva. Em uma palavra, o alicerce nasce na lei, mas se destina á graça. E a graça só se revela quando se esgota as potencialidades e as possibilidades da lei. Jesus foi possível por causa de Moisés, que não veio negá-lo, mas completá-lo. Então frei Clodovis Boff de 2007 e de 2008, irado, faz lembrar em muito, e em muito mesmo, ao irado João Batista que apontava para o povo judeu e com o dedo em riste lhes dizia que um novo tempo estava prestes a se revelar.

Lúcio Junior Espírito Santo. Em termos práticos, o que significa a Teologia da Libertação passar de Moisés para Jesus?

Adamir Gerson. Ora, a práxis da Teologia da Libertação foi de opção única aos pobres. Como foi opção única aos escravos a práxis de Moisés. Como Moisés não teve acordo com Faraó, mas se engalfinhou com ele em luta mortal pela libertação dos escravos, assim foi toda a práxis da Teologia da Libertação que não teve interesse pelos ricos e pelos poderosos senão que pelos pobres. Em uma palavra, dos pólos da contradição ela tomou lado, e o lado dos pobres. Mas, convenhamos, Jesus não foi o mesmo Moisés. Jesus repetiu Moisés na forma, não, porém, no conteúdo.  Jesus voltando do Egito para Israel realmente repetiu a volta que Moisés fez para o Egito. Mas Jesus não veio tomar o lado dos judeus contra Roma, como teria feito Moisés, mas, transcendendo-os, conhecedor dos limites de sua natureza, ofereceu-lhes um novo paradigma, um novo relacionamento, que posto em prática com certeza iria dirimir a dor e o sofrimento, fazendo feliz não só romanos e judeus, mas a todos, gregos e gentios, escravos e livres. Jesus não veio restabelecer as linhas demarcatórias das fronteiras de Israel, mas remover toda e qualquer barreira, as que separavam as nações, os indivíduos e as raças. O inimigo a ser vencido não era Roma, mas a Serpente Original que tinha arruinado o plano original de Deus e exercia o seu domínio por então estar em tudo e em todos.  De modo que Jesus ao não tomar o lado dos judeus contra Roma não o fez porque fosse apolítico, mas porque conceitos caros aos judeus como de nação, de pátria, de território para ele era secundário. O que para ele era importante era o indivíduo, era a pessoa humana. E Jesus sabia que se Israel fosse liberta do domínio de Roma recuperando a sua identidade de nação isto não era garantia alguma de que o povo de Israel estava liberto. Pelo contrário, Jesus entendia que eles iriam deixar de ser governados e explorados pelos césares de Roma para agora serem governados e explorados pelos reis de Israel. Por isto ele disse: o meu reino não é deste mundo. O meu reino não é disto. É do céu. Mas ele vem a este mundo para acabar com isto. Por isso orou: Pai nosso que estais no céu; Santificado seja o Teu nome; Venha a nós o teu reino; E seja feito a tua vontade; Assim como é no céu, também na terra.

Lúcio Junior Espírito Santo. Tive a oportunidade de ler um artigo postado na Internet assinado pelo Professor Felipe Aquino. Não conheço a sua posição a fundo. Mas tenho suspeitado de que a sua posição vem confirmar uma esperança manifesta do Professor Felipe Aquino sobre o futuro da Teologia da Libertação. Isto que você chama de passagem de Moisés para Jesus grosso modo vai de encontro ao que espera o Professor Felipe Aquino será doravante a Teologia da Libertação. Vou transcrever o que ele disse e depois gostaria que você explicasse essa talvez ligação: “Deus queira que a sua voz seja ouvida no seio dos seguidores de Gutierrez, L. Boff, Jon Sobrino, etc, de modo a se criar uma teologia da libertação como aquela que pediu o Papa João Paulo II, “necessária”, a serviço dos pobres e oprimidos, desvalidos e excluídos, mas sem usar o veneno marxista da violência e do ódio de classes como meio de revolução e de mudança. Se o grito de Boff for ouvido poderemos ter uma TL boa e “necessária””

Adamir Gerson. Em primeiro lugar é preciso fazer uma distinção entre Adamir Gerson e o Professor Felipe Aquino. Pode até parecer que na forma sejam idênticos – daí a sua suspeita de serem parecidos – mas com certeza no conteúdo são completamente distintos. Ora, atrás eu disse que Moisés e Jesus, a lei e a graça são partes do mesmo processo. Que o Deus que veio estar na graça, estar em Jesus, antes esteve na lei, esteve em Moisés. Fez ali a obra necessária ao seu tempo. De modo que fui claro que o fundamento da Teologia antes de estar na graça e em Jesus esteve na lei e em Moisés. Passou-se para aquele depois que esgotou as suas potencialidades neste. Então qualquer rejeição ao Marxismo é uma rejeição do fundamento da Teologia. Toda e qualquer teologia é feita a partir do fundamento da Palavra de Deus. E a Palavra de Deus carrega como conteúdo o Marxismo no conjunto de sua obra. Tanto a obra teórica de Marx, como a obra insurrecional de Lênin, bem como a obra edificadora do socialismo de Stálin. O que o Professor Felipe Aquino, no alto de sua sabedoria, chama de “veneno marxista da violência e luta de classes” se trata do mesmo veneno com o qual Deus feriu Faraó e seus primogênitos e que no livro de Jó (20) se achou reservado para a escatologia, para novamente ser destilado: “(...) Seus próprios filhos buscarão o favor dos de condição humilde, E suas próprias mãos restituirão as suas coisas valiosas. Seus próprios ossos estiveram cheios de seu vigor juvenil, mas com ele se deitará no mero pó. Se aquilo que é ruim tiver sabor doce na sua boca, Se ele o deixar dissolver debaixo da sua língua, Se tiver compaixão dele e não o abandonar, E se o retiver no meio do seu paladar, Seu próprio alimento se transformará nos seus próprios intestinos; Será dentro dele o fel de najas. Engoliu riqueza, mas ele a vomitará; Deus a desalojará do próprio ventre dele. Sugará o veneno das najas; a língua duma víbora o matará. Nunca verá os cursos de água, Os rios torrenciais de mel e manteiga. Restituirá a sua propriedade adquirida e não a engolirá; Como a riqueza proveniente do seu intercâmbio, mas com a qual não se regalará. Pois tem esmagado, tem abandonado os de condição humilde; Tem arrebatado a própria casa que não passara a construir. Porque certamente não conhecerá tranqüilidade no seu ventre; Não escapará por meio das suas coisas desejáveis. Não lhe sobra nada para devorar; Por isso é que não perdurará seu bem-estar. Enquanto a sua fartura está no auge, sentir-se-á aflito; Todo o poder do próprio infortúnio virá contra ele. Ocorra então que, para encher-lhe o ventre, Envie sua ira ardente sobre ele E a faça chover sobre ele, pra dentro das suas vísceras. Fugirá do armamento de ferro; Um arco de cobre o retalhará. Uma arma de arremesso até mesmo lhe sairá pelas costas, e uma arma lampejante, pelo fel; Objetos aterradores. Toda a escuridão será reservada para as suas coisas entesouradas; Será consumido por um fogo que ninguém abanou.; Irá mal ao sobrevivente na sua tenda. O céu revelará o seu erro E a terra estará em revolta contra ele. Um forte aguaceiro levará a sua casa de roldão; Derramar-se-ão coisas no dia da sua ira. Este é o quinhão do homem iníquo, da parte de Deus”. Portanto quando falo da Teologia da Libertação como estando em Moisés, mas que vai se levantar em Jesus, iniciar uma nova caminhada em sua existência, de modo algum é na perspectiva do Professor Felipe Aquino, confessar publicamente que quando lutou para libertar os pobres com as armas do Marxismo esteve laborando em erros e afastado do fundamento. Mas, ao contrário, é reconhecer que esteve no caminho certo, posta ali não por homens, mas pelo próprio Deus. Portanto, se até aqui nenhum teólogo da Teologia da Libertação o fez, hoje Adamir Gerson proclama que qualquer palavra proferida contra o Marxismo, para desqualificá-lo como coisa do homem ou mundanismo político produzido pelo secularismo, doravante é blasfêmia contra Deus. Porque o Marxismo no conjunto de sua obra, no conjunto dos seus acertos e erros, tem origem unicamente em Deus, como o judaísmo no conjunto de sua obra, nos seus acertos e erros, teve origem unicamente em Deus. E se o ato de blasfêmia é um mal que se carrega para sempre, e o quer evitar, então se cale e espera em Deus que é misericordioso para esclarecer seu caminho. Porque certamente os tempos da ignorância estão passando.   

Lúcio Junior Espírito Santo. O Professor Felipe Aquino foi claro, em sua explanação, ele fala de uma nova Teologia da Libertação completamente esvaziada do Marxismo. Gostaria que você também tivesse a mesma clareza e dissesse se nesta passagem de Moisés para Jesus a Teologia da Libertação, leva consigo o Marxismo, de modo a trabalhar com as suas ferramentas de luta de classe e de violência revolucionária.

Adamir Gerson. Ora, uma vez que disse que o Marxismo pertence ao sagrado. É Deus. E a Teologia da Libertação em sua existência esteve umbilicalmente ligada a ele, ora, esta passagem de Moisés para Jesus na vida da Teologia da Libertação ela vai dar-se também no Marxismo. Esta mudança é porque Deus decidiu mudanças no Marxismo. Em modo algum Deus vai reciclar a Teologia da Libertação e deixar o Marxismo abandonado à própria sorte para que continue a ser pisado pelos homens como um moribundo. Portanto não só a Teologia da Libertação, mas também o Marxismo dever-se-ão estar antenados para grandes mudanças que se aproximam em suas vidas. Por estarem agora em Jesus irão abandonar o instrumento de luta de classe? Ora, o instrumento de luta de classe tem função pedagógica. Sem ele é impossível se adquirir a consciência real da libertação. Como a consciência da libertação não foi abandonada, mas, pelo contrário, aprofundada, agora não só a sociologia, mas também a metafísica, o instrumento da luta de classe é, pois, inabondonável. É uma espada que se carrega à bainha. Mesmo porque se descobriu que o mesmo faz parte e é conteúdo da Palavra de Deus. Quanto à violência revolucionária todos terão de se conscientizar que neste novo tempo as novas forças que estarão chegando serão guardiães fieis da Democracia. Se por acaso grupos se articularem para impedir a despotencialização do mal que impregna as instituições e as relações e que está sendo levado a cabo, para que funcione mais harmonicamente, mais próximo ao ideal de harmonia que havia no Paraíso, ora, as novas forças que estão em Jesus, como guardiães da Democracia, e na sua defesa, terão de tomar medidas eficazes para que a Democracia seja preservada, porque é sua guardiã. E a Democracia, vitoriosa, deverá prosseguir em sua caminhada até fazer que todos no país sejam de uma só fé e de uma só alma. Já não tendo mais indivíduos gozando privilégios a expensas de outros, mas todos usufruindo, dos mesmos direitos e dos mesmos deveres. Há incoerência no que foi falado de que a Teologia da Libertação está deixando para trás o seu tempo de Moisés e ingressando no seu tempo de Jesus e, no entanto, levando consigo ferramentas do Marxismo? Não, porque embora Jesus não tenha tomado o lado dos judeus contra Roma, tinha para eles novo paradigma, todavia em todas as situações concretas em que se envolveu Jesus tomou o lado sim, dos marginalizados socialmente, dos famintos, dos doentes, e até o lado de uma sociedade em que ela não tem a presença dos que detém riquezas, quando prescreveu ao jovem rico o que era necessário fazer para se tornar seu seguidor.

Lúcio Junior Espírito Santo. O Professor Felipe Aquino parece tem um juízo semelhante, pois não aponta para a Teologia da Libertação e diz que ela tem de abandonar os pobres, mas sim, que ela tem de voltar ao fundamento que é Jesus e, então, a partir de Jesus libertar os pobres.

Adamir Gerson. Ora, no presente tempo em que estamos vivendo falar da libertação dos pobres e excluir as ferramentas marxistas é reduzir esta libertação ao mero campo da caridade. O peso do tempo atual não suporta isto. A caridade não tem fim em si mesmo, mas foi meio. Foi de suma importância quando não se conheciam as ferramentas da libertação. Mas hoje, com o progresso alcançado no campo tecnológico, e a inserção e obrigação do Estado no social, e a clara disposição das ferramentas de libertação, a caridade não é mais objeto da Teologia.

Lúcio Junior Espírito Santo. Tal como ocorreu com o judaísmo que serviu de aio para o cristianismo, assim, então, ocorreu com a caridade em relação à libertação?

Adamir Gerson. A analogia é correta. A lei foi de suma importância enquanto a graça não veio. Mas quando se manifestou a libertação, a lei se tornou obsoleta. A lei significava a não emancipação do indivíduo, mas a sua proteção. Havia uma moral e uma ética estabelecidos que falavam pelo indivíduo e asseguravam as suas relações. E uma vez que a graça assegurava ao indivíduo a sua própria emancipação, no plano da salvação, só podemos entender que a lei tornou-se obsoleta. O que por extensão se estende à caridade.

Lúcio Junior Espírito Santo. No seu blog encontrei uma postagem onde você narra uma entrevista que frei Clodovis Boff teve com o jornal Folha de São Paulo na metade da década de 90. E na entrevista é abordado um fracasso que teria tido frei Clodovis Boff por não ter logrado êxito no seu projeto de criar um partido revolucionário. Teve o azar de no período ter aparecido Lula e as Cebs em bloco se decidiram pelo Lula e pela criação do PT, não sobrando espaço para o Partido Cristão de frei Clodovis. O que aconteceu em 2007 não foi que frei Clodovis Boff teve um repente de retomar o seu projeto de final da década de 70 e início da década de 80? Afinal no seu projeto partidário o mesmo estava alicerçado em Jesus e Jesus era o seu fundamento e guia, de modo que quando acusou a Teologia da Libertação de ter se afastado do fundamento estava sendo coerente com todo o seu passado.

Adamir Gerson. O que você fala tem sentido. Afinal uma idéia e um projeto só morrem quando são postos em prática e a prática o exclui por não necessário ou descabido. De modo que seja impossível que frei Clodovis Boff tenha abandonado o seu projeto de transformação revolucionária. É possível que sim. Mesmo porque as condições objetivas vieram lhe estar favoráveis. Por um lado o esgotamento revolucionário do PT, e por outro o esgotamento revolucionário do Marxismo. É possível que ele tenha enxergado que com um só cajado pudesse golpear duas situações distintas. Ou seja, ter o apoio dos setores tidos conservadores e o apoio da Teologia da Libertação.

Lúcio Junior Espírito Santo. Faz sentido porque ele não fala em acabar com a Teologia da Libertação, mas trazê-la de volta ao fundamento e refunda-la em novas bases. Em novas bases que seriam aceitáveis pelos conservadores.

Adamir Gerson. É claro que frei Clodovis Boff labora em ambigüidades. O que seria a Teologia da Libertação ter abandonado o fundamento? O que seria fazê-la retornar ao fundamento? Se uma referência direta a Teologia da Libertação o ponto de partida deve estar focado no período do seu nascimento. Focando o seu nascimento no encerramento dos trabalhos do Concílio Vaticano II só podemos entender que ela nasceu sendo o que é. Não nasceu diferente do que é. Mesmo porque o seu nascimento se deu no momento em que por toda a Europa, contagiada pelos resultados de aberturas do Concílio Vaticano II, nasciam teologias políticas, tácito e explícito tendo o Marxismo como ponto de referência e mediação de suas elucubrações políticas. Por que a Teologia da Libertação seria diferente? Portanto para ser coerente não cabe a ele falar em refundação da Teologia da Libertação, mas, sim, apresentar uma nova Teologia que teoricamente se revele mais atrativa e mais embasada teologicamente, se é que entende ser fraco o embasamento teológico da Teologia da Libertação.

Lúcio Junior Espírito Santo. Não pode ter sido que frei Clodovis Boff não obstante fazer parte da plêiade de teólogos que criaram a Teologia da Libertação ele, no entanto, já era uma figura diferente. Já trazia em si uma reserva teológica e política que o iria fazer diferente dos demais? Apenas para facilitar a compreensão, ele seria a águia que na parábola que se conta na Alemanha foi criada entre galináceos, mas que um dia teve o seu ser de águia revelado? Não pode mais ficar entre galináceos?

Adamir Gerson. Analisando frei Clodovis Boff de final da década de 70 e início da década de 80 realmente destoava dos demais. Entendia que os cristãos podiam sim construir um projeto político-partidário de transformação da sociedade exclusivo e imanente ao cristianismo. Entendia que o Marxismo não detinha o monopólio da libertação, mas que ela também estava presente na Palavra de Deus. O erro, e volto a afirmar, foi excluir o Marxismo do fundamento da Teologia. É possível sim que frei Clodovis Boff tenha sido a águia da parábola, não, porém, aquele momento em que ela, levada ao alto do penhasco e mergulhada no vazio, ziguezagueando conseguiu chegar ao alto da montanha. Ainda uma águia pelo vício ciscando o chão.

Lúcio Junior Espírito Santo. Entendendo o assunto pelo espírito, segundo os mistérios do espírito, não pode ser que frei Clodovis Boff seja uma figura teológica e pastoral singular e privilegiada? O Deus que irrompe na terra fazendo com que os reinos do mundo se transformem em reinos de Deus; que esmigalha a estátua reduzindo-a a pó, e que entendemos seja o fim e queda do imperialismo. Em uma palavra, o Deus que se manifesta em Majestade, vindo com poder e grande glória para imponentemente governar todas as nações, não pode ser que o mesmo se ache em espera do seu momento na alma de frei Clodovis Boff, e que no ano de 2007 ele teria se agitado no seu nascimento? Afinal, isto vai de encontro ao projeto claramente messiânico que no final da década de 70 e início da década de 80 então ostentava? Afinal já li algo assim em um dos seus escritos onde você liga a figura de frei Clodovis Boff à figura de Che Guevara; de que os dois estariam inseridos no mesmo processo.

Adamir Gerson. Esse trabalho onde emparelhei frei Clodovis Boff com Che Guevara, os dois apareceram como parte de um mesmo processo, pode sim explicar o Clodovis Boff de 2007. E que trabalho foi este? De que Che Guevara deixando Cuba e indo para a Bolívia para começar a revolução mundial fora o primeiro momento do conceito. A revolução mundial em Che Guevara então se iniciou unicamente que com as armas do Marxismo. Numa das mãos o fuzil e na outra o livro O Capital. Adormecida em Che Guevara algum tempo depois o espírito quis novamente re-começar a revolução mundial. E agora o seu artífice sendo frei Clodovis Boff. Já sofre metamorfose. Já numa outra perspectiva. Agora se manifesta em antítese, como convém ao movimento do espírito. Em completa negação ao Marxismo, e totalmente baseada em motivos cristãos.

Lúcio Junior Espírito Santo. E qual a explicação do porque da revolução mundial tanto em Che Guevara como em frei Clodovis Boff não terem ultrapassado o campo do pessoal, sem a adesão e participação externa, somente Che Guevara e frei Clodovis Boff estando envolvidos com ela?

Adamir Gerson. Porque na verdade a revolução acontecia no espírito de Deus. Era no seu ventre que ela se gestava. De modo que o esforço de Che Guevara e de frei Clodovis Boff para que acontecesse era o seu crescimento no ventre de Deus. Certamente que iria chegar o tempo em que a revolução mundial iria acontecer e ter a total adesão externa, e agora não mais conduzida por apenas um líder, mas uma multidão absorta e envolvida com ela. E neste terceiro momento o líder que a empunharia certamente que iria resgatar tanto Che Guevara como frei Clodovis Boff. Se em Che Guevara ela se manifestou em motivos inteiramente marxistas, e em frei Clodovis Boff em motivos inteiramente cristãos, certamente que neste terceiro momento o seu líder e todos os que estarão com ele empunharão numa das mãos o Marxismo e na outra o Cristianismo.

Lúcio Junior Espírito Santo. Então o fato da revolução mundial não ter decolado nem em Che Guevara e nem em frei Clodovis Boff, não tendo saído jamais do seu círculo pessoal e subjetivo, foi justamente por causa desta construção no espírito divino? Tinham somente uma asa

Lúcio Junior Espírito Santo. Isto que você fala de que a revolução mundial em Che Guevara e em frei Clodovis Boff serem acontecimentos que se desenrolavam no ventre de Deus, com as ações isoladas de Che Guevara e de frei Clodovis Boff sendo a sua manifestação externa, ora, quando o profeta Isaías vaticinou eis que o dei como líder e como testemunhas para os povos, e no livro do Apocalipse, reiteradas vezes ali há a descrição de um personagem com a missão de governar as nações, então podemos dizer que tanto Che Guevara como frei Clodovis Boff quando quiseram começar um movimento revolucionário de cunho mundial, para libertar totalmente a terra do domínio imperialista e de outras forças funestas, na verdade eles agiram por inspiração divina? Era literalmente o Deus Dialético começando a realizar a idéia de domínio universal?

Adamir Gerson. Certamente que sim. Apenas que completaria, de libertação universal. E diria mais, que o fato da revolução mundial não ter decolado nem em Che Guevara e nem em frei Clodovis Boff, é porque na sua construção dialética tinham apenas uma asa. Separadas, como tese e antítese. Che Guevara possuía apenas a asa do Marxismo, e frei Clodovis Boff, a asa do Cristianismo. Certamente que no terceiro momento o Artífice iria ligar as duas asas ao corpo. E então a revolução mundial iria decolar e ser uma verdade na terra, para espanto e medo do domínio imperialista.

Lúcio Junior Espírito Santo. Voltando à questão da águia, seria então este o momento em que ela iria finalmente se destacar dos galináceos, realizando o seu vôo como águia, até que, ziguezagueando, iria então pousar a planta dos pés no alto da montanha.

Adamir Gerson. A idéia da revolução mundial sempre esteve presente no movimento revolucionário. Todos os revolucionários acalentavam ver o dia em que em toda a terra a exploração foi banida. Mas a revolução laborava em dificuldades, externas e internas. De modo que as dificuldades impunham a ela limites à sua ação. De modo que a idéia de revolução mundial pode sim ser a águia da parábola contada na Alemanha que foi criada no meio de galináceos. E podemos dizer que tem chegado o dia glorioso em que ela irá, então, voar e pousar as plantas dos pés no alto da montanha.

Lúcio Junior Espírito Santo. Começo a perceber importância em você ter relatado esses fatos relacionados a frei Clodovis Boff totalmente desconhecido não só do grande público como também de grande parte da militância da Teologia da Libertação. Visto pelos teólogos da Teologia da Libertação como trapalhão, fazendo o papel de bobo da corte, no entanto você trouxe à superfície o Clodovis Boff real, um homem totalmente nos planos de Deus. De modo que tem chegado o tempo de compreendê-lo na sua inteireza, a sua grandeza e importância na sua ligação metafísica com Che Guevara. De modo que as suas trapalhadas foram muito mais porque representava o segundo momento do espírito, inacabado. Não estava na clareza do terceiro momento. Mas, como você acha que irão reagir os conservadores que o elegeram em 2007 como o seu mais novo campeão? O oportunismo claro de então dará lugar a uma reflexão séria? É possível uma reflexão séria por parte dos conservadores, em especial sobre o Marxismo, ser ele tão-somente a ação divina?

Adamir Gerson. As dificuldades existirão dos dois lados. Pelo lado da ortodoxia cristã em compreender o Marxismo como sendo a ação de homens, mas inspirados por Deus, e pelo lado da ortodoxia marxista em reconhecer que são instrumentos vivos nas mãos deste mesmo Deus. Que o projeto que executam como sendo seus na verdade é parte de um projeto maior de Deus. O bom senso e a humildade com certeza serão meio caminho andado. E é certo que tanto a ortodoxia cristã como a marxista poderão sim traçar conjuntamente planos e caminhos pelo qual o Reino de Deus será construído no curto, médio e longo prazo. Como aconteceu com a Renovação Carismática que no início foi julgada pelos conservadores como invasão protestante do catolicismo, e aceita porque transformada em instrumento de luta contra a invasão marxista. Os tidos conservadores poderão sim, diante de nova luz sobre o real fundamento da Teologia, olhar com novos olhos tanto aos evangélicos como aos marxistas. Que não se trata de subtração do Reino de Deus, mas, pelo contrário, do seu crescimento. O importante é que as massas se manifestem nas ruas com alegria no coração sobre este novo porvir. As massas nas ruas farão os homens recobrarem a razão. De modo que estas três forças, católicos, evangélicos e marxistas, representantes diretos de Deus, poderão sim sentar-se na mesa e traçar um plano dialético de construção do Reino. Carismáticos e evangélicos, amolecendo os corações de pedra com o poder do evangelho, serão de suma importância. O que não se pode, repito, é deixar que a condução do mundo esteja nas mãos de uma nação que tem a certeza do seu domínio por confiar no poder das armas que construiu. O nem por poder e nem por força militar mas pelo poder da Palavra de Deus pode sim ser o interlocutor válido pelo qual estas três forças de Javé traçarão a construção do Reino no tempo e no espaço (PROSSEGUE)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Carlos Nelson Coutinho arruinou a esquerda brasileira


 Artigo meu no blog do Icaro:

http://republicasocialista.blogspot.com.br/2012/09/democracia-popular-x-democracia-como.html

Democracia Popular x Democracia como Valor Universal


Democracia popular x Democracia como valor universal ou: como Carlos Nelson Coutinho arruinou a esquerda brasileira

 

Por: Lúcio Jr.[1]

 

Escrevo esse artigo mais como militante do que como artigo científico. É mais um artigo de combate, dirigido contra a enorme moda do marxismo gramsciano no Brasil, uma verdadeira “Gramsci-mania”.

Os conceitos de Gramsci hoje são a forma por excelência com que o revisionismo anula o marxismo-leninismo no Brasil e precisam urgentemente ser combatidos e contestados. O conceito de bloco histórico desmantela a idéia do Partido de Vanguarda, a criação de uma hegemonia fornece argumentos para a falácia da revolução socialista pela via parlamentar, a divisão entre marxismo ocidental e oriental, já exposta pelo esquerdista Pannekoek nos anos 20, serve para melhor desvalorizar a experiência russa como modelo, descartando Lênin, que só seria útil para a Rússia e suas particularidades. Na prática, esquerdistas como Pannekoek, ao deixar de lado o norte que é a teoria de Lênin, oscilam entre a revolução de qualquer jeito agora e o derrotismo profundo, quando não, passam para o lado da reação, em geral a troco de remuneração.

Quando lançou Democracia como Valor Universal, Carlos Nelson Coutinho, na realidade estava conclamando a esquerda brasileira para deixar de lado a perspectiva revolucionária e aderir ao reformismo, a ocupar cargos na “porosa” máquina estatal, nas universidades, ONGs, prefeituras, no que foi extremamente bem sucedido. Mas, Coutinho precisava ir ao baile da esquerda vender seu peixe empesteado com um disfarce elegante e democrático, acima de qualquer suspeita. Ele vai achar o disfarce perfeito no Gramsci dos anos 30, quando Gramsci produziu suas teorias aparentemente de acordo com a frente popular e a aliança de todos contra o fascismo, o Gramsci que vivia encarcerado e foi fiel ao partido comunista até o fim. A duplicidade política de Gramsci lhe cai como uma luva. É justamente dessas posições ambivalentes que ele precisa. Para poder abandonar Lênin com alguma credibilidade, Coutinho não recorre ao costumeiro e sórdido Trotsky. Trazer à baila textos de Trotsky é trazer ao centro da cena o pensamento de Stálin, uma vez que derrotar Stálin é a sua grande obsessão, perseguida com uma nota histérica, em boa parte dos textos de Trotsky. A prática esquerdista dos trotskistas obviamente é mais um elemento para que Coutinho decida se afastar deles. Gramsci vai lhe dar uma máscara extremamente respeitável.

A explicação para a não-ocorrência da revolução no Ocidente que Gramsci encontra é falsa. Ele imagina que, mesmo se conquistarmos o Estado, a sociedade civil resistirá ao socialismo, então é preciso conquistar primeiro essa tal “sociedade civil”, conquistar cargos nos parlamentos, universidades, etc. Ora, a tal sociedade civil não passa de um lugar onde interesses particulares contraditórios disputam: é o lobby dos evangélicos contra a comunidade LGBT, etc.

A explicação para o fracasso da revolução no Ocidente já está em O Imperialismo, de Lênin, que o invejoso e tolo Gramsci teima em esquecer: a transição do capitalismo da livre concorrência para os monopólios fez com que surgissem setores privilegiados do proletariado, “aristocracias do proletariado”. Esses setores são a perdição dos trabalhadores! Corrompidos pelos sentimentos nacionalistas e pelos ganhos com a colonização e pilhagem dos povos coloniais e dependentes, esses setores passam ativamente a representar o interesse do imperialismo junto ao proletariado, sabotando e anulando suas lutas.

No Brasil, o ABC paulista e o PT são um bom exemplo dessa traição. O PT nasce num setor operário conciliador com o imperialismo americano e alia-se à pequena burguesia radicalizada. Com a vitória do imperialismo na Guerra Fria, deixam de lado a roupagem socialista e social-democrata e tornam-se neoliberais entusiasmados, embora prossigam, como o professor Jarbas Guimarães da UFMG, papagaiando incansavelmente o socialismo democrático e gerenciando um governo que privatiza aeroportos.

O que Carlos Nelson Coutinho fez, em seu, hoje clássico; Democracia como Valor Universal, foi praticamente uma reedição, com nova e bela roupagem, das teses revisionistas que estavam causando a decadência do socialismo na União Soviética a partir da subida de Kruschev em 1956:

1) Coutinho acredita que é possível chegar ao poder sem destruir o estado burguês, pela via parlamentar. Essa é uma das teses kruschevistas clássicas. Isso refuta Lênin. Lênin é bem claro a respeito disso em O Estado e a Revolução, não é uma metáfora, como escreve Coutinho. Isso de “é uma metáfora” é um truque típico desse grande enganador, desse execrável charlatão acadêmico que é o Carlos Nelson Coutinho.

2) Coutinho também propõe que a luta de classes não se agrava no socialismo. Um hit kruschevista, feito para deixar os comunistas serem pegos distraídos por todo tipo de reacionário. É evidente que essa luta se agrava! Imaginemos um empresário que passou a vida toda gozando de ócio e privilégios e passa a ter, com a estatização, de trabalhar como todos os outros. Pode-se supor que essa pessoa não tentaria de todas as formas reaver a sua propriedade, a sua situação anterior? Se hoje vemos que madeireiros são capazes de matar para defender seu direito de extrair madeira ilegal, o que seriam capazes de fazer sem a empresa? Respondo: sabotar, aliar-se a serviços secretos estrangeiros, organizar grupos armados para lutar contra o Estado socialista. Justamente o que ocorreu nos anos 30 com o grupo zinovievista-trotskista. Reprimir e julgar esses traidores é considerado abominação, embora até mesmo a Constituição brasileira preveja que, em caso de guerra, é prevista a pena de morte para sabotadores, traidores e espiões.

3) Coutinho escreve – nesse artigo que deu origem ao PSOL – sobre as maravilhas da “Autogestão”. Na Iugoslávia de Tito, essa era a senha para “restauração do capitalismo”.  Não por acaso, Lukács também fala em Autogestão, e, em 1956, deixou cair a máscara e propôs a restauração do capitalismo abertamente. A lorota da Autogestão é também um disfarce perfeito para o revisionismo, que assim posa de muito democrático, embora ele seja burocrático e autoritário. Coutinho chega a especular que as Comunidades Eclesiais de Base seriam uma forma de democracia direta. Ora, as CEBs são somente organizações de base da Igreja Católica, aliás, hoje totalmente desarticuladas em prol da organização a partir da mídia monopolista, que é a opção desastrosa da Igreja Católica hoje em dia. Coutinho não quer fazer uma avaliação da realidade brasileira tendo em vista a revolução. É bem outro o seu intento. Ele quer vender uma mercadoria que traz a peste para a esquerda, mas ele, pessoalmente, lucrará com destaque e vantagens pessoais. É o festejado “gramsciano”.

A tese da democracia como valor universal de Carlos Nelson Coutinho é uma jóia de disfarce, matreirice e mentira, foi perfeita sob medida para a transição conservadora brasileira, por isso foi tão propagandeada por setores reacionários. Serve maravilhosamente a eles! Coutinho faz com que a ditadura da classe burguesa, que permanece impondo o seu totalitarismo na democracia capitalista, fique totalmente invisível. Para a burguesia, isso é maravilhoso, é fantástico.

Outra falácia que tem de ser denunciada é a posição equivocada de Coutinho sobre a contrarrevolução de 64, um dos regimes mais selvagens do pós Segunda Guerra, comparável ao nazismo de Hitler. Ela passa a ser considerada, com conceitos tirados do buquê gramsciano, exemplo de “revolução pelo alto”, “revolução passiva”, “pela via prussiana”. O sentido principal de 64 foi arrasar o processo de descolonização que vivia o país; a longo prazo, o sucesso foi total e completo. Exatamente o contrário do que fez Bismarck, guerreando contra três países para acabar com a dominação externa. Coutinho literalmente chamou “urubu” de “meu loiro” nessa análise. Será ele inocente? Temo que não! Ele é reacionário mal intencionado mesmo!

A verdadeira cerejinha do bolo foi mesmo quando encontrei, nas notas do artigo de Carlos Nelson Coutinho sobre Democracia como Valor Universal, um elogio discreto às idéias de Fernando Henrique Cardoso, que iriam “muito além do liberalismo”! Fernando Henrique e seu grupo são traidores profissionais da esquerda, eles e o seu gancho do pentágono do Brasil, que é o CEBRAP, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, uma estrutura elaborada na Guerra Fria para conquistar os intelectuais brasileiros e que teve para sua instalação 18 mil dólares da Fundação Ford. Nos anos 50, Fernando Henrique, Octavio Ianni e a trupe revisionista (que é a ligação da corja da USP com José Paulo Netto e a Carlos Nelson Coutinho) organizaram, na USP, um festivo e badalativo seminário de O Capital para poderem disseminar o revisionismo e foram extraordinariamente bem sucedidos. A broca penetrou no Partido Comunista Brasileiro, nos movimentos sociais e se alastrou feito uma praga através das universidades, uma vez que a USP é a grande disseminadora da modernidade intelectual para o Brasil. Eles plantaram a sementinha no lugar certo nos anos 50 e, nos anos 90, colheram com sofreguidão o fruto sujo de sangue da ruína da esquerda e da recolonização do Brasil. Nada como ler O Capital para ganhar dinheiro!!!

Para não dizer que não concordo com nada do que Coutinho diz no já canônico artigo Democracia como Valor Universal, eu digo que concordo que é preciso participar de eleições e ampliar essa democracia que está aí. Mas sem esquecer de dizer que através dela a burguesia está buscando o domínio total da sociedade, ou seja, a democracia capitalista é a ditadura da burguesia disfarçada! Ela espiona a esquerda, monitora os movimentos sociais, obtém o predomínio através da indústria cultural, é uma fachada. Até mesmo o Iraque e o Afeganistão têm um arremedo de democracia capitalista, embora sejam países ocupados militarmente pelo imperialismo.

A ditadura da burguesia disfarçada funciona assim: se tentarmos modificá-la por dentro, se avançarmos em conquistar os espaços nesse Estado para revolucioná-lo, essa estrutura reagirá por vias legais e ilegais. Uma das possibilidades é que as milícias compostas por ex-policiais que existem no Rio e que hoje matam e aterrorizam a população se voltarão contra os líderes da esquerda, formando grupos de paramilitares que podem dar origem a partidos de extrema-direita.

O debate sobre democracia e socialismo no Brasil parece encerrado, com a vitória absoluta do democrata pequeno-burguês de fraseologia falsamente socialista Carlos Nelson Coutinho e seus inúmeros seguidores, que arruínam praticamente todo o marxismo no Brasil hoje. O sucesso deles é tanto que agora há inclusive um partido inspirado em suas idéias: o Partido Socialismo e Liberdade. O futuro do PSOL, por tudo o que está anunciado, é ser o PT do futuro: assumir cargos na máquina estatal e discursar a favor do socialismo com liberdade. Agir com autoritarismo e tomar atitudes burocráticas, não debater nada internamente, mas sempre discursar contra o centralismo democrático, contra o “stalinismo”. O melhor disfarce do burocrata autoritário é denunciar o suposto autoritarismo e burocratismo de Stálin, Mao e Pol Pot, compilando calúnias e difamações estúpidas, fazendo coro com os anticomunistas, etc. Oxalá esse artigo consiga fazer algo para reverter essa patranha!